O que faz a primeira-dama da superpotência Michele Obama, uma mulher no topo do poder mundial, com capacidade e formação de uma grande líder, além de ser linda, “ser discriminada, chamada de macaca de salto” por mulheres com fenótipos brancos que não chegam nem perto de seu poder pessoal?
Tentar destruir a sua imagem através de racismo e discriminação publica, usando a tática conhecida da expressão racista que compara os negros a animais mais diversos, no caso da Michelle Obama “Macaca de salto”. No cotidiano histórico de discriminação e racismo, lembro agora de uma frase de tia Deca uma das mais antigas moradoras do quilombo de são Benedito na Praça 14 em Manaus: “Quando eu passava na rua gritavam ‘olha a onça preta’ é preciso resistência, minha filha, para aguentar isso”. Tia Deca tem 95 anos e é uma das sábias que guarda na memória e na expressão oral as dores da discriminação e do racismo.
Apontamos que o mesmo gira em torno de três eixos: a Ignorância (histórica e conceitual), a Ganância (em manter os privilégios e reduzir a competitividade de outros grupos que não o tradicionalmente privilegiado) e, no caso brasileiro, a Hipocrisia (em não enxergar ou negar cinicamente o óbvio). Analisar o racismo diz respeito à ideologia supremacista e à supremacia sócio-econômica, de forma que é um erro teórico falar em “negros racistas” ou “racismo às avessas”.
Volta-se à discussão sobre como os “neo-democratas-raciais” se valem dos velhos argumentos que deram origem ao mito da democracia racial brasileira, usam de recursos diferentes como o “inversionismo”, acusando os reais anti-racistas e as políticas de ações afirmativas de “racistas”, “segregadores”, “incitadores da desunião”, “revanchistas” ou “racistas ao avesso”.
É a partir do surgimento do racialismo (crença em diferentes raças) e mais tarde do racismo (cuja base é a ideia de superioridade/inferioridade entre as raças), a escravização passa a ser para as nações europeias comércio fomentado de mão-de-obra principalmente para suas colônias na América e Caribe, a sua “justificação” e do eurocentrismo passa a ser então a “sub-humanidade “ou “inferioridade racial” dos povos não europeus.
A primeira classificação “científica” (melhor seria dizer pseudo-científica) dos homens em diferentes raças foi a “Nouvelle division de la terre par les diferentes espécies ou races quil’habitent” (“Nova divisão da terra pelas diferentes espécies ou raças que a habitam”) de François Bernier, publicada em 1684, mas quem deu o grande impulso para as teorias racialistas já com teor racista (sugerindo supremacia de determinadas raças sobre outras), foi Carolus Linnaeus, em 1758, inventor da taxonomia e criador da classificação Homo Sapiens. Linnaeus reconheceu quatro variedades do homem: Americano (Homo sapiens americanus: vermelho, mau temperamento, subjugável), Europeu (Homo sapiens europeus : branco, sério, forte), Asiático (Homo sapiens asiaticus: Amarelo, melancólico, ganancioso), e Africano (Homo sapiens afér: preto, impassível, preguiçoso). Linnaeus reconheceu também uma quinta raça não geograficamente definida, a Monstruosa (Homo sapiens monstrosus), compreendida por uma diversidade de tipos reais (por exemplo, Patagônios da America do Sul, Flatheads canadenses e cinco outros imaginados que não caberiam em nenhuma das quatro categorias “normais” (segundo a visão racista de Linnaeus, que não apenas criou a classificação taxonômica humana como atribuía cada uma das “raças” características físicas e morais).
O ‘sucessor de Linnaeus’, J. F. Blumenbach, em 1795 fez nova classificação com cinco variedades: Caucasiano, Mongol, Etíope, Americano e Malaio, neste sentido, as coisas ficaram estáticas até 1962, o ano em Carleton Coon publicou “A origem das raças”. Lá Coon, um antropólogo físico, dividiu a humanidade em cinco raças (ou subespécies): Caucasoide, Mongoloide, Australoide, Congoide (Negroide) e Capoide (África Meridional até Filipinas).
Durante os séculos XIX e XX, muitos cientistas se colocaram contra a ideia de que os humanos se dividiam em várias raças do ponto de vista biológico, já que a maioria das regras aplicadas à especiação dos demais animais, não se confirmavam no caso dos homens, a celeuma entre cientistas continuou até que a ideia da existência de diversas raças entre humanos foi científica e definitivamente abolida, a partir do mapeamento completo do genoma humano (pelo GENOMA em 1998). Ele que concluiu que não há diferença genética maior entre as diversas populações continentais (descendentes de africanos, europeus e asiáticos – o que inclui os indígenas americanos), e entre os membros da mesma população (ou seja, não existe subespeciação – diferentes raças – na espécie humana, o que forma então uma raça única).
Sendo assim, o que entendemos corriqueiramente por “raça”, está provado ser um grande erro teórico de centenas de anos, motivado principalmente pela ganância colonialista europeia, e hoje considerado apenas como uma construção social, baseada na origem ancestral continental dos indivíduos, construção social esta que ao longo de 500 anos gerou abomináveis e sistemáticas práticas de exploração do homem pelo homem, preconceito, ódio, discriminação e desigualdades.
A partir da Conferência da ONU sobre racismo e xenofobia, realizada em Durban na África do Sul, no ano de 2001, o termo oficial adotado pela ONU para se referir aos descendentes de africanos (em especial os descendentes na diáspora) passou a ser (Afro-descendente), tal fato se deu porque em alguns países africanos de língua portuguesa (e em Portugal), bem como nos países americanos de língua espanhola e inglesa.
O Termo “Negro” é geralmente entendido com sentido “pejorativo” (ou inapropriado, pois é primeiramente aplicável aos africanos escravizados e seus descendentes na diáspora) e usado pelos brancos com sentido ofensivo, ao contrário do Brasil e Angola, onde geralmente o termo preferido pelos próprios descendentes de africanos e militantes da causa é o negro (sentido mais amplo) ao invés de preto (com sentido restrito aos mais escuros e muito utilizado de forma ofensiva). Afro-descendente é, portanto, um termo novo, criado para substituir o termo negro, pois atende a todas as situações, seja para “afros” do próprio continente africano, quanto para qualquer descendente de africanos na diáspora.
Portanto fica claro que o termo negro (ou afro-descendente) é uma referência à descendência de escravos africanos ou simplesmente descendência de africanos (independente do “tom” da pele), e o termo preto é uma referência à cor da pele e se aplica apenas às pessoas que tenham o fenótipo (aparência) característico africano, simplificando podemos dizer: “No Brasil todo preto é negro, mas nem todo negro é preto”
O racismo contemporâneo no Brasil
No Brasil, quando se fala em racismo, muitas pessoas ainda entendem que racismo é aquilo praticado nos velhos moldes segregacionistas, de forma declarada ou com violência aberta, mas para entender o que é realmente racismo o escopo deve ser ampliado e revisado (de preferência embasado nos teóricos versados na temática).
Racismo gira em torno de 3 eixos: a Ignorância (histórica e conceitual), a Ganância (em manter os privilégios e reduzir a competitividade de outros grupos que não o tradicionalmente privilegiado) e no caso brasileiro, da Hipocrisia (em não enxergar ou negar cinicamente o óbvio).
O primeiro paradigma a ser quebrado é o de que no Brasil “não há racismo”, nem racistas; mesmo o racismo “à brasileira” sendo predominantemente do tipo velado e sutil, em muitos casos ele aparece na sua forma mais conhecida, através de pronunciamentos claramente supremacista, injúrias com agravante étnico-racial, violência moral e física, espaços sociais segregados (de forma oficiosa, mas que impedem ou tentam impedir o acesso de negros por meio de artifícios que escondam o viés racista), organizações clandestinas de cunho racista declarado que pregam o ódio racial aos negros, judeus, etc…, e principalmente aparece no cotidiano nas situações de conflito/competição quando a “supremacia” branca parece “ameaçada” ou no “calor” de uma discussão/situação em que os preconceitos normalmente contidos explodem em arrogância e manifestações de supremacia.
Manifestações de arrogância supremacista.
“O que acontece quando um casal de estereotipos brancos loiros adotam uma criança negra? o que leva pessoas a se manifestarem de forma racista discriminatória e cruel?”
(Este caso se trata do ator Bruno Gagliasso e sua esposa, que adoram uma criança negra, e foram recentemente injuriados e tiveram sua criança discriminada e exposta nas redes sociais).
É importante observar que pesquisa de opinião realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2003, mostrou que 87% dos brasileiros acreditam que há racismo no Brasil. Curiosamente, somente 4% dos entrevistados reconhecem que são racistas (é importante conhecer o projeto Diálogos contra o Racismo, na internet). Isto se deve a uma atitude culturalmente arraigada no brasileiro médio que “ser racista” (pelo menos abertamente) não é uma “boa característica” pessoal, e é motivo de “vergonha”, embora no cotidiano a mentalidade racista prevaleça e o preconceito e a discriminação ocorram sempre “travestidos” de “outros motivos”.
O segundo paradigma a ser quebrado é o de que o racismo se dá exclusivamente pela via das relações de convivência, pois na realidade o racismo moderno se dá principalmente pela via da manutenção da subalternidade geral dos não-brancos, ou seja, através da sua invisibilização midiática, da dificultação da mobilidade social, exercida através do alijamento velado, porém sistemático, do acesso às posições não-subalternas no campo educacional e no mercado de trabalho, criando assim um círculo vicioso que impede a participação igualitária e proporcionados não-brancos ao longo de toda a pirâmide social. O racismo brasileiro pode ser visivelmente detectado a partir de todos os indicadores sociais e pesquisas que demonstram a inequívoca desigualdade social quando é aplicado o recorte racial.
Não é intenção nesse artigo apresentar estatísticas e mais estatísticas que comprovem desigualdade – quando a cor entra em questão, elas existem em quantidade e podem ser encontradas facilmente em uma simples busca pela web – nem exibir os poucos de muitos casos de escandalosa discriminação racial e mesmo violência que conseguem “driblar” os bloqueios aparecer na mídia, mas sim desmascarar e contestar com os simples fatos já apresentados outros a apresentar, aqueles que hipocritamente insistem em negar o óbvio e tentam desesperadamente justificar a manutenção do “Status Quo”, através de táticas de desqualificação, minimização e ocultação de causas relativas à questão. É, portanto, verificável que a maioria dos brasileiros não compreende o que é racismo em sua acepção plena, muitos acham que por dar “tapinhas nas costas” e demonstrar cordialidade na relação cotidiana com negros, não são racistas, ou que o racismo se resumiria à hostilização aberta.
A mentalidade racista
Na verdade o racismo é muito mais amplo e, como já dito, se dá no campo da naturalização da subalternidade negra na sociedade, da desvalorização da estética e cultura, da invisibilização e Principalmente embarreiramento sócio-econômico;
A mentalidade racista (mesmo que inconsciente) tem em toda pessoa que acha que:
– Existe “cabelo bom” e “cabelo ruim”;
– Serviço bem feito é “serviço de branco”;
– Uma “saída” desinteressante ou “popular ao extremo” é “programa de índio”;
– “Fulano é preto, mas é legal…” (ou que é um “preto de alma branca”);
– Um negro dirigindo um carro bacana é “Chofer” (ou altamente suspeito);
– Contar “sem maldade” piada de preto ou achar graça nelas, não faz mal;
– Não é negro, mas a/o avó/avô era;
– É melhor se referir a alguém como moreno ao invés de negro, pois considerar alguém. “negro” é “ofensivo”;
– É “natural” a baixíssima presença de negros nas melhores posições da sociedade.
– “Todo japonês é inteligente”, “Todo negro é bom de samba e de bola”, “Todo índio ‘mora no mato’”;
– “Se “ofende” ao ser referido em contexto válido, por índio ou negro, “ preferindo” ser “caboclo” ou “moreno”
– O garçom que não atendeu com presteza ou alguém que comete um erro o faz porque “só podia ser preto”;
– “Transar” com negras é legal, mas “para casar” melhor se for branca;
– Os imigrantes chegaram “sem nada” e “venceram” por esforço e capacidade, já os negros uma vez livres “nunca se esforçaram o bastante”…
– É “perfeitamente normal” entrar em uma agência bancária e ter a impressão que os funcionários são todos suíços;
– A Giselle Bündchen é a mais legítima representante da beleza brasileira e que o padrão é por aí mesmo;
– Candomblé e Umbanda são “coisas do diabo”, afinal tem origem na África e é “coisa de preto”;
– Apenas para a salvaguardar a “boa imagem” da empresa, é melhor contratar ou promover uma pessoa branca do que uma negra com o mesmo nível de competência;
– É melhor agarrar a bolsa com mais força ao cruzar com um negro na rua;
– Pode ser informal com qualquer pessoa negra desconhecida, e ao 1º contato ir logo tratando por “negrão”;- É melhor não fazer nada específico que altere o “Status Quo” principalmente se for levado em consideração o recorte racial.
Outro ponto crucial do racismo “à brasileira” é a questão da identidade.
O brasileiro que não pertence ao grupo branco (ou que pode passar socialmente por “branco”), e que não é de forma óbvia visualizado como preto ou indígena tende, em geral, a fugir da condição estigmatizada de “ser índio” ou “ser negro”, daí a tendência de muitos não brancos em tentar se alocar em “identidades” vagas e “intermediárias” como “caboclo”, “moreno”, “pardo”, “mestiço” (e centenas de outros eufemismos) em que assumem a condição de não-brancos (já que fenotipicamente a possibilidade de se auto identificar como “branco” é inviável), mas tentam se distanciar das denominações estigmatizadas.
Para todas os negros do nosso país, negro afro descedente, 52% da população, para tia Deusdete, tia Deca do quilombo, para Bruno sua esposa e filha, para Michelle Obama, “PARA TODOS QUE LUTAM POR UM MUNDO DE EQUIDADE E PAZ”!