Por Valmir Lima e Lúcio Pinheiro, da Redação
MANAUS – Em entrevista exclusiva ao ATUAL, nesta terça-feira, 9, o Procurador da República responsável pela operação Maus Caminhos, Alexandre Jabur, disse que é cedo para afirmar que o ex-governador José Melo (Pros) e a ex-primeira dama Edilene Gomes de Oliveira foram “os idealizadores e líderes absolutos” do esquema montado para fraudar a saúde do Estado do Amazonas, como sustentou a juíza federal Jaiza Fraxe, na decisão em que mandou prender o casal.
Na entrevista, o procurador afirma que a investigação ainda coleta informações sobre os agentes políticos presos nas duas últimas fases da operação (Custo Político e Estado de Emergência), e que a participação exata do casal no esquema só poderá ser definida no momento em que o MPF (Ministério Público Federal) apresentar a denúncia à Justiça.
Para Jabur, no momento da decisão, a magistrada trabalhou com o que tinha em mãos sobre o caso. “O que a juíza colocou ali na decisão foi muito com base nos elementos que ela teve à disposição. Na fase da investigação, nós ainda não concluímos a coleta de todas as informações, de tudo que pode ser relevante para o processo”, afirmou.
Jabur também declarou que não é possível afirmar que o desvio de recursos da saúde foi iniciado no governo de Melo, em 2014. O procurador lembrou que as investigações que provocaram a primeira fase da operação já mostraram que todo o processo de constituição e contratação do INC (Instituto Novos Caminhos), em 2013 (quando Melo era vice-governador de Omar Aziz – PSD), teria ocorrido de forma fraudulenta.
A seguir, trechos da entrevista com Alexandre Jabur. A íntegra do material pode ser acessada no vídeo, no final da página.
ATUAL – O senhor está convencido de que o ex-governador José Melo e a ex-primeira dama foram os idealizadores e líderes absolutos do esquema?
Alexandre Jabur – O que a juíza colocou ali na decisão foi muito com base nos elementos que ela teve à disposição. Na fase da investigação, nós ainda não concluímos a coleta de todas as informações, de tudo que pode ser relevante para o processo. Então, eu tento não antecipar nenhum juízo absoluto em relação à condição de cada um dos investigados, dos que foram presos. O que posso dizer é que, de fato, eles tiveram uma integração em relação a essa organização criminosa, ou não estariam envolvidos, não estariam presos, ou a Justiça não teria reconhecido a participação deles. A questão da liderança é uma questão que a gente precisa analisar com mais calma. Isso vai ser feito posteriormente, no momento que o Ministério Público for apresentar a acusação formal, que é a denúncia.
ATUAL – Em que fase está o processo?
Jabur – Até o momento estamos em uma fase de investigação. Existem inquéritos policiais abertos. Esses inquéritos são tocados pela Polícia Federal, e a Polícia Federal tem um prazo para concluir estes inquéritos aí, no máximo 30 dias, a partir da prisão das pessoas. Então, teremos agora em janeiro a conclusão destes inquéritos, com a apresentação do relatório. Posteriormente, isso vai ao Ministério Público, e o Ministério Público vai analisar, e provavelmente oferecer a denúncia em relação a cada uma dessas pessoas que estão presas.
ATUAL – A enfermeira Jennifer Naiyara Yochabel, ré e delatora na investigação, diz que desde 2012 estava sendo esquematizada essa contratação do INC com o Governo do Estado. O contrato com o INC foi de fevereiro de 2014. Quer dizer, antes do José Melo assumir o governo. Ele era vice-governador à época. O esquema de corrupção foi montado depois que Melo assumiu o Estado? Até então, as contratações deste instituto (INC) eram lícitas?
Jabur – No processo que nós já temos em andamento, no qual Mouhamad Moustafa é considerado líder da organização criminosa, a própria CGU (Controladoria Geral da União), e nós já levamos isso ao processo, se constatou que o chamamento público, a própria escolha da Organização Social para trabalhar no Estado foi viciada, teve um direcionamento. Então, nós não achamos que, propriamente, exista um marco preciso em relação às ilegalidades, ou seja, quando o José Melo assumiu o Governo do Amazonas [abril de 2014]. Nós não trabalhamos exatamente com essa data, os fatos ainda estão em aberto. Estamos aprofundando a investigação. Fica um pouco prematuro apontar como que era toda a organização criminosa, mas o que é possível dizer é que essas pessoas integravam sim essa organização, e Mouhamad Moustafa tinha sim uma liderança. Não sei se o único líder, isso vai ser apurado. Os demais agentes políticos, o que podemos dizer no momento é que eles integravam a organização, já que eram beneficiários, tinham poder de influir no esquema, mas optaram por não influir, no sentido de não fiscalizar, de evitar que os ilícitos ocorressem, porque possuíam interesse naquilo.
ATUAL – Em que momento da investigação o MPF identificou que a relação do Mouhamad com estes agentes políticos presos passou a se configurar como criminosa, a ponto de ser perdido a prisão destas pessoas também?
Jabur – O momento que tivemos maiores indícios, maiores provas, foi a partir da apreensão dos bens pessoais de Mouhamad Moustafa. No seu celular foram encontradas diversas mensagens de WhatsApp com políticos locais, à época secretários de Estado, que foram essas pessoas presas agora. E ali nós tivemos a clareza que se ele não tivesse pagando propina não teria chegado onde chegou. Naquele momento nós tivemos essa certeza. Agora, por outro lado, sempre houve a desconfiança que, se não houvesse a conivência dos agentes estatais, provavelmente ele não teria cometido tantas irregularidades.
ATUAL – Os ex-secretários, o ex-governador e a esposa dele precisam mesmo estar na cadeia neste momento da investigação?
Jabur – Esse foi nosso entendimento e também o entendimento do Judiciário, na medida em que apresentamos alguns fatos, alguns elementos, que demonstram a tentativa de atrapalhar as investigações e de coagir testemunhas. Esses são alguns dos requisitos que levam a pessoa a ficar presa provisoriamente. Tivemos um fato concreto da senhora Edilene se dirigir a um depósito de bens que eles possuíam e determinou o arrombamento após a Polícia Federal obter as chaves desse local, para a retirada de alguns objetos. Isso demonstra uma intenção, aparentemente desesperada, de interferir diretamente na investigação. Por outro lado, tivemos testemunhas, pessoas que foram ao Ministério Público Federal, e disseram que estavam sendo seguidas, que estavam de alguma forma sendo intimidadas. Isso é uma forma clara de tentar impedir que a apuração seja levada à frente. Tudo isso nos levou ao convencimento de pedir a prisão deles.
ATUAL – Por que o Ministério Público Federal considera que o Mouhamad Moustafa representa um risco para as investigações?
Jabur – Nós identificamos que até mesmo preso ele mantinha, de alguma forma, um círculo de influência sobre a organização criminosa. Um dos elementos que nós levamos em conta foi a própria apresentação como testemunhas de defesa essas pessoas que foram presas (ex-secretários). Todos os ex-secretários presos, praticamente, se prestaram a ir à Justiça e prestar um depoimento em favor de Mouhamad. Inclusive um dos ex-secretários, Afonso Lobo, prestou um depoimento falso, e esse fato já gerou uma denúncia. Ou seja, isso mostra de alguma forma, no entender do Ministério Público, que a organização criminosa ainda estava em andamento. Ele ainda estava atuando de alguma forma. Seja para proteger seus integrantes, seja para cometer novos crimes. Além disso, Mouhamad já é réu em mais de 20 ações penais. É uma pessoa que demonstra a personalidade inclinada para a prática de atividades criminosas.
ATUAL – A enfermeira Jennifer, uma das denunciadas na Maus Caminhos, é colaboradora da investigação. O que ela diz está sendo comprovado, pode ser utilizado pela Justiça como prova para condenar os demais integrantes da organização criminosa?
Jabur – Com certeza. No início das tratativas que tivemos com a ré colaboradora Jennifer, fomos bem claros que se houvesse mentira, ou qualquer tentativa de seletividade, não transparência sobre os fatos, o acordo seria rescindido e ela seria a maior prejudicada. Até o momento, a colaboração dela se mostrou muito efetiva. Primeiro, no sentido de confirmar aquilo que nós apuramos durante as investigações. Segundo, com a apresentação de alguns documentos, algumas provas, como a gravação que foi mencionada na reportagem exibida no domingo, 7 [no Fantástico, Rede Globo], na qual Mouhamad fala claramente do custo político, que seria propina paga a agentes públicos. Aquilo foi gravado por ela em uma reunião que eles tiveram, onde Mouhamad fala claramente como o esquema criminoso se desenrola. Isso é muito importante para a investigação. Porque, quem estava presente naquele momento, que poderia trazer estes fatos para nós? Apenas as pessoas que estavam diretamente envolvidas naquele crime. Então, com base na colaboração premiada, podemos oferecer um benefício a ela, e em contrapartida, ela pode nos oferecer tanto seu depoimento como meios de obtenção de provas para que nós pudéssemos robustecer as investigações e dar continuidade.
ATUAL – Hoje, as investigações se sustentariam até mesmo se a colaboração dela não for aceita pela Justiça?
Jabur – Sim. A colaboração, em si, não pode sustentar nenhuma condenação. Se nós só tivéssemos a palavra da Jennifer com relação a qualquer crime, a lei determina que nenhuma pessoa pode ser presa apenas com a palavra do colaborador. Na verdade, a palavra dela vem a complementar. Com as medidas que tomamos anteriormente, de escuta telefônica, busca e apreensão, quebra do sigilo fiscal e bancário, nós coletamos um arcabouço robusto para poder buscar a condenação destas pessoas, até da própria Jennifer. O trabalho da Polícia Federal, da CGU e da Receita Federal foi muito efetivo e continua sendo.
Assista à entrevista completa: