Quando a insensatez impera, a política se torna um instrumento de opressão. É o que assistimos neste momento com a disputa em torno da tarifa do transporte coletivo de Manaus. De um lado, o prefeito Arthur Virgílio Neto (PSDB), de outro, o governador José Melo (Pros), dois ex-aliados que resolveram medir forças e a corda arrebentou do lado do mais fraco: o usuário de ônibus.
Quem sempre acompanhou a querela da tarifa, uma das mais difíceis tarefas de um gestor municipal, porque mexe com o bolso de quem menos tem, sabe que é falso o argumento do governador José Melo segundo o qual havia um acordo para não aumentar o valor da tarifa.
Em 2013, o preço da passagem de ônibus em Manaus chegou a R$ 3,00 depois de permanecer a R$ 2,75 por um longo período na gestão de Amazonino Mendes. Três depois, o prefeito reduziu o valor para R$ 2,90, após o anúncio do governo de Dilma Rousseff de isenção do Pis/Cofins cobrado das empresas de transporte público.
A redução ocorreu em função, principalmente, dos protestos de junho de 2013. O governador do Amazonas era Omar Aziz (PSD), que tinha relação política saudável com o prefeito. Em 1º de julho de 2013, os dois decidiram se unir para reduzir a tarifa ao patamar de março daquele ano: R$ 2,75. A redução foi possível porque o governo do Estado isentou as empresas do pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) dos ônibus utilizados no transporte coletivo (R$ 5 milhões por ano). Além da isenção de IPVA, o governo já concedia há pelo menos cinco anos isenção de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o combustível dos ônibus. E para completar, Omar Aziz fez um aporte de R$ 12 milhões a título de subsidio para custear a tarifa.
O subsídio do governo era metade do valor subsidiado às empresas. A outra metade era paga pela Prefeitura de Manaus.
O acordo firmado entre governo e prefeitura não congelava em definitivo o valor da tarifa. Tanto foi assim que em janeiro de 2015, a prefeitura de Manaus concedeu um novo reajuste, o que elevou o preço da passagem para R$ 3,00, um aumento de 9,09%.
Foram dois anos sem reajuste, quando o contrato de concessão prevê reajuste anual pela inflação. Em 2016, as empresas de ônibus recorreram à Justiça para elevar o preço da tarifa de ônibus. Era ano de eleição e um reajuste poderia atrapalhar os planos de Arthur Virgílio Neto de reeleição. O prefeito bateu o pé e disse que não daria aumento de jeito nenhum naquele ano.
2017 começou com o aumento da pressão dos empresários por reajuste. Como aliados, eles tinham os trabalhadores do sistema, que estavam sem reajuste de salário desde 2015. Ameaças de greve e uma paralisação geral forçaram a abertura de negociação com as empresas. Mas o aumento era inevitável.
Quando finalmente o prefeito decidiu conceder o aumento e quando todos apostavam que a tarifa subiria para R$ 3,50, o vice-prefeito Marcos Rotta surpreendeu com o anúncio de R$ 3,30.
Nesse momento, aquele subsídio concedido por Omar Aziz em 2013 já não vinha sendo pago há pelo menos seis meses pelo governo do Estado, e vinha sendo pago pela Prefeitura de Manaus, que, com o reajuste para R$ 3,30 e o congelamento da maia-passagem estudantil em R$ 1,50, ficou obrigada a desembolsar R$ 60 milhões por ano para subsidiar a tarifa.
Um dia depois do anúncio do reajuste, quem surpreende a todos é o governador José Melo, ao anunciar que estava retirando a isenção de IPVA dos ônibus e a renúncia fiscal de ICMS do combustível. Como esse valor representa cerca de R$ 50 milhões por ano (R$ 40 milhões só de ICMS), a prefeitura ficou entre a cruz e a espada. Ou arcava com esse custo ou concederia novo reajuste da tarifa. Optou pela segunda.
Faltou diálogo, faltou entendimento político. Mas faltou, acima de tudo, sensatez dos dois gestores. Considerando a renúncia fiscal concedida pelo Estado a outros setores da economia, a isenção de ICMS e IPVA representa uma gota d’água no oceano. Dizer que precisa do dinheiro para investir em outras áreas é outra balela.
No entanto, da parte da Prefeitura de Manaus, falta transparência nos números. A apresentação da planilha de custos, prometida para esta sexta-feira, é necessária para que todos conheçam como se forma o preço da tarifa e se os R$ 3,80 anunciados para vigorar a partir de sábado é justo.
Ainda há tempo para que o governador e o prefeito se desarmem, sentem à mesa de negociação e cheguem a um entendimento pensando na população de Manaus, no usuário do transporte público.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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