MANAUS – A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas acolheu o parecer do Ministério Público Estadual e reformou a sentença da juíza Mirza Telma de Oliveira Cunha, que no dia 11 de fevereiro de 2014 absolveu sumariamente o dentista Milton César Freire da Silva, acusado de matar a ex-mulher dele a perita da Polícia Civil Lorena dos Santos Baptista, no dia 5 de julho de 2010. Com a decisão, o dentista vai enfrentar o Tribunal do Júri. A decisão foi proferida nesta segunda-feira, 3.
A manifestação do Ministério Público foi feita em recurso de apelação da defesa de Lorena Baptista à Primeira Câmara Criminal. O promotor Carlos Antonio Ferreira Coêlho pedia que o réu fosse pronunciado e, por conseguinte, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular.
O relator do processo, desembargador João Mauro Bessa, escreveu no voto que 0 instituto da absolvição sumária “somente é cabível quando houver nos autos prova unívoca de uma das hipóteses previstas no Art. 415 do Código de Processo Penal, demonstrada de maneira peremptória. Em havendo dúvida razoável, deve-se preservar a competência do Tribunal do Júri, a quem compete incursar no mérito da causa, dirimindo todas as controvérsias atinentes ao fato”.
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A juíza Mirza Telma, da 1ª Vara do Tribunal do Júri, julgou improcedente a denúncia formulada pelo Ministério Público sob a alegação de que não ficou provado que houve crime de homicídio, mas um disparo acidental enquanto os dois travavam uma briga no apartamento de Milton Silva. Na peça de acusação, o Ministério Público sustentou que Milton Silva matou a ex-mulher com um tiro na cabeça.
E manifestação na apelação, o MP reafirma a tese de que Milton Silva matou a ex-mulher, ao citar a única testemunha ocular do fato, o menor Pedro Baptista da Silva, filho do casal, que no processo afirmou que “viu seu pai com a arma de sua mãe, apontando-a para a cabeça de sua mãe (…) Que no momento em que viu seu pai com a arma apontada na cabeça de sua mãe, não ouviu qualquer diálogo entre os dois.”
De acordo com o promotor, a decisão de absolvição sumária, que afastou a autoria atribuída Milton Silva, está desprovida de provas. Segundo ele, a juíza “não teceu uma linha sequer a respeito do laudo elaborado pela polícia judiciária, preferindo acolher em sua totalidade os laudos juntados pela defesa, os quais, obviamente, elaborados por profissionais contratados pelo acusado, jamais iriam atestar algo que lhe prejudicasse.”
Dos fatos
Lorena foi ao apartamento do ex-marido (número 307, no condomínio Villas Lobos, no Parque 10) na noite do dia 5 de julho de 2010, na companhia do filho Pedro Baptista da Silva, de 12 anos. O MP relata que ela chegou com luvas e uma arma de fogo na cintura.
Durante uma discussão, ela sacou a arma e os dois travaram uma luta corporal. Na versão do MP, Milton Silva conseguiu sacar a arma, apontou para a cabeça de Lorena Baptista e disparou. “Observa-se que o disparo de arma de fogo não foi acidental, pois o acusado apontou a arma em direção da cabeça da vítima. Outrossim, não agiu o acusado acobertado pela legítima defesa, pois a vítima já se encontrava desarmada e não oferecia mais, portanto, qualquer perigo quando foi alvejada e morta pelo acusado.”, sustentou o MP no processo na primeira instância.
A defesa de Milton Silva, ao contrário, alegou legítima defesa e disparo acidental. No depoimento que prestou em juízo, o acusado disse que tentou quebrar o punho da vítima quando percebeu que ela estava com a arma na mão. Enquanto a segurava, ele disse ter percebido o disparo.
A versão de Milton Silva foi aceita pela juíza com base em perícia por peritos particulares contratados pela defesa do acusado. De acordo com Mirza Telma, “os peritos concluem pela improbabilidade da hipótese de crime de homicídio, pois apesar da mão do acusado estar sobre a mão da vítima, é esta quem empunha a arma e tem o dedo no gatilho. A arma foi virada em direção à cabeça da vítima em consequência de uma ação espontânea de defesa do acusado (fls. 366). Além disso, não houve a comprovação residuográfica do disparo nas mãos do Acusado”.
“As conclusões dos peritos contratados por uma das partes não poderiam, por si sós, servir de base à sentença absolutória, em detrimento de provas oficialmente colhidas ao longo da instrução processual, notadamente porque não se apresentam como verdades inequívocas”, disse o promotor na manifestação.
Voto do relator
O desembargador João Mauro Bessa afirma que a decisão de absolvição sumária nos processos de competência do Tribunal
do Júri só tem lugar diante de prova absoluta e inconteste, escoimada de qualquer dúvida pertinente à justificativa da decisão. Não foi o que ocorreu nesse caso, segundo o relator, que afirma não ter sido o melhor juízo da magistrada Mirza Telma.
Mauro Bessa afirma que a juíza valeu-se exclusivamente das declarações prestadas pelo acusado e das conclusões extraídas dos pareceres técnicos encomendados pela defesa do réu (fls. 335/354 e fls. 362/399), que, de fato, assinalam a possibilidade de que o disparo tenha se dado de forma acidental.
No entanto, segundo o voto do relator, existem nos autos elementos que apontam em sentido contrário, corroborando a tese de acusação, que defende a hipótese de homicídio simples. “Os próprios pareceres colacionados aos autos pela defesa, embora atestem a maior probabilidade de tiro acidental, não excluem cabalmente a hipótese de homicídio”.
Mauro Bessa lembra que Pedro Baptista da Silva – filho do casal e única testemunha ocular dos fatos – afirmou, tanto no inquérito quanto em juízo, que viu o acusado segurando a arma de fogo e apontando-a em direção à cabeça da vítima. “Ora, soa estranho que a juíza a quo tenha desconsiderado tal afirmação, colhida tanto pela autoridade policial quanto em juízo e que, independentemente da versão ventilada nos autos, apresenta-se como dado crucial para desvendar a real dinâmica dos fatos”, escreveu.
O magistrado conclui que a pronúncia do réu mostra-se como decisão mais acertada, e determina que Milton César Freire da Silva vá a Juri Popular. O voto do relator foi seguido pelos demais magistrados da Primeira Câmara Criminal.