No futebol, peteleco é o termo usado para um chute muito fraco. Exemplo: “Até o goleiro Muralha pegava esse peteleco que ele deu”. Nas lutas, uma pancada desferida com pouca força é chamada de peteleco. “O lutador caiu mesmo levando um peteleco”.
Diferentemente desses esportes, no Amazonas faz tempo que peteleco não é sinônimo de decepção e algo sem graça. Isso porque Peteleco foi o nome dado a um boneco que garantiu gargalhadas a gerações de amazonenses. A criação foi do ventríloquo amazonense Oscarino Farias Varjão, que morreu, aos 80 anos, no domingo (15), após uma parada cardiorrespiratória.
Oscarino nasceu em 15 de maio de 1937, no Paraná do Xiborena, na parte do rio Solimões do Encontro das Águas, no antigo distrito de Latacão, em Manaus. Parece que o artista gostava de fazer estreias no seu aniversário. Em 1953, aos 16 anos, na rua Miranda Leão, Centro de Manaus, fez sua primeira apresentação com o boneco Chiquinho. Depois, trabalhou com os bonecos Marinheiro e Charles.
No dia em que Oscarino completou 20 anos, promoveu a estreia oficial de Peteleco, no bairro de Educandos. Desde lá, o ventríloquo nunca mais precisou pensar em criar outro boneco ou exercer outro ofício. Em matéria comemorativa aos 40 anos de atuação de Oscarino, publicada no jornal do Comércio, o títere foi assim retratado:
“Falar de Peteleco é muito fácil. É aquele neguinho que durante todos esses anos faz a alegria não só das crianças como dos adultos do Amazonas e de outros Estados do Norte e Nordeste, contando piadas, histórias, casos e brincando com a plateia. Peteleco adora comícios políticos. Nesses encontros, ele pode ‘abrir o bico’ de verdade e ‘mandar brasa’ nas suas diabruras humorísticas fazendo a plateia delirar. A dupla gosta mais de trabalhar em praça pública quando o endiabrado Peteleco ‘bota no toco’, como ele costuma dizer quando é questionado”.
O sucesso da dupla fez com que o nome de Peteleco fosse apropriado pelos discursos da política local. No caso, para criticar a conduta de alguém que se deixava ‘manipular’ ou repetia ideias de outras pessoas mais poderosas. Nas eleições estaduais de 1990, por exemplo, o candidato a governador, Deusamir Pereira, definiu o adversário, Wilson Alecrim, como o “peteleco do prefeito Arthur Neto”.
Por suas reiteradas críticas à Zona Franca de Manaus, nos anos 90, o então colunista da Folha de S. Paulo, Luis Nassif, foi apelidado por parlamentares amazonenses de “peteleco” dos grupos que fazem permanente lobby contra o modelo de desenvolvimento.
O excessivo uso do termo peteleco entre os políticos inspirou uma divertida crítica, publicada na Coluna Variedades, do Jornal do Comércio de 07 de julho de 1990. Alguns trechos, editados: “Acho de extremo mau gosto e total falta de respeito, isso para não dizer uma tremenda sacanagem, a atitude ensandecida de certos candidatos e seus defensores de usar o Horário Eleitoral Gratuito nas rádios e TVs, para atacar com insinuações maldosas e/ou comparar este ou aquele candidato com o Boneco Peteleco.”
“Era só o que estava faltando nem o querido Peteleco foi poupado. Que os ‘saddanistas’ candidatos queiram ofender as mães, os pais, os filhos e se bobear, até o Espírito Santo, vá lá. Porém, ninguém, mais ninguém mesmo tem o direito de debochar, brincar ou manchar a imagem límpida e honrada de uma figura célebre e idolatrada como é o boneco Peteleco”.
“O adorável marronzinho Peteleco está para nós, assim como o ratinho Mickey está para a Disney, com algumas variações. Mickey é muito certinho, sacal, chatérrimo e sem graça (um Collor de Melo da vida). Portanto, é bom que os senhores candidatos tenham no futuro mais consideração com essa personalidade folclórica de nossa Manaus. A qual vem por décadas e décadas alegrando as crianças dessa cidade, abandonada por Deus”.
Distinta da ingenuidade de quem acreditava que, além de chato, Collor era certinho; Peteleco tabelava com a ingenuidade infantil que fazia acreditar que o boneco é quem falava. Para as crianças era uma realização indireta ver um ser pequeno fazendo rebeldias e dizendo frases insolentes diante de um adulto. Com o tempo, essa atração perdeu a força. Afinal, hoje, é corriqueiro ver as próprias crianças fazendo rebeldias e falando atrevimentos para adultos.
O ventriloquismo começou como uma prática religiosa para gente grande. Na Grécia antiga, oráculos como a sacerdotisa Pythia usavam a técnica e os espectadores acreditavam que ela dialogava com deuses e com os mortos. Na idade média, o artifício foi relacionado à prática de bruxaria, uma vez que se atribuía a algum demônio a voz que parecia sair de um falecido, de um objeto ou de um boneco.
Já distante do sobrenatural, foi no século 19 que a ventriloquia ganhou o formato atual e o controle de bonecos passou a ser utilizado como entretenimento.
Um dos grandes mestres da arte que parecia mágica, a perda de Oscarino deixa uma importante parte da cultura popular local sem voz. E saber que o irreverente boneco não vai fazer mais nenhuma criança rir causa uma dor cuja força está longe de ser um chute tipo peteleco.