Por Henderson Martins, da Redação
MANAUS – No inquérito da operação ‘Estado de Emergência’, desdobramento da ‘Maus Caminhos’, ao qual o ATUAL teve acesso, a Polícia Federal identificou que os implicados no esquema de corrupção na saúde pública no Amazonas utilizavam recursos para tentar encobrir ‘rastros’. Os artifícios incluíam aplicativo de conversas que se autodestroem, pagamentos em dinheiro e conversas em chat secreto.
A PF reuniu fotos, documentos e conversas telefônicas obtidos em computadores e aparelhos celulares. A força-tarefa da Maus Caminhos suspeita que o esquema movimentou algo em torno de R$ 60 milhões em dinheiro para evitar o rastreamento em contas bancárias. Com a estratégia, a intenção, segundo a PF, era evitar também a identificação de pessoas e a origem dos recursos.
Consta também no inquérito da PF que o médico Mouhamad Moustafa, um dos principais envolvidos no esquema que desviou mais de R$ 110 milhões em contratos na saúde pública, se reunia com secretários do governo do Estado na casa deles. “Relembre-se a conversa com o ex-secretário de Saúde Pedro Elias, onde os encontros são marcados nas residências dos investigados, local mais apropriado e onde é mais ‘discreto’, tal como ocorre com Evandro Melo”, diz a PF no inquérito.
Nos fragmentos das gravações de conversas recuperados pela investigação, a PF identificou o pagamento mensal de R$ 300 mil para Evandro Melo, irmão do ex-governador e ex-secretário de Administração.
O depoimento de José Melo no inquérito da ‘Estado de Emergência’ é mantido em sigilo. Segundo a força-tarefa da operação, o esquema pode ter mais envolvidos. Além de José Melo e sua mulher, Edilene Gomes de Oliveira, também estão presos quatro ex-secretários. Mouhamad Moustafa está em prisão domiciliar vigiado por tornozeleira eletrônica.
Hierarquia
A Polícia Federal considera que o esquema não tinha uma hierarquia piramidal de comando e sim um círculo de envolvidos com ligações entre si. Todos eram beneficiados. A PF identificou que, para viabilizar e adjudicar contratos e obter a liberação de pagamentos pelos serviços contratados, Mouhamad pagava propina a agentes públicos.
“Tal colocação deixa bem evidente que Mouhamad, apesar de chefe da organização criminosa que fazia uso do INC (Institutos Novos Caminhos) para suas práticas criminosas (crimes de peculato), aparece como um executor de crimes de cujos mandantes formam um outro círculo de poder, que se sustenta com o pagamento de vantagens indevidas em troca da prática de atos oficiais”, cita a PF no inquérito.
Em depoimento ao MPF (Ministério Público Federal), Mouhamad já havia declarado que mesmo se abrisse mão de parte do lucro para trabalhar legalmente, não funcionaria. “Eu não vou falar isso pra um juiz e um desembargador porque é igual eu, aí eu mesmo tenho que entregar, tirar minhas jóias e tal e falar me algema e me leva pra cadeia, mas eu juro pró senhor que eu toparia tirar tudo que eu tenho de custo político e ainda 50% do meu lucro pra trabalhar legal. Só que aqui nesse país não funciona”, afirmou.
“Eu até acho, ainda com o custo político, tudo, com todas as empresas que eu tenho, eu ganho dinheiro. Eu acho que eu nem precisava de ganhar tanto assim, mas acaba sendo (inaudível) um tipo de alimentação (inaudível) positiva. Você acaba tendo que fazer muitos contratos pra gerar aquele dinheiro, pra dar pros caras, e acaba sobrando pra você também, entendeu? Menos até do que eles levam, entendeu?”, disse o médico.
“Então, eu não preciso de 100% do lucro que eu tenho pra viver. Queria continuar com 100% do trabalho pra ter o mesmo número de funcionários, prestar o mesmo serviço e continuar crescendo. Eu abriria a mão de toda a porcentagem de que eu dou de custo político, e ainda 50% do meu lucro pra viver em paz. Aí sim, a gente trabalharia tranquilamente. Só que isso é um sonho. Eu não consigo ver, talvez se aconteça algo trágico de tudo acabar, de penalizarem as empresas, de a gente ser preso, e depois ser solto e o cacete a quatro, entendeu?”, disse Mouhamad aos procuradores da operação.