Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – A operação que investigou desvios de R$ 100 milhões da Prefeitura de Coari (município a 363 quilômetros de Manaus) nos anos de 2017 e 2018 terminou com todos os processos arquivados, implicados livres e um único réu: o promotor de Justiça Weslei Machado Alves, responsável pelas investigações. Ele responde pelo crime de calúnia contra o juiz Fábio Lopes Alfaia. Ambos atuavam em Coari na época da operação.
“O saldo que nós temos de tudo o que aconteceu no município de Coari é: processo dos R$ 100 milhões arquivados, aqueles diversos processos que envolviam combate a corrupção todos arquivados pelo juiz Fábio Lopes Alfaia e, no final, o único réu de tudo isso até hoje sou eu”, afirmou Weslei Machado, em entrevista nesta terça-feira (4) ao programa O A DA QUESTÃO, disponível no Youtube.
Natural de Brasília (DF), Weslei Machado chegou no Amazonas em 2017 para trabalhar como promotor de Justiça, após ser aprovado em concurso público. Ele escolheu Coari para começar a trabalhar, em razão de ser a cidade mais próxima de Manaus entre as opções disponíveis. Lá, apurou e denunciou diversos casos de corrupção, foi ameaçado, teve que andar escoltado por alguns anos e até hoje sofre consequências por sua rígida atuação.
Por outro lado, o trabalho dele foi reconhecido por seus colegas. Em 2019, a então procuradora-geral de Justiça do Amazonas, Leda Mara Albuquerque, disse que tinha um excelente quadro de promotores, mas que gostaria de ter mais 100 promotores com o perfil de Weslei Machado, que ela chamou de “promotor na essência”.
A história de Weslei Machado é um exemplo de superação. Ainda jovem, ele se envolveu com venda de entorpecentes e chegou a ser ameaçado de morte. Morou em Manaus por um ano após ser “resgatado” por um tio, que é pastor. “Aqui no Amazonas inclusive trabalhei como zelador de igreja, trabalhava em uma lanchonete que havia na igreja”, disse o promotor.
Ao retornar para o Distrito Federal, ele trabalhou com o pai, como eletricista. Uma das tarefas era abrir buracos no asfalto para a instalação de rede subterrânea de energia elétrica. “Era um período muito difícil, que me trouxe muitos desafios. Mas, graças a Deus, eu tive a ideia de mudar a minha vida por meio do estudo”, afirmou Weslei Machado.
Em 2001, concluiu o ensino médio, que havia abandonado, e depois cursou Direito. Por dez anos, trabalhou como analista judiciário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e depois foi assessor em gabinete de desembargador no TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios).
“Em 2000, eu cheguei no estado do Amazonas como alguém desacreditado, como um criminoso, alguém que a minha família não queria mais, e em 2017 eu retornei para o Amazonas como promotor de justiça, após a minha aprovação no concurso”, disse Weslei Machado.
Coari
A passagem do promotor por Coari foi marcada pelo combate ao tráfico de drogas. Coari fica na chamada “rota do tráfico”. Em razão disso, por anos, o promotor teve que andar escoltado.
“Muitos reflexos afetam os municípios do interior do Amazonas por causa dessa passagem do tráfico, daqueles crimes que são inerentes ao tráfico de drogas. Ali [em Coari] eu tive alguns problemas. Aliás, recebi escolta policial por alguns anos por causa dessa atuação no combate ao tráfico de drogas”, afirmou Weslei Machado.
Hoje, o promotor atua em Humaitá, no sul do estado. Ele disse que decidiu se mudar para ter “maior convívio com a minha família”, que era impossível em Coari.
Weslei Machado travou fortes embates contra o grupo político liderado pela família Pinheiro, dos ex-prefeitos Adail Pinheiro e Adail Filho e do atual prefeito Keitton Pinheiro.
“Lá no município de Coari, para você ter ideia, servidores públicos andavam nos locais em que eu frequentava (restaurantes, lanchonete, casa, Ministério Público) para fotografar onde eu entrava, com quem eu falava. Isso me impedia de trazer a minha família, as minhas filhas para terem contato comigo”, afirmou Weslei.
O promotor disse que até as filhas dele foram perseguidas em Manaus e desenvolveram doença.
Um dos personagens com quem travou embates em Coari, o juiz Fábio Lopes Alfaia, foi afastado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em março desde ano para ser investigado por suspeita de favorecer o grupo político liderado pela família Pinheiro.
Consequências
Weslei Machado afirmou que a forte atuação dele no município de Coari o trouxe uma série de prejuízos.
“Para você ter uma ideia, hoje, de todos os processos em que atuei no município de Coari na tentativa de evitar o dano ao patrimônio público, evitar o conjunto de atos ilícitos que foram praticados, o único réu de tudo o que aconteceu sou eu. Nos demais casos, diversos processos ajuizados pelo Ministério Público foram todos arquivados”, disse Weslei Machado.
O promotor foi acusado de caluniar o juiz Fábio Alfaia em uma entrevista concedida ao programa Câmera Record, da RecordTV, em 2019. Na reportagem, que até hoje está disponível no site da emissora, Weslei afirmou que testemunhas relataram a ele que o juiz recebia dinheiro para agir a favor da família Pinheiro.
De acordo com Weslei Machado, inicialmente, o TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) rejeitou a queixa-crime apresentada contra ele por Alfaia, considerando que não havia indícios mínimos da prática do crime. O magistrado apresentou um recurso ao Tribunal e os desembargadores, por maioria, decidiram tornar o promotor réu.
“Eu não caluniei. Eu dei uma entrevista com base em provas que a mim foram apresentadas – testemunhas foram até mim – e também em outros elementos que diziam respeito aos processos em que atuava. Com base nas testemunhas e nas provas produzidas nos processos em que atuei, eu dei aquela entrevista”, afirmou Weslei Machado.
“Em nenhum momento a minha intenção era ofender ou caluniar. O que eu queria era apresentar para a sociedade, demonstrar o que eu tinha ciência e as provas que eu tinha, as ações que eu tinha ajuizado enquanto promotor de justiça. E isso me trouxe uma série de prejuízos”, afirmou Weslei, que respondeu a dezenas de processos na corregedoria e ações penais oriundos da família Pinheiro.
Questionado se considerava “perdida” a investigação dos R$ 100 milhões, Weslei Machado afirmou: “Não posso falar para você se tem como reverter ou não tem porque eu já não acompanho os casos de Coari desde 2020. A única notícia de que tive era que os processos tinham sido arquivados e, inclusive, os prazos para recursos já tinham transcorridos e nada mais podia ser feito”.
Na entrevista, o promotor fala sobre os desafios de combater a corrupção no interior do estado, principalmente após as mudanças na legislação brasileira. Ele diz que atualmente o Ministério Público está em fase de “acomodação” e análise de novas estratégias para combate a corrupção, que há “insuficiente estrutura” para que promotores trabalhem e que acredita na mudança do país a partir do investimento em educação.
Assista ao vídeo da entrevista: