A chamada “redução da menoridade penal”, que em verdade é a responsabilização penal do adolescente, é equivocadamente apresentada como solução, remédio ou paliativo para problemas sociocriminais que, na realidade, requerem outros tipos de respostas ou intervenções.
Os argumentos que se difundem favoráveis à proposta são diversos e carecedores de suporte fático, haja vista a completa inexistência concreta de indicadores em favor da medida.
Primeiro, diz-se que a medida poderá inibir ou intimidar a delinquência juvenil.
Depois, alega-se que a citada redução combaterá impunidade do menor infrator.
Terceiro, argui-se que a providência terá efeito pedagógico ao desestimular a prática de atos infracionais por adolescentes.
Quarto, expõe-se que os menores infratores são assim desde o “berço”, já nasceram assim, “bandido nasce bandido”, no mais institivo estilo lombrosiano. Inexistiria qualquer perspectiva de mudança desses menores, segundo os defensores dessa tese. É algo determinado genética e naturalmente… Por essa razão, alguns até chegam a externar o irrefletido clichê de que “bandido bom é bandido…”
Quinto, postula-se que o menor, atualmente, tem acesso muito maior à informação e que, por isso, ele teria discernimento, saberia plenamente o que está fazendo e que, no final, ficaria praticamente impune.
Sexto, se o menor com 16 anos já pode votar, significa necessariamente que ele já teria maturidade e condição de ser responsabilizado penalmente como se adulto fosse.
A primeira tríade de argumentos não encontra o menor fundamento concretamente, pois nada disso ocorreu em países que adotam ou adotaram a medida, não havendo indicadores que deem qualquer sustento a essas teses ancoradas numa mentalidade arcaica, cuja lógica é a de que questões como essa somente se resolvem ou se atenuam por via do recrudescimento da intervenção repressiva e prisional.
O quarto argumento é radicalmente preconceituoso, puramente assentado em velhas e obsoletas concepções do mesmo nível do racismo, do eugenismo, da superioridade da raça ariana.
O quinto e o sexto argumentos estruturam-se em silogismos falaciosos, segundo os quai uma coisa necessariamente implicaria na outra, o que não é verdadeiro. É preciso desmistificar essa argumentação, pois o fato de se ter maior acesso à informação, inclusive via eletrônica e em redes sociais, não quer dizer que isso resulte necessarimente em discernimento e em definição de convicções. Uma coisa pouco tem a ver com a outra. Do mesmo modo, o fato de alguém poder votar aos dezesseis anos não é garantia de maturidade cívica e penal nem significa que pode ser considerado como se adulto fosse para efeitos penais. Essas argumentações estão inteiramente eivadas de vícios e carecedoras sustentação no mundo real.
A crescente prática de delitos violentos, dentre outros, por parte daqueles que ainda não alcançaram a maioridade constitui, sem dúvida, algo grave, preocupante, que deve ser enfrentado e controlado, seja por meio da ação estatal, via políticas públicas, seja por via de iniciativas da própria sociedade. Contudo, reduzir a solução ou remediação do problema à suposta medida de redução da menoridade penal é, no mínimo, tentar “tapar o sol com a peneira” e fazer demagógico populismo penal, voltado para o encarceramento em massa.
A sociedade brasileira requer medidas consequentes e soluções ou intervenções mais efetivas diante dos críticos problemas de insegurança pública, em especial diante da situação do “menor infrator”. Muito além da providência da mera redução da maioridade penal, é imprescindível ao Estado e à sociedade empenhar-se para cumprir, no que se refere à criança e ao adolescente, o que dispõe a Constituição Federal (art. 227) e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990).
Apenas para retomar, estabelece o Art. 227 da Constituição: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colacá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Art. 227/CF
Quando da pratica de um ato infracional, em que pese o ECA dispor no Art. 104 que “São penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei.”, o adolescente infrator ou em conflito com a lei está suscetível à internação em estabelecimento educacional (Art. 112, ECA). Entretanto, a medida não vem sendo aplicada de maneira apropriada nem eficaz. O ente estatal não pode continuar negligenciando o tratamento de tais menores infratores e, na realidade, deve assistir o quanto antes aos adolescentes expostos à violência e à vulnerabilidade social. É bastante conhecida e notória, dentre as relevantes conclusões do Relatório Mundial sobre Violência e Saúde da OMS (2002), que “Quanto mais cedo se atuar na vida de um indivíduo, evitando o desenvolvimento de condutas violentas, mais efetiva será a ação preventiva.”
Na ausência da orientação, assistência e amparo por parte da família, da sociedade e do Estado, adultos estariam se aproveitando da condição “do menor de idade” para a prática de diversos crimes, escapando, dessa modo, da devida responsabilização penal. Quanto a isso, já existe projeto de lei responsabilizando de maneira mais gravosa o criminoso que manipular e usar o adolescente para a prática de atos infracionais.
Diante dos apelos demagógicos do populismo penal, é essencial não perder o discernimento nem a sobriedade e questionar a eficácia da “redução da maioridade penal” como solução adequada ou ao menos como medida paliativa e remediadora para o problema da delinquência juvenil. Tal providência servirá para inibir ou intimidar a pratica infracional de adolescentes? Quais os indicadores reais disso? O que acontece nos países que adotoram ou adotam a medida? De fato, ela desestimulou, inibiu ou ao menos reduziu a prática de delitos por parte dos adolescentes? Infelizmente, não existem indicadores de que a suposta medida de “reduzir a maioridade penal” tenha surtido algum dos efeitos desejados.
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