Por Lúcio Pinheiro, da Redação
MANAUS – O parecer nº 14/2018 preparado pela PGE (Procuradoria Geral do Estado do Amazonas) a pedido do comando da PMAM (Polícia Militar do Amazonas) sobre a Lei nº 4.044/2014 alerta o governo do Estado sobre a inconstitucionalidade de seguir nomeando policiais militares sem prévia existência de vagas e de dotação orçamentária. “Esta Procuradoria tem firmado posicionamento de que essa espécie de provimento é desconforme com o art. 169, SS 1º, incisos I e II, da CRFB/88, na medida em que desconsidera a necessidade de preexistência de vagas e de dotação orçamentária”, diz um trecho do parecer.
De acordo com o dispositivo da Constituição Federal citado pela PGE, “a concessão de qualquer vantagem ou aumento de remuneração, criação de cargos, empregos e funções ou alteração de estrutura de carreiras, bem como a admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, pelos órgãos e entidades da administração direta ou indireta só poderão ser feitas: se houver prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes; e se houver autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias”.
Em 2014, quando a Lei nº 4.044 foi aprovada, o então governador José Melo (Pros) buscava a reeleição e uma das suas apostas foi o voto dos policiais militares. Por conta de ações – oficiais e extraoficiais – nesta área, ele e o deputado estadual Platiny Soares (PSL) respondem até hoje na Justiça Eleitoral processo por abuso do poder político.
Sem consulta
Por regra, uma lei como a 4.044 deveria ter passado pelo crivo da PGE. Membros da procuradoria consultados pelo ATUAL disseram que, naquele ano, o órgão não foi consultado. A legislação foi elaborada somente no âmbito da Casa Civil. Aprovada pela ALE (Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas), a matéria foi comemorada pela categoria e Melo e Platiny eleitos. “Esta lei nunca passou pela PGE. Ela foi feita, gestada, no âmbito da Casa Civil. Nunca teve um parecer da PGE a respeito dos artigos desta lei”, comentou um procurador ao ATUAL, que pediu para não ter o nome publicado.
Um especialista em direito constitucional ouvido pela reportagem, também sob a condição de não ter o nome publicado, disse que o Executivo inovou ao legislar, no parágrafo 3º do artigo 7º da Lei nº 4.044, que, “independente da existência de vaga”, os praças da PM-AM que atingissem o tempo de serviço previsto na legislação deveriam ser promovidos.
Com a lei de Melo, passou a vigorar dois tipos de promoções na PM do Amazonas: a que já existia por meio do Quadro Normal de Acesso (QNA); e a nova forma, por meio do Quadro Especial de Acesso (QEA). Em resumo, a regra para ingressar no QNA e ter direito a uma nova graduação passa por completar um determinado tempo de serviço e, obviamente, ter vaga na patente superior.
Para se chegar à graduação de cabo, por exemplo, é incluído no QNA o soldado que tiver, no mínimo, cinco anos de efetivo serviço na PM-AM. Com a nova lei, este mesmo soldado, se completados dez anos de efetivo serviço e não tiver sido promovido, independente da existência de vaga para cabo, é incluído no QEA. Ou seja, o Estado passa a pagar salário de cabo para um policial que continua atuando como soldado.
“Eu vou ter duas pessoas ocupando o mesmo lugar. Um no QNA e o outro no QEA, no limbo, em uma posição que a lei chama de agregado, até poder voltar para o QNA”, explica o procurador.
Mais cacique que índio
Como o crescimento do efetivo da PM do Amazonas por meio de concursos não acompanhará a velocidade das promoções, um dos efeitos a médio prazo causados pela lei é chegar ao ponto de ter mais chefes que soldados.
O fenômeno já aconteceu no estado do Rio Janeiro, onde levantamento publicado pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que a PM daquela unidade da federação tem mais sargentos que soldados. Segundo informações obtidas pelo veículo com a própria corporação, o efetivo conta com 14,8 mil soldados e 15 mil sargentos.
Na análise de especialistas em segurança ouvidos pelo jornal, esta situação no Rio de Janeiro levou a improvisos operacionais, interferindo diretamente na qualidade do policiamento. Este cenário também afetou as finanças do estado, uma vez que os salários dos policiais ficaram maiores, mesmo sem mudança de tarefas.
Assim como no Amazonas, a mudança no critério de promoção de policiais militares do Rio de Janeiro que resultou na distorção do efetivo ocorreu em um ano eleitoral. Em 1996, o então governador Marcello Alencar criou um plano de carreira que previa a promoção por tempo de serviço sem a necessidade de passar por concursos ou outra medição de meritocracia.
Quadro temporário
A consulta do comando da PM-AM à PGE não se ateve nem a constitucionalidade da lei. Mas sim à dúvida sobre a vigência do QEA. A interpretação da procuradoria foi a de que a vigência do novo quadro era temporária.
Para a PGE, a interpretação de que o QEA é temporário se extrai do artigo 28 da Lei nº 4.044, que diz que seriam promovidos 30% dos praças mais antigos habilitados ao QEA no momento da publicação da lei (9 de junho de 2014) e o restante no decorrer do exercício subseqüente, 2015. O parágrafo único do artigo acrescenta que a partir de 2016 os praças seriam incluídos no QNA.
“Diante disso, é possível se chegar à conclusão de que o Quadro Especial de Acesso é temporário, já que o legislador estabeleceu um marco temporal, que não se protrai no tempo, para efetuar as promoções dos militares que deveriam integrar o Quadro Especial de Acesso logo após a publicação da Lei 4.044/2014”, sustenta a PGE em outro trecho do parecer.
Segundo a PGE, “não há possibilidade prática de conciliar o Quadro Normal de Acesso com o Quadro Especial, porquanto ambos se destinam à promoção pelo mesmo critério (antiguidade), mas com requisitos distintos”.
Promessa descumprida
Melo foi cassado e não fez todas as promoções que a lei que ele criou o obrigava. Em julho de 2017, na gestão do governo interino de David Almeida (ex-PSD), por força de decisão judicial, o Estado promoveu 2,4 mil militares. Quem assinou o ato foi o presidente do TJ-AM (Tribunal de Justiça do Amazonas), Flávio Pascarelli, que na data respondia como chefe do Executivo em exercício.
Neste mês de março, a gestão de Amazonino Mendes (PDT) informou que vai seguir a orientação da PGE e realizar as promoções apenas pelo QNA. Desde então, entidades representativas dos policiais militares pressionam o governo e ameaçam com paralisações.
Sob pressão, nesta terça-feira, 13, o governador assinou 2.096 promoções de praças da PM-AM pendentes dos governos anteriores. Segundo o governo, com o ato, chega a 3,2 mil o número de militares promovidos somente na gestão de Amazonino.
Sem recuo
Horas depois de Amazonino anunciar as promoções, presidentes das associações ligadas aos militares divulgaram nota afirmando que o movimento em defesa da Lei Nº 4.044/14 continua mantido na sua integralidade, e que não trocarão a referida lei “por promoções que não atendem nem metade dos 8 mil praças da capital e interior do Amazonas”.
As associações prometem manter as ações de enfrentamento ao governo, que inclui faltas programadas de policiais, até que Amazonino recue e não siga a orientação da PGE.
Leia na íntegra a nota das associações:
NOTA PARA OS POLICIAIS MILITARES DO AMAZONAS
Os presidentes das associações de representação de praças do Amazonas na Operação Defesa esclarecem aos policiais e bombeiros militares: que o movimento em defesa da nossa Lei Nº 4.044/14 continua mantido na sua integralidade; que a população do Amazonas nos apoie porque este movimento é em defesa de uma sociedade mais justa e segura para todos; que as informações em blogs e portais, mantidos com verbas do governo, sobre a desarticulação da Operação Defesa, são falsas; que não aceitaremos a retirada dos nomes dos praças das turmas de 89, 90, 93, 94, 97, 98, 99, 00, 01, 03, 04 e 05 das atas de promoções como está fazendo o Governo; que não trocaremos de forma alguma a nossa Lei nº 4.044/14 por promoções que não atendem nem metade dos 8 mil praças da capital e interior do Amazonas; que aceitar essas promoções em troca do fim da nossa lei significará um prejuízo histórico para a categoria; que até o momento não houve reunião de igual para igual com o Governador Amazonino Mendes sobre as pautas dos praças da polícia militar; que nas próximas 48h uma nova fase da Operação Defesa será colocada em prática; que todos os praças do Amazonas se mantenham de prontidão e firmes para as próximas fases da Operação Defesa da nossa lei.
Nem um passo sequer daremos para trás!
Gerson Feitosa – Presidente da Associação dos Praças do Estado do Amazonas (APEAM)
Cabo Igo Silva – Presidente da Associação de Cabos e Soldados (ACS)
Sargento Pereirinha – Presidente da Associação de Subtenentes e Sargentos (ASSOAPBMAM)
Sargento Jordão - Presidente da Associação dos Militares Estaduais (AME)
Salários
Consulta ao Portal da Transparência do Governo do Amazonas mostra que na folha de pagamento da PM-AM (policiais ativos) do mês de fevereiro, o menor salário líquido (com descontos) pago a um aluno soldado foi de R$ 4.488,24. E o maior foi pago a um tenente-coronel: R$ 38.227,90.
Entre os soldados, os salários líquidos variam de R$ 4,2 mil a R$ 15 mil. Na mesma folha, o menor salário de um cabo era de R$ 6,1 mil (apenas um cabo recebeu naquele mês salário menor que R$ 6 mil). E o maior salário pago a um cabo em fevereiro foi R$ 12,1 mil.