Ele comprou um cavalo e foi condenado à morte. Assim pode ser resumida a vida de George Johnson, morador do violento Velho Oeste americano, no século 19.
George apareceu com um belo, resistente e veloz corcel no povoado batizado de Tombstone (Lápide, em inglês). Um equino tão bonito que despertou inveja em muitos moradores. Logo, descobriram que o animal pertencia a um fazendeiro e havia sido roubado. George alegou que havia comprado o cavalo e não sabia nada do crime.
Em 1882, no Velho Oeste, roubar um cavalo ou comprar um cavalo roubado eram crimes punidos severamente. O tribunal não acreditou que George havia adquirido o animal de boa fé e ele foi sentenciado à morte. Depois, descobriram que o humilde caubói era, de fato, inocente. Mas era tarde demais.
Antes da sua execução, George pediu que a sua tumba, localizada no notório Cemitério de Boot Hill (Arizona), tivesse um epitáfio escrito por ele e que o tornou famoso: “Aqui jaz George Johnson, enforcado por um erro em 1882. Ele estava certo, estávamos errados, mas nós o amarramos e agora ele se foi”.
Epitáfio é uma palavra de origem grega, composta pelo prefixo: epi (sobre, em cima de) e pelo radical taphos (tumba, túmulo) e é uma invenção da Idade Antiga. Resumidamente, é uma inscrição em um túmulo que identifica o lugar em que o morto está enterrado. Com o tempo e com outras interpretações coletivas sobre o significado da morte, as frases escritas sobre as lápides ganham outras funções como homenagear heróis, nobres e autoridades religiosas. Ao enaltecer o finado, a ideia é convencer os vivos que as virtudes sobressaem até na morte.
Dentre outros objetivos dos epitáfios também estão o de exprimir o último desejo do falecido, o de compartilhar o sentimento de luto pelo morto, perpetuar uma memória e também provocar uma meditação sobre a mortalidade humana e a finitude da vida.
Uma espécie de ‘epitáfio’ famoso do mundo de futebol foi feito por Di Stephano, considerado por muitos como o melhor jogador argentino de todos os tempos. Em homenagem ao objeto que foi tão importante para a vida dele, o ‘Flecha Loira’ mandou construir uma estátua de uma bola com a inscrição Gracias, vieja! (‘obrigado, velha!’). “Meu agradecimento é para a bola e para a minha mamãe. À velha, que me fez nascer, e à bola, que me fez crescer”, explicou.
Já o jogador brasileiro Sócrates contava aos amigos que seu epitáfio seria uma resposta aos que o criticavam por seu envolvimento em questões políticas e o cobravam por mais compromisso com o esporte: “Se tivesse me dedicado mais eu não seria essa pessoa tão completa como sou agora”.
Outra relação entre futebol e reflexão sobre a vida e a morte apareceu na Copa de 2006. O treinador Carlos Alberto Parreira escolheu a música ‘Epitáfio’, da banda Titãs, como o tema oficial da Seleção naquele Mundial. A canção continha versos repletos de arrependimento e melancolia que acabaram combinando com o desempenho do time na competição: “Devia ter arriscado mais”. A exceção era o curioso refrão: “O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído!”. Não foi o que aconteceu. O lateral-esquerdo Roberto Carlos se distraiu ajeitando as meias e o atacante francês Thierry Henry ficou livre para marcar o gol que eliminou o Brasil.
Um dos epitáfios mais antigos lembra o ressentimento de um torcedor de futebol revoltado com a arbitragem. Em vez de decretar o final da luta, o juiz (summa rudis) de um duelo de gladiadores romanos permitiu que o lutador que se rendeu e pediu para ser poupado da morte voltasse ao combate, enquanto o vencedor misericordioso celebrava. O vencedor acabou morrendo depois. Diz o epitáfio do gladiador Deodoro: “Após derrotar meu oponente Demétrio, eu não o matei imediatamente. A astuta traição do destino e do summa rudis causaram a minha morte”.
Não faltam mensagens escritas para o morto ou por quem morreu que se tornaram memoráveis. Sobre o controverso cardeal de Richelieu: “Aqui jaz o grande cardeal que fez na vida o bem e o mal. O bem que fez, fez muito mal. O mal que fez, fez muito bem”. A respeito do conquistador Alexandre, o Grande: “Basta agora uma sepultura para quem o mundo inteiro não bastava”.
Da escritora inglesa Virginia Woolf: “Contra ti me arremessarei, invencível e persistente, ó Morte”. De autoria da poetisa americana Emily Dickinson: “Chamada de volta”. Do notório Marquês de Sade: “Se eu não vivi mais, foi por que não me deu tempo”. Do humorista Spike Milligan: “Eu disse que estava doente”.
Provavelmente o epitáfio mais irônico e sincero é de W.C. Fields (pseudônimo do comediante William Claude Dukenfield): “Preferia estar vivo, nem que fosse na Filadélfia”.
Tomara que seja certo todo o otimismo de torcedor expressado no epitáfio do cantor Frank Sinatra: “O melhor ainda está por vir”. Enquanto esse “melhor” não chega e não desvendamos o enigma do pós-vida, o ideal é viver de modo que em nosso epitáfio não apareçam frases de arrependimento como: “Devia ter feito”.
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