Ricardo (nome fictício) voltou de Tallahassee Capital do estado da Flórida, localizada no condado de Leon, nos Estados Unidos, há quase dois anos e ainda não conseguiu se readaptar à vida tranquila da pacata Rolim de Moura, localizada na Zona da Mata do Estado de Rondônia. Migrou para os Estados Unidos aos 23 anos e viveu ‘no estrangeiro’, como costuma dizer, por dez anos seguidos. Enfrentou muitas dificuldades, dentre elas a situação migratória irregular por ter migrado sem visto.
Entretanto, numa entrevista de mais de três horas, Ricardo não falou quase nada dos problemas vividos na agitada Tallahassee com seus 181.376 habitantes. Recorda as ‘noitadas’ com os amigos nas boates, o trabalho na construção civil, os passeios aos finais de semana, as diversas namoradas. Parece ter apagado da memória todas as dificuldades pelas quais passou. Repetidas vezes acenou para a possibilidade de retornar aos Estados Unidos no próximo ano. “Se pudesse escolher, gostaria de morar lá para sempre” afirma o rapaz seguidas vezes durante a conversa.
Quanto à Rolim de Moura, pequena cidade com 57.074 habitantes, não faltam queixas. Reclama da cidade e das pessoas. “São ignorantes e mal-educadas, pensam pequeno” afirma Ricardo expressando seu descontentamento. Agora, com 35 anos, recém-casado, vive uma intensa crise conjugal. Afirma estar ‘arrependido’ do casamento e fala de separação para “retornar sozinho para os Estados unidos, sem ninguém empatando”.
Ricardo sofre da síndrome do retorno. Também conhecida como síndrome do regresso, o tema vem sendo amplamente pesquisado nos estudos migratórios. Trata-se de uma síndrome que acomete as pessoas que voltam à terra natal após temporadas no exterior. Um percentual importante dos migrantes retornados sofre dessa síndrome que alguns psicólogos definem como depressão que pode variar de leve a moderada. Pode ser caracterizada pela dificuldade de readaptação ao país de origem. Em muitos casos, como o apresentado por Ricardo, a dificuldade de conviver novamente no país de origem faz com que a possibilidade de remigrar seja acionada como forma de superação da depressão.
De acordo com o neuropsiquiatra Décio Nakagawa que identificou e nomeou a síndrome, os migrantes partem cheios de expectativas e, envoltos às dificuldades da nova experiência de vida, podem levar de 6 meses a 1 ano para se adaptar a essa nova vida no país estrangeiro. O processo de adaptação envolve dimensões sociais, políticas, econômica e subjetivas. É preciso adaptar-se aos códigos sociais da outra sociedade, falar outro idioma, adequar-se ao estilo de trabalho, ao ritmo das grandes cidades e aos sistemas políticos diferentes.
Vislumbrados com as novidades, envoltos às expectativas, os migrantes buscam superar as dificuldades e se adaptarem mais rapidamente aos países de destino migratório. Já no processo do retorno, Nakagawa acredita que a readaptação ao país de origem pode levar até 2 anos. Em muitos casos, porém, pode levar à negação e ao rompimento com pessoas, instituições, trabalhos e códigos culturais do país de origem.
Nem sempre os migrantes retornados admitem ou reconhecem que sofrem da síndrome do retorno. Numa pesquisa em andamento no Observatório das Migrações em Rondônia, vinculado à Universidade Federal de Rondônia, identificou-se a recorrência da síndrome do retorno em uma média de 82% dos migrantes retornados dos Estados Unidos, do Japão e de alguns países da Europa. Como Ricardo, a maioria dos migrantes não admite que a dificuldade de readaptação pode representar um quadro clínico que afeta a saúde e precisa de tratamento.
Dos migrantes afetados pela síndrome do retorno 90% são do sexo masculino. No caso das mulheres, os estudos indicam que elas conseguem reconhecer mais facilmente a síndrome e buscar tratamento adequado com acompanhamento de psicólogos. Na maioria dos casos, as mulheres conseguem superar a síndrome no primeiro ano do retorno. Já os homens, como no caso do Ricardo, a negação da síndrome e a dificuldade de buscar tratamento, faz com que sofram mais tempo e, em casos extremos, muitos buscam na remigração uma saída para o mal-estar dos primeiros anos do retorno.
A pesquisa revela que a síndrome do retorno acomete os migrantes de forma indiscriminada. Ou seja, tanto pode afetar os migrantes que retornam com reservas econômicas, como aqueles que retornam em situação social vulnerável. 90% dos migrantes retornados revelam na pesquisa o desejo de voltar a morar no estrangeiro acreditando que essa seja uma saída para superar a angústia da readaptação que, em casos extremos, pode chegar até mesmo ao suicídio.
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