Tornou-se lugar comum, justificar os ajustes fiscais com um discurso que faz analogia entre as contas do governo e a simplicidade da economia familiar. O enunciado é exaustivamente repetido como se houvesse de fato semelhança fundamental entre os gastos familiares e os gastos de governo.
O ímpeto de dar um exemplo atomizado da economia, diz muito sobre o caráter ideológico do ajuste fiscal. Nada mais liberal-conservador do que supervalorizar o indivíduo e a família em detrimento dos conflitos de poder que permeiam a economia do Brasil. Nada mais neoliberal do que sucatear o patrimônio público – abrindo espaço pra privatizações – e fazer encolher o estado – sobretudo aquele tímido e embrionário estado de bem estar social que fora conquistado a duras penas e em alguns segmentos.
Essa neoliberalização das economias se faz normativa por quase todo o globo. Numa época de economia mundial estagnada, e com péssimas previsões por durante algumas décadas vindouras – as medidas tomadas pelos governos são de quase desespero e privilégio às classes superiores dos países centrais. E o Brasil, pra não fazer diferente do papel a que sempre se propôs, optando pela conveniência alheia ao país, permanece colônia – quintal do desenvolvimento central e da mordomia local de poucos.
Agora com a desculpa de salvação das contas públicas, se dá início a uma série de arrochos aos gastos essenciais, com uma série de reformas polêmicas e propositalmente confusas. A pauta da semana é a famigerada reforma da previdência social, necessária por um suposto déficit de arrecadação.
Tal oração se fez presente em todos os últimos rituais de governos, contudo vem sendo agora colocada pelo governo do medonho Michel Temer, e reproduzida, sem qualquer consciência crítica, pela nata nefasta da grande mídia – que não se esgota mais pela explicação de intuito manipulativo apenas: há uma contaminação ideológica que embotou a crítica de quase toda a mídia dominante.
O problema a se destacar, entre tantos outros, é, por vez, o fato, que o suposto déficit da previdência se trata de uma farsa das grande – sim, mais uma. Tipo de comportamento que deveria ser esperado, pois, afinal, é ingenuidade esperar que quem foi capaz de dar um golpe de estado em 2016 não tenha a pretensão de mudar muita coisa, e por muito tempo. É evidente que mexer no varejo com tanta veemência é descaso com as transformações do atacado, aquelas estruturais e estruturantes em favor da população.
Para afirmar tal deficit, o governo considera somente o valor arrecadado na folha de salários, isto é, a contribuição patronal e dos trabalhadores. Com isso, rasga-se, mais uma vez, a Constituição – o que vem sendo demonstrado não ser um grande problema para tal corja suja que roubou e se apodera cada dia mais, criando assim, várias contradições dentro do sistema político brasileiro – é o caos.
O argumento é deveras superficial – tal como o argumento de crime de responsabilidade que causou o impeachment de Dilma. Se coloca a previdência como parte isolada, sem considerar que esta faz parte de um todo organizado, e, além do mais, superavitário. A Seguridade Social – formada pela Assistência Social, a Saúde, além da própria Previdência – produz superavit caso fossem consideradas todas as fontes de sua receita, como PIS, COFINS a Constribuição Social Sob Lucro Líquido, entre outras. É o que a Constituição ordena que seja feito – não há distinção de origem de receita, o orçamento é único.
Porém se apresenta uma dúvida grande ao se questionar o porquê de se realizar tamanha mentira inconstitucional. É evidente que é muito mais fácil tirar dos mais pobres e necessitados – que não tem, a priori, condições de bater de frente com o governo – do que contrariar os interesses dos rentistas.
Na essência de todo esse processo não se constata nenhuma grande novidade. O montante a ser deslocado não visará outra coisa a não ser o ilusório abatimento da dívida pública multiplicada sistematicamente por juros exorbitantes. A reforma, a rigor, vai resguardar o interesse e a poupança de quem aparelhou Michel Temer. Se configura, assim, a antítese do clássico e mítico herói inglês: o Estado brasileiro não passa de um medonho Robin Hood as avessas.
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