Final dos anos 40 do século XX. A década já estava marcada pelo fim da II Guerra Mundial e a queda da ditadura do Estado Novo comandada por Getúlio Vargas. Tinha início o movimento nacionalista em favor da exploração do petróleo, bandeira levantada pelo escritor Monteiro Lobato desde os anos 1930. Sob o Lema “O petróleo é nosso”, a campanha atraiu importantes lideranças da época, entre as quais, destacavam-se os generais Leônidas Cardoso (pai do ex-presidente FHC), Júlio Caetano Horta Barbosa e o próprio Monteiro Lobato, o maior de todos. O petróleo é estratégico para o país, diziam.
Muito importante foi o apoio da União Nacional dos Estudantes (UNE), entidade que à época, com a independência que não tem hoje, incendiada pela força da juventude estudantil defendia todas as causas que entendia do interesse nacional.
O movimento ganhou a simpatia da população, transformou-se numa paixão nacional e atingiu seu objetivo com a festejada criação da Petrobras em outubro de 1953. Pronto! Agora o nosso petróleo estava livre dos “imperialistas”- palavra gancho de muitos chavões, posteriormente repetidos por mim e tantos outros companheiros, muitos dos quais, traídos pela ingenuidade da metade da adolescência daquele início dos anos 60, sequer sabiam do que se tratava.
Foi nesse caldeirão de paixões, que a nossa libertadora Petrobrás foi recebida. Como presente de boas vindas, ganhou todas as reservas petrolíferas do nosso subsolo, sobre o que passou a mandar e desmandar. Não poderia ser diferente, afinal, se o petróleo já era nosso, nada mais lógico do que entregar a ela a administração das reservas.
O lema agora era: “A Petrobras é patrimônio do povo brasileiro”. Embotado pela paixão, o “cérebro coletivo” não percebeu que o lema não expressava o que acontecia na vida real. A Petrobras nasceu sob o arcabouço jurídico das sociedades por ações, única fórmula de conseguir o capital que o País não tinha para tocá-la. Dentro desse regime societário, qualquer cidadão poderia tornar-se proprietário de parte da nova empresa, desde que comprasse suas ações.
E foi o que aconteceu. Valendo-se dessa prerrogativa, ironicamente, os condenáveis “imperialistas”, (horror daquela época), também, compraram ações e se tornaram, de forma consentida, donos de parte do empreendimento, o que, diga-se de passagem, foi fundamental para o desenvolvimento do negócio.
De outra forma não seria possível os intensos investimentos que exigia a atividade. Com isso, a empresa se consolidou e, reconhecida pelo mercado como modelo de eficiência, tornou-se a “joia da coroa”. Chegou a ser a quarta mais importante do setor no ranking mundial. Era referência como modelo de gestão, que parece não ter sido respeitado nos últimos anos. Haja vista os resultados: despencou em vertiginosa queda livre e está na centésima vigésima posição. Perdeu todas as elogiosas referências que tinha. Há muito a explicar.
Do ponto de vista da estrutura do capital, historicamente, não mudou muito. A União participa hoje diretamente com 32,20% do capital e os estrangeiros a superam com 39,5%. As ações restantes estão nas mãos de pessoas físicas e jurídicas do Brasil.
Mesmo sem ser propósito entrar no complicado detalhe da legislação das sociedades por ação é bom esclarecer: “Por que tendo participação menor a União é quem, efetivamente, manda na Petrobras”? Trata-se de um artifício. O capital é dividido em ações ordinárias e preferenciais. As ordinárias são as únicas ações com direito a voto e quem detém mais de 50% delas domina a empresa. Todas as ações dessa classe estão nas mãos da União. Explicado.
Diante da realidade dos números fica exposto o primeiro grande equívoco. A Petrobras não é do povo brasileiro como nos ilude o forte apelo do lema. O cenário real indica que, teoricamente, apenas a terceira parte, (participação da União), por tabela, seria do povo.
O segundo grande equívoco está relacionado à questão estratégica. A campanha “O petróleo é nosso” era corretamente sustentada pela importância do petróleo como elemento estratégico ao desenvolvimento e à soberania do País, razões mais que suficientes para exacerbar o nacionalismo e repudiar com veemência eventuais ameaças.
Acontece que, por ignorância ou esperteza, natural ou planejada, essa condição estratégica que era do petróleo, portanto do subsolo foi transferida à Petrobras, que, indevidamente, virou item da soberania nacional.
Esses dois grandes equívocos tiveram a capacidade de tirar o foco do real para concentrá-lo no imaginário, pois, nem o povo é dono da Petrobrás e nem a Petrobrás é estratégica para o Brasil. Extrair petróleo e refiná-lo, qualquer empresa do ramo pode fazer. Estratégicas são as nossas reservas, o subsolo, onde está uma fabulosa riqueza mineral.
Essa posição ficou mais clara com a quebra do monopólio do petróleo em 2005, extraordinária ação em favor do Brasil, onde ficou evidenciada a condição da Petrobras, não mais como empresa estratégica. Não poderia ser diferente, pois, a sua própria composição acionária, como se viu, é incompatível com uma função estratégia exclusiva de Estado e não de Governo. Não foi outra a intenção da legislação que criou as Agências Reguladoras na segunda metade dos anos 1990. Elas nasceram com a necessária independência, portanto, blindadas contra ingerências de governos e de partidos. Atenderiam, exclusivamente, às politicas de Estado.
Infelizmente essa posição não convinha à sanha controladora dos governos subsequentes e tudo foi para as calendas gregas. Lamentavelmente.
Está tudo muito claro. A Petrobras, a quem dedicamos tanto amor, não passa de um instrumento de poder. Lembremo-nos, pois, do alerta dos filósofos: “O amor é um sentimento que se impõe às pessoas”. Livremo-nos do que ainda resta desse sentimento pela Petrobras. Ela nos foi imposta e não faz o menor sentido hoje. Ela não nos pertence. É de governos e dos partidos, que fazem dela o que bem entendem. Voltemo-nos para o nosso rico subsolo, esse sim, de propriedade do povo brasileiro. Defendê-lo é obrigação de todos nós.
E o que fazer com a Petrobras? A moral, atividade inteligente do ser humano, exige sua privatização. Salvo se for possível encontrar respostas convincentes à pergunta: “De quais benefícios produzidos pela Petrobras, efetivamente, o povo se apropria”? Afinal, os equívocos das paixões coletivas têm nos levado a fraudes e prejuízos extraordinários.
Francisco R. Cruz (maio 2014) – [email protected]