Vivemos num mundo em que, cada vez mais, as pessoas se medem pelo têm, pelo que consomem, pelo que ostentam e aparentam. Lamentavelmente, sobretudo nesse tempo, vivemos de máscaras decadentes. E mesmo as máscaras supostamente “boas” estão sujeitas à lógica desse mercado de ilusões.
Fábrica de mazelas
Percebe-se que o modelo das máscaras constitui um fomentador de ilusões, traumas, frustrações, sendo inteiramente incapaz de responder minimamente aos problemas que cria. Socorre-se aflitivamente na polícia, no judiciária e noutras mediações, que geralmente não oferecem soluções válidas nem eficazes às lesões. Quase sempre, a receitinha formal acaba por agravar ainda mais as mazelas psíquicas, econômicas e sociais que o modelo das máscaras gera. E leva as pessoas a vícios e ao círculo vicioso da ilusão de que seus problemas apenas se resolverão segundo a lógica do mercado ou da força do poder político. Uma fórmula simplista e inócua de lidar com os conflitos internos (existenciais e psíquicos) e externos (coletivos), entender os problemas, interpretar as questões sociais e tecer relacionamentos humanos. Não são poucos aqueles que, aprisionados nesse labirinto das máscaras, desembocam numa vida de doenças ou de violências e de crimes.
Esvaziamento e desumanização
Esse mundo no qual as pessoas se medem por coisas ou ilusões similares vai gradativamente esvaziando a vida de significados mais coerentes com a condição humana e precarizando todo e qualquer relacionamento humano, até mesmo os de vínculo familiar. As relações se reduzem a mercadorias no modelo das máscaras. Fantasiam-se padrões de consumismo, elevados à condição de religião pelas sensações, e a moralidade é relegada ao plano do mercado. Ao invés da vida digna promove-se a vida superficial, exposta nas falsas redes de relacionamento. E, assim como produtos e coisas, as pessoas também são facilmente descartáveis. As relações pessoais se desumanizam e se tornam negócios aviltáveis no delirante altar do monetarismo, do consumismo, do sensualismo, das megalomanias de poder.
Epistemologia das máscaras
O modelo das máscaras se assenta numa visão de mundo precária e limitadora do discernimento humano. Por ele, tudo tem que ser resolvido em compartimentos bem delimitados, como produtos que estão em pratileiras, em suas respectivas secções. A “epistemologia das máscaras” simplesmente ignora a multidimensionalidade do real. É incapaz de perceber que, na realidade, tudo está conectado, em interação. E, quase sempre, despreza que a parte faz o todo e o todo também faz a parte. Daí decorre a equivocada noção materialista de que a medida de todas as coisas é o quanto se tem de dinheiro, de poder, de cargos, de posses, de carros, de objetos de grife. Máscaras que se medem com outras máscaras pelo que consomem de bens, de corpos e de sensações, adormecidas na prisão dos objetos físicos e alucionógenos sensoriais. O mascaramento da realidade que encarcera a existência no irreal, no ilusório, no relativismo absoluto e na limitante cognição materialista. A vida passa a valer não pelo que se é e pelo que se pode ser, mas tão somente pelo que se teve, pelo que se tem e pelo que se poderia ter.
Implicações
São numerosamente diversas as consequências dessa limitação de consciência e de vida. Frequentes, comuns e observáveis no cotidiano, grande parte dessas implicações decorrem das relações de injustiça que se multiplicam por essa lógica do modelo das máscaras: multidões de excluídos, miseráveis, desassistidos, abandonados a pior sorte, violências, epidemia de crimes, aumento da repressão policial, explosão de populações encarceradas, agigantamento da judicialização e muitos, muitíssimos adoecimentos. Frustrações materialistas e consumistas, em regra, fomentadas por comparações de acesso ao consumo de bens ou de serviços, as quais produzem patologias que se coletivizam e geram uma sociedade doente e adoecedora.
Sem estar desvinculadas das primeiras, há outro conjunto de consequências produzidas por grupos que elegem como centro de sua existência a disputa sem ética pelo poder. Grupos e indivíduos que não são referência de serviço público nem à coletividade, que sequer desenvolveram algum projeto humanitário ou social. Grupos que não atuam em qualquer trabalho junto à coletividade e aos que necessitam de amparo, segurança, educação, saúde… Há grupos corporativos, tanto intra quanto extra estatal, que existem para promover eliminação genocída de outros, que às vezes têm algum bom trabalho a apresentar. Um tipo de viciamento da vontade sedento de poder pelo poder que reproduz as mazelas humanas e suas megalomanias com efeitos sociais e institucionais nocivos ao Estado e à coisa pública. A amplificação das debilidades cognitivas, da epidemia de injustiça e da frustração decorrente do modelo ilusório das máscaras. Esse grupelhos e indivíduos que tomam de assalto os espaços públicos, eletivos ou não, lembra-nos a constatação de Shekaspeare, na obra Macbeth: “O poder é a escola do crime”.
De outro lado, ainda quanto às implicações do modelo das máscaras, os que saciam sua avidez compulsiva por coisas e sensações estão quase sempre sedentos pelo consumismo exarcebado, instrumentalizado pelo poder político como via para o poder econômico e para o status. Quase sempre procuram usufruir de privilégios, decorrentes das ilhas articuladas de poder e de status, com prepotência, arrogância, cinismo, luxúria e violência, dentre outras aberrações desumanizadoras geradas pelas máscaras egoicas, limitadoras cognitivas e produtoras de decadências éticas. Muitas vezes, tais mazelas resultam em delitos, inclusive hediondos.
Raízes do modelo
Na raiz do problema, em grande medida, está o fato das pessoas terem sido lançadas, ainda muito precocemente, no jogo psíquico e social do materialismo, do sensualismo e do consumismo sem terem sido orientadas e aprendido a lidar com a lógica da sociedade de mercado em que vivem. Atiradas ao mundo sem um mínimo de discernimento ético e sociopsicológico. Largadas sem terem tido esclarecimento ou oportunidade de formar convicções básicas. Em especial, sem preparação elementar com vistas a lidar com os aspectos material, profissional e financeiro. Uma prisão no obscurantismo das máscaras. Como diriam alguns filósofos, uma queda na ignorância ontognosiológica (ignorar a condição do ser).
Há um certo sentido em compreender que o dinheiro e tudo o que se tem (aspecto material da vida), entre os fatores do modelo das máscaras, faz as pessoas boas melhores e as pessoas fracas piores. Sob esse aspecto, lidar com o dinheiro (e tudo o que se tem) é uma questão de saúde. Como é se sentir saudável ou doente financeira ou materialmente? Como lidar com a falta ou a disponibilidade de dinheiro e das coisas da vida material, incluindo seus prazeres e confortos? Por que tantos crimes e adoecimentos motivados pela questão material, de acesso a bens e ao consumismo? A saúde mental, em relação às finanças e à parte material da existência, decorre das respostas subjetivas e atitudinais que dermos a essas questões. E dessa aprendizagem, em grande parte, resulta a riqueza com que vivemos a vida, ou seja, se somos saudáveis ou não (mergulhados no universo das máscaras) em relação ao aspecto materialista.
O ciclo de prisões
A vida superficial, dirigida pela limitada medida do ter, limita o entendimento, a liberdade e a satisfação com a existência. Converte-se a vida de algo belo em algo pesado, melancólico, frustrante, pela qual as pessoas apenas passam, satisfazendo seus apelos sensuais, consumistas e materialistas, contudo, sem realizar o que de verdade deveriam ter feito para serem felizes. O modelo das máscaras as aprisiona na pior da prisões – a da mente de desejos por suas próprias fraquezas. É Narciso que afoga a si mesmo. E, ao final, julgam que se não tiverem transformado os outros, seus filhos e semelhantes, nisso que foram, não terão cumprido seu papel moral, afetivo, social nem espiritual. Realimentam, enfim, o ciclo de frustrações, sofrimentos, injustiças, prisões e enfermidades que as acorrentam à superficial vida regida pela medida do ter e das aparências – o legado funesto da adesão ao modelo das máscaras.
Livrar-se do modelo das máscaras
Por isso, festeja o genial escritor francês Victor Hugo: “Arrancar a máscara, que livramento!” Libertar-se da limitação cognitiva e ética imposta pelo ilusório modelo das máscara é uma forma de renascer. É uma espécie de Natal que acende a luz para uma vida livre e lúcida. Não cativa de ilusões, ardis, malícias, mentiras, vícios e de obscurantismo. Um livramento, como diz o mestre francês, e que conduz a uma vida simples, leve e autêntica. Afinal, autenticidade não é pra quem simplesmente pode, mas para quem quer levar uma vida sem o fardo do encarceramento no modelo das máscaras. Nesse sentido, Feliz Natal!!!
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.