Com frequência cada vez maior, algum outro episódio de corrupção toma conta da agenda dos veículos de comunicação de massa no país. E nos conduz a seguinte questão: o Brasil está perdendo ou ganhando a guerra contra corrupção “institucional” ou “institucionalizada”?
A princípio, diante da exibição de tantos escândalos na esfera dos poderes públicos, pode parecer que está perdendo e que a corrupção é, como muitos já disseram, algo endêmico, ou seja, algo que faz parte da cultura nacional, do cotidiano das relações sociais no país, e do modo de ser do brasileiro.
Talvez isso tivesse algum fundo de verdade se a cultura fosse algo fixo, como uma fotografia imutável, e a história e o processo social não admitisse mudanças. Porém, tal como o processo cultural é dinâmico, a história e formação do povo brasileiro estão envoltas em constantes transformações. E, por essa razão, a corrupção não é algo endêmico nem definitivo, e muito menos um modo de ser do povo. A corrupção é, pois, algo que pode e deve ser combatido, em todas as suas formas de manifestação e em todas as esferas e poderes. Requer a dinamização da cultura na direção do amadurecimento ético das práticas sociais, dos valores coletivos, das instituições formais, dos hábitos e dos costumes, seja de forma individual seja com relação à coletividade.
Aliás, a exposição de escândalos de corrupção, em especial nos poderes públicos, antes eram escondidos, “empurrados pra baixo do tapete”, silenciados de forma criminosa. De uns tempos pra cá, todavia, principalmente com a reabertura política, a imprensa, os meios de comunicação de massa e a própria sociedade têm mostrado uma postura diferente diante deles, no sentido de dar amplo conhecimento e reprovação aos mesmos. Coisa que não se podia fazer num regime politicamente fechado.
Em nenhum outro contexto, existiram tantas quadrilhas desbaratadas e prisões de “gente famosa ou poderosa” como nesses tempos em que a polícia judiciária, o poder judiciário e o ministério público puderam atuar com alguma autonomia, inclusive no âmbito dos Estados-membros. A lei de responsabilidade fiscal contribuiu para racionalizar os gastos dos governos e responsabilizá-los pelos desvios de finalidade e outros excessos. As novas tecnologias de informação colaboraram para dar mais transparência às contas públicas e o monitorar o rastro do dinheiro oriundo de corrupção e também resultante das iniciativas de branqueamento.
Os crimes de corrupção e lavagem de dinheiro violam regras fundamentais à proteção dos recursos comuns do público, colocam em risco a democracia, ameaçam a sociedade e o Estado, além de constituíram violência direta à dignidade da pessoa humana, à ordem pública e social. São delitos praticados por indivíduos e grupos organizados e até intelectualizados, formando quadrilhas e bandos que assaltam os bens públicos e coletivos. Por isso, via de regra, incorrem no que a Convenção de Palermo (2000) designou de Grupo criminoso organizado.
Diversas são as modalidades de crime organizado: colarinho branco, tráfico de drogas e de armas, contrabando e descaminho, tráfico de pessoas e lenocínio, sequestro e extorsão, fraude nas licitações e contratos administrativos, pistolagem, assaltos, furtos e roubos de cargas etc. O crime organizado, todavia, necessita da corrupção nas distintas esferas e poderes, bem como da lavagem do dinheiro para usufruir do resultado dos delitos. Por essa razão, combater a corrupção também é enfrentar e reprimir o crime organizado.
Em que pese ainda haver promiscuidade nas relações entre o público e o privado, vê-se, cada vez mais, a reprovação da corrupção como “jeitinho” e outras formas degradadas de resolver as coisas. Apesar das exceções, tende-se a expurgar o corrupto da cena política. A lei da “ficha limpa” foi aprovada com esse propósito. Entre os objetivos do financiamento público de campanhas eleitorais, visa-se isso também, além de dificultar a venda de mandatos e a patrimonialização do mesmo pelo próprio candidato. Quer-se, com isso, combater frontalmente e criar mecanismos que dificultem a corrupção.
Tudo isso revela certa tendência ao combate da corrupção nas instituições de mediação política e nas repartições públicas, inclusive inibindo a aposta eleitoral em “salvadores da pátria” e vendedores de mandatos em troca da captação de recursos privados, o que já é um melhor ponto de partida para o fortalecimento da experiência democrática no Brasil.
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