A segurança pública não se resume a uma “questão de polícia”. Ela trata da manutenção da ordem pública interna e da preservação dos direitos individuais, sociais e coletivos fundamentais. Além disso, nem todos são policiais e a Constituição Federal, em seu artigo 144, estabeleceu que segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. Direito e responsabilidade de todos, não apenas da polícia e dos policiais.
Por mais que vivamos no melhor dos mundos e pudéssemos dispor da mais eficiente polícia do planeta, ainda assim, o Estado não é onipresente, onipotente nem muito menos onisciente. Fundamental é contar com a participação de todos na tarefa de promover uma sociedade segura, pois o Estado, por melhor que fosse, seria insuficiente para abarcar tal atribuição de maneira exclusiva. Cada indivíduo e cada grupo precisa assumir a sua cota de responsabilidade para que haja segurança na coexistência coletiva, no sentido de qualidade de vida e coexistência respeitosa entre todos.
Ao lado do dever do Estado de providenciar o adequado aparelho policial para resguardar a ordem pública e os direitos fundamentais, é essencial que o indivíduo participe desse processo de construção de uma convivência segura, que é condição para o desenvolvimento econômico e social. Assegurar a educação, a saúde e a assistência social, principalmente aos vulneráveis socialmente, é necessário para que se criem as condições para uma vida segura em sociedade, que fomente o desenvolvimento humano, econômico e social da coletividade. Segurança pública está, portanto, nitidamente ligada à qualidade de vida e à prosperidade coletiva e individual.
É função do sistema político e econômico operar de modo a proporcionar bem estar individual e social às pessoas, físicas e jurídicas, que atuam licitamente numa sociedade, retroalimentando-a de qualidade de vida, liberdade com justiça social e solidariedade, promovendo o bem de todos sem preconceitos quanto à origem de raça, à orientação sexual, à cor, ao gênero, à idade, dentre outras formas de discriminação.
Nesse sentido, segurança pública também tem muito a ver com busca pela erradicação da pobreza, da má formação e do analfabetismo funcional, como também com o enfrentamento da marginalização e o empenho pela superação de desigualdades sociais e regionais. A manutenção, prorrogação e valorização do modelo Zona Franca de Manaus ainda é uma questão de segurança pública para o país, inclusive com profundo impacto socioambiental.
Outro aspecto relevante, é que o tratamento de conflitos individuais e sociais não comece já na fase policial, criminalizando e judicializando questões que são essencialmente sociais ou psicológicas, cuja necessidade maior é a intervenção inicial por meio de políticas públicas ou de medidas médicas e psiquiátricas ou de saúde mental. Na maior parte das vezes, em face da privação e mesmo violação de direitos fundamentais, o que existe é a necessidade de ação estatal no sentido de resguardar os direitos da pessoa humana quando exposta aos riscos da vulnerabilidade social e às diversas formas de violência (urbana, sexual, doméstica, tráfico, economia do crime…). Tratar tais questões apenas como “coisa” de polícia é, na realidade, esconder o problema, adotar somente medidas paliativas e potencializar a resposta policialesca estatal, o que descamba para um processo de criminalização de questões sociais, econômicas e políticas.
O tratamento da segurança pública é matéria institucional e social, não somente coisa de polícia. As polícias e o sistema de justiça criminal têm seu papel e relevância constitucional, precisam agir, mas devem atuar como a ultima ratio e não como a medida primeira ou ponto de partida no trato de questões sociais e mesmo individuais, cuja abordagem inicial recomenda avaliação médica. Obviamente, ocorrem situações de flagrante delito e outras nas quais é essencial a atuação de pronto, imediata das polícias, entretanto, não se deve fazer disso a regra única e a resposta para toda e qualquer ocorrência. Enfim, não se deve subestimar as questões de fundo que influenciam bastante no problema da violência e da criminalidade (as contradições, as desigualdades e as injustiças sociais – a privação e a violação de direitos fundamentais), motivo pelo qual a segurança pública precisa ser encarada como uma questão de dever do Estado, direito, mas também responsabilidade de todos.
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