A considerar certas ocorrências policiais mais recentes, tanto no Amazonas quanto noutros estados do país, pode-se reconhecer, ao lado dos eventos tradicionais que inflam os indicadores de criminalidade, a existência de outras tendências desafiadoras às polícias e à gestão da segurança pública.
Certos delitos figuram há tempos, guardadas as especificidades culturais, em códigos penais dos países do Ocidente: crimes contra a pessoa (homicídios, lesões corporais, abandono de incapaz, maus-tratos, crimes contra a honra, crimes contra a liberdade individual etc.), crimes contra o patrimônio (furto, roubo, latrocínio, extorsão, usurpação…), crimes contra a organização do trabalho, contra a dignidade sexual, contra a família, contra a incolumidade pública, contra a paz pública, contra a administração pública e outros mais. No entanto, certas formas de violência e eventos criminosos passam a configurar novas tendências, requerendo assim das polícias e da segurança pública abordagens e ações não apenas especializadas, como também integradas e sistêmicas.
Não que inexistissem, mas somente em tempos mais atuais certas violações a direitos tomaram forma tipificada em muitos ordenamentos, inclusive no direito penal brasileiro, demandando providências não só repressivas e punitivas, como também medidas sociais sistêmicas e integrais a ponto de surtirem efeitos na área de segurança pública.
Devido à frequência e expansão dessas práticas delituosas e de violência ilegítima, pode-se observar a confirmação de certas tendências contemporâneas fomentadoras de insegurança, decorrendo daí questionamentos acerca dessas tendências como fatores que passam a influir na composição da criminalidade:
a) Como o relacionamento doméstico se converteu numa questão de segurança pública?
b) Como certas práticas contra os idosos passaram a ser uma questão policial?
c) Como o preconceito racial e a homofobia passaram a se constituir em casos de polícia?
d) Como os presídios passaram a ser uma questão de segurança pública?
e) Como a questão ambiental passou a figurar como problema de polícia?
f) Por que as manifestações populares, os protestos de rua e até o “rolezinho” podem se converter em problemas de segurança pública?
g) Por que certas facções e organizações criminosas se expandiram a ponto de colocar em risco a segurança da sociedade?
h) Em que medida a atuação e a omissão dos poderes, a criminalização das manifestações políticas, a publicidade e a mídia, a atuação de agentes públicos, inclusive do poder judiciário e da própria polícia, concorrem para a reprodução dessas tendências criminosas e também se constituem em problemas de segurança pública?
Tais interrogações provocam imediatamente outras: seriam os problemas de segurança pública necessariamente problemas de polícia? Em que medida a atuação das polícias é suficiente para lidar ou resolver questões de segurança pública? Por outro lado, ao invés de sempre partirmos da polícia para tratar das questões de segurança pública, como gerir esses problemas de modo a evitar que eles também cheguem ao ponto de se converterem em casos de polícia?
Há algum tempo, tem-se percebido, de forma cada vez mais nítida, que as respostas aos problemas de segurança pública não se reduzem à atuação e às respostas de órgãos policiais, tal como ainda pensam alguns e como pode nos levar a entender, equivocadamente, uma leitura apressada do art. 144/CF.
As questões que essas novas tendências colocam à segurança pública requerem respostas mais sistêmicas, integrais e integradas, articulando ações repressivas e urgentes, de modo a agir sobre as causas imediatas do crime, ainda que superficial e mesmo topicamente, a outras intervenções de caráter mais profundo e estrutural. Do contrário, sem esse pari passu de ações estruturais, as ações imediatas ou urgentes, tópicas e superficiais, sejam preventivas sejam repressivas, tendem a deixar de surtirem efeitos, tornando-se obsoletas, pois o crime rearticula-se com o tempo, incorporando as mesmas na sua atuação, devido à ausência de sociedade civil organizada e do poder público.
Por isso, às operações imediatas e intervenções superficiais para lidar com as tendências e temas da insegurança pública é fundamental assomarem-se ações estruturais, sistêmicas e integradas, a fim dar respostas de gestão pública adequadas às tendências e questões contemporâneas na área de segurança pública.
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