As tecnologias eletrônicas envolvem e atraem bilhões de pessoas em todos os continentes. No Brasil, as mídias respectivas ganham dimensões geométricas e provocam alterações profundas no rosto e no corpo da sociedade. Em particular, cuido do Facebook, rede social que mobiliza corações e mentes, num mundo cada vez mais próximo da Aldeia Global do filósofo canadense Herbert Marshall McLuhan. Há quem hoje do Município de Atalaia do Norte, nas lonjuras perdidas do Javari, na fronteira oeste da Amazônia, pode cultivar correspondência diária com amigos na China ou na Austrália, sem sair da telinha de seu computador.
Faz algum tempo tenho minha página no Face e nela registro algumas centenas de amigos. Antes participei do microblog twitter, mas de lá migrei, pelo tamanho reduzido do espaço reservado aos textos que seus assinantes podem postar na rede, condicionante que restringe a comunicação entre os participantes.
No Facebook, exponho um sem número de ideias, sem limitações, com críticas as mais variadas e sobre temas os mais diversos. Também reproduzo no ‘site’ meus artigos semanais, fotografias, vídeos, músicas e poemas, dos meus poetas espirituais, que vão de Fernando Pessoa a Alceu Wamosy. E o que é mais interessante é que recebo comentários, aplausos ou manifestações contrárias ao que sustento no meu pequeno universo, com outras postagens enriquecedoras.
No dia a dia vão surgindo muitas ‘tribos’ que se identificam pelo modo de pensar e falar, na política, nas artes, no comportamento, na moda, em sociedade, cada uma com sua visão de mundo e de Brasil. Entre elas, estreitam-se laços de solidariedade, fundados em posições assumidas e publicadas. As gigantescas manifestações de junho, que reuniram milhões de brasileiros pelo país afora, resultaram de convocações feitas através das redes e mídias sociais, o que por si só revela a força dessa nova forma de comunicação.
O Facebook é o grande palanque contemporâneo e nele todos têm oportunidade, como verdadeiro caleidoscópio da diversidade. É, ao mesmo tempo, elogiado com entusiasmo e criticado com severidade. Há quem veja no ‘domínio’ inclinações fascistoides e outros admitem que invade a privacidade de seus usuários, em todas as latitudes, desde sua origem, como propósito maior de seu projeto de criação.
Não comungo com tal crítica, negativa e ácida. E nunca fui afeito a nenhum tipo de teoria conspiratória. Além do mais, quem atualmente consegue manter o mínimo de privacidade, debaixo da visão polifêmica do Grande Irmão de George Orwell. Todos nos veem, a toda hora e a todo segundo, nas relações privadas e públicas. Trata-se de um fato que, de tão elementar, deveria ter contido a presidente Dilma Rousseff em seus arroubos inúteis contra os Estados Unidos e o Canadá, em protesto sobre os serviços de espionagem e inteligência daqueles países. Há séculos os estados vigiam uns aos outros, e qualquer todo sabe disso, mesmo que jamais tenha tido contato com os romances de Ian Fleming e seu James Bond, ou com o isqueiro do inigualável Flint, outro dos mais notáveis espiões da história do cinema.
O ambiente é democrático e não deve tolerar o Facebook quem, com viés autoritário, não gosta de conviver com o diferente, com o desacordo e o confronto de opiniões. Aí, realmente não dá, impossível, pois na rede tem-se de tudo. Em meu círculo de amigos, por exemplo, há quem agora defenda o retorno da ditadura militar, frente aos descalabros da administração petista e aos escândalos de corrupção no governo. É evidente que abomino tamanho desatino, uma vez que sou democrata visceral e amo a liberdade, vítima com toda a minha geração do golpe militar nos idos de 1964, embora condene com vigor a agressão lulopetista ao erário e às instituições políticas no Brasil, como ocorreu no caso do Mensalão.
Um dia desses um amigo postou notícia veiculada pelo Zero Hora de Porto Alegre, no ano de 1983, sobre o veto dos militares à realização da Copa do Mundo no Brasil em 1986, oferecida ao país por João Havelange, então dirigente máximo da Fifa. Em manchete de primeira página, o jornal destacava: “GOVERNO VETA COPA NO BRASIL”, em decisão do presidente João Figueiredo, sob alegação de que a crise econômica da época recomendava ‘irrestrita austeridade’. Na ocasião, o presidente militar teria perguntado a Havelange: “Você conhece uma favela no Rio de Janeiro? Você já viu a seca no Nordeste? Você acha que eu vou gastar dinheiro com estádio de futebol?”, sepultando de vez a proposta. E observa o autor da publicação no Face que assim “não é preciso dizer mais nada”, porquanto “a verdade de ontem é a mesma de hoje”.
Olha, combati a demolição do Vivaldão e a construção da Arena da Amazônia, uma obra injustificável, aqui mesmo neste jornal e em audiências públicas. Fui e sou contra o desperdício de dinheiro público, no Brasil e com maior razão no Amazonas, com tantas e tão grandes carências sociais insatisfeitas. Apenas acrescento: será que numa ditadura teríamos condições, eu e meu amigo do Face, de manifestar a mesma indignação? E, em relação à Copa de 1986, cabe uma indagação elementar e definitiva: caso a deliberação fosse pela realização do torneio internacional no Brasil, quem poderia protestar contra o ato em pleno regime militar?