A atuação das instituições de Polícia em manifestações populares é marcada, quase sempre, por certa tensão e desproporcionalidade de força, o que nos faz perceber a necessidade de aprimoramento constante na abordagem policial dos protestos.
Fazer polícia em meio a tumultos generalizados não é fácil. Realmente não é pra qualquer um nem pra qualquer segmento das corporações. Houve um tempo em que polícia na rua era sinônimo de repressão, de dominação opressiva e de ditadura. Entretanto, a história mais recente está repleta de exemplos nos quais as manifestações começam de forma pacífica e terminam em confusão, em tumulto e em violência, muitas vezes devido à própria maneira de reagir da polícia.
Que os manifestantes vão provocar, vão xingar e tentar dar mostras de força e poder, isso é o óbvio. Estão nas ruas pra isso. E a polícia tem a tarefa de estar psicologicamente preparada pra todo tipo de ofensa verbal e provocações sem violência física às pessoas e ao patrimônio destas. O problema é quando a polícia entra no “jogo” de provocações dos sublevados e, no intuito de conter a situação de forma rápida e eficiente, recorre ao uso desproporcional dos meios e da força. Então, os manifestantes viram vítimas e toda sociedade reage a favor deles e contra a ação das polícias quando, em regra, o extremo resulta dos dois lados.
Vivemos no tempo cuja capilaridade das redes sociais, via internet, é capaz articular celeremente exércitos de pessoas para diversos fins. As primaveras árabes provaram isso, assim como os movimentos “ocupe Londres” e “ocupe Wall Street” contra o modelo de globalização em curso, as manifestações populares de junho do ano passado, no Brasil, e agora os ‘rolezinhos’ em shoppings centers, principalmente no sul do país. Todo esse cenário é bastante propício ao surgimento ainda de novas formas de protesto. E isso não deve ser entendido como coisa estranha ou aberrações de nosso tempo. Pelo contrário, toda a sociedade, o Estado e, em específico a polícia, deve preparar-se sistematicamente para saber como lidar com esse contexto de manifestações e de protestos.
Na realidade, é consequência lógica da aspiração por um Estado de direito democrático a liberdade das pessoas saírem às ruas, aos espaços abertos ao público, em manifestações e passeatas, para expressarem suas opiniões, ideias e sentimentos publicamente, desde que sem violência, sem saques, sem depredações e outras ações ilegais contra elas próprias e seus patrimônios, como também contra os dos outros, incluindo o patrimônio público, que é de todos.
Polícia preparada significa polícia capaz de atuar com o emprego de meios técnicos e métodos adequados e proporcionais, de acordo com o que preconiza o Estado Democrático de Direito, resguardando os direitos e garantias fundamentais da pessoa, encarnados no indivíduo e na sociedade, com vistas a promover a dignidade humana.
Nessa perspectiva, as polícias devem ser formadas e treinadas, a fim de estarem prontas para atuarem de forma cívica quando delas forem demandadas as ações específicas em relação às manifestações populares, às passeatas, aos ‘rolés’, dentre outras formas de protestos. A atuação policial madura, proporcional e competente, resguardando os valores da dignidade da pessoa humana e da cidadania, faz a grande diferença para alcançar a eficiência com eficácia de resultados. Dessa maneira, todos tendem a sair vitoriosos: manifestantes, polícias, sociedade e a construção do Estado de direto democrático.
Por isso, as polícias não podem ficar esperando as coisas acontecerem. Devem preparar-se para o contexto para o qual são demandadas. Mas também não podem atuar com avidez repressora nas ruas, nos shoppings ou qualquer outro espaço aberto ao público no qual possam ocorrer os protestos, desde todos estes se expressem de forma pacífica.
A polícia necessita discernir as manifestações legais de cidadãos livres e politizados daquelas cujo foco é a violência ilegítima às pessoas, à sociedade e ao Estado de direito democrático. E, mesmo em protestos legítimos, a atuação policial deve proteger os que deles participam com clareza de propósitos e coerência de ações daqueles que agem para assaltar e saquear os próprios manifestantes, como também depredar e violar o patrimônio público e particular. A polícia não pode ficar inerte, mas também não deve se precipitar e incorrer numa repressão que vitimize a expressão política da sociedade e de seus diversos segmentos, que vão às ruas e a locais abertos ao público, para manifestarem-se legitimamente e de forma não violenta, conforme prevê a Constituição Federal.
Para tratar com maior acuidade dessas questões, ainda no ano passado, polícias estaduais, civis e militares, realizaram amplas discussões acerca da própria atuação em manifestações e protestos populares, cujos eventos contaram também com a participação e contribuição de representantes da OAB, do Ministério Público, de especialistas de universidades. Realizaram-se painéis com a presença de Associações de Delegados e mesas redondas com a participação de oficiais da Polícia Militar. O próprio Ministério da Justiça chegou a criar um grupo de trabalho, em agosto de 2013, ainda sob a influência das manifestações de junho, para analisar a padronização da atuação da polícia em protestos.
O processo de formação das polícias para atuar em manifestações populares parece estar em andamento. No Amazonas, há uma iniciativa em fase de planejamento pela Polícia Civil, que poderá contar com a participação da Delegada Martha Rocha, Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, estado que ano passado foi alvo de muitos e, alguns permanentes, protestos. Essas iniciativas são relevantes para oportunizar a troca de experiências e o aprendizado sobre a atuação da polícia em contextos de sublevações populares, a partir da dinâmica das próprias manifestações. Um processo de aprendizado constante a fim de que, ao final, a atuação da polícia ocorra, de fato, “para quem precisa de polícia”.
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