A segurança pública é violada não somente pelos crimes comuns, mas também pelos que resultam dos chamados desvios institucionais.
Desvio, como ensina Gilberto Velho, não é a mera divergência. Trata-se da perda do rumo, da violação às regras básicas da convivência social, do abandono da trilha certa a ser percorrida. Um comportamento infracional dessa magnitude pode tomar forma de crime, quando deixa de ser mero inconformismo e passa a afrontar gravemente as leis de convivência em sociedade, ameaçando-a. Tal conduta pode ser praticada não apenas por indivíduos, como também por empresas, organizações e instituições.
De acordo com Durkheim, a existência e observância de normas morais e jurídicas é o que permite distinguir entre o normal e o patológico. Essas normas servem de base para socializar os indivíduos e moldar as instituições, a fim de que haja condições de convívio em sociedade. Nesse processo, podem ocorrer comportamentos desviantes. A sociedade, todavia, deve controlar os desvios sob pena de mergulhar numa situação crônica de anomia social, ou seja, uma situação na qual as instituições sociais (família, escola, igreja, trabalho, comunidades, unidades prisionais etc) são fracas para socializar os indivíduos e as organizações, levando a sociedade a uma forma degenerativa de vida social.
Esses desvios são individuais, mas também podem ser praticados por organizações sociais, dentre as quais empresas, presídios, facções criminosas, além do Estado e de seus agentes. São os chamados desvios institucionais, cuja ocorrência resulta em delitos contra a coletividade, vitimando de forma violenta a própria sociedade.
Para Durkheim, instituições são artifícios humanos, pois, na realidade, desvios institucionais são desvios praticados pelos homens dentro das instituições. Empresas, partidos, ong’s, órgãos e repartições públicas, grupos armados paralelos ao Estado, hordas voltadas a práticas de atos de violência, de vandalismo e depredação do patrimônio público e privado etc. Isso é bastante distinto de se exercer legitimamente os direitos de expressão, reunião, associação e de manifestação. Desvios institucionais podem resultar ainda de privilégios indevidos, do abuso ou uso arbitrário do poder, da prática de corrupção e improbidade administrativa, do tráfico de influência, de práticas patrimonialistas na gestão pública, como o nepotismo, o fisiologismo, a autopromoção personalista, o controle dos meios de imprensa e de comunicação, a perseguição política e ideológica etc. Aos poucos, a insegurança vai tomando conta da sociedade e coloca em risco a convivência social lícita, justa, livre e aberta.
O ordenamento jurídico brasileiro ainda é muito brando no trato desses desvios institucionais. Na maioria das vezes, é difícil a caracterização e a prova dos mesmos, o que gera impunidade e estimula a reincidência da prática desviante. Por essa razão, é necessário revisar e atualizar certas leis que regem a sociedade brasileira para lidar com as diversas situações de desvios, inclusive de execução penal, de qualidade de serviços públicos e de reforma das instituições de mediação política. Nesse sentido, é fundamental uma responsável reforma política e eleitoral, inclusive que alcance as campanhas e os partidos políticos, impondo responsabilizações mais efetivas, além do aprimoramento das penas aplicáveis aos crimes contra a administração pública. Medidas essas, enfim, de enfrentamento aos desvios institucionais e imprescindíveis à segurança pública e à vida política do país.
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