No dia 23 de setembro último, o STF (Supremo Tribunal Federal) votou por restringir o alcance do foro privilegiado para deputados e senadores com direito de serem investigados e processados naquela Corte. É necessário discutir o tema não só por sua relevância, mas também por representar um dos obstáculos a serem superados pelo Brasil. A decisão final restou suspensa por um pedido de vistas do Ministro Dias Toffoli. A história leva-nos às origens do foro especial por prerrogativa de função. Tratou-se sempre de instituir privilégio de natureza pessoal a certos indivíduos ou classes sociais desde o fim da Antiguidade. No Brasil, a Constituição Federal de 1824 já tratava do tema, mas foi com a Constituição de 1988, ora em vigor, que a situação atingiu seu ápice. Encontramos na Constituição e nas Leis Complementares, a descrição do foro por prerrogativa de função, tanto em matéria penal quanto em matéria civil.
A prerrogativa de foro anda na contramão do Princípio Constitucional da Igualdade, produz injustiças, aberrações jurídicas e sociais ao inocentar os privilegiados, na maioria dos casos, pelo excesso de prazo nos julgamentos, causa da extinção dos processos pela prescrição e por uma circunstância particular: a Suprema Corte do Brasil é formada por membros indicados pelo Presidente da República, o que lhe confere diretamente forte influência política.
A lentidão da justiça em instância privilegiada traz a impunidade dos agentes públicos processados pelos mais variados crimes, em muitos casos por desvio de dinheiro público. Basta aferir o número de processos que sofrem condenações no STF pela prerrogativa de foro, números ínfimos frente aos números de processos distribuídos, em média, 1,5% de autoridades punidas. A Corte Suprema demorou 124 anos para proferir a primeira condenação na sua competência penal originária. Isso ocorreu em 27 de setembro de 2010, quando o STF condenou uma autoridade com foro privilegiado, um deputado federal, que havia desviado a contribuição previdenciária do salário de seus empregados.
Como declarado pelo Ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, “foro por prerrogativa de função é um desastre para o país; minha posição é extremamente contrária. É um péssimo modelo brasileiro e estimula a fraude de jurisdição, na qual, quando nós julgamos, o sujeito renuncia, ou quando o processo avança, ele se candidata e muda a jurisdição. O sistema é feito para não funcionar”.
O foro privilegiado passou a ser acobertamento da criminalidade de alguns privilegiados por essa armadura jurídica transformada em resguardo constitucional do ilícito.
Não se busca aqui a estruturação de um novo tribunal, mas apenas apontar, no limite das atribuições cívicas, o que poderia ser feito para frear essa disfunção. As autoridades acusadas de delitos devem ser responsabilizadas por seus atos de forma eficaz e o ilícito e a impunidade devem ser combatidos. Cabe ao Parlamento Brasileiro apresentar propostas legislativas para diminuir o número de autoridades privilegiadas com o foro especial, a fim de que os processos nas instâncias superiores da Justiça tramitem de forma mais célere. De novo, voltamos à tecla da necessidade de assumir, cada um de nós, a responsabilidade por essa situação. Quem integra e exerce ou não as vantagens obscuras desse privilégio, chegou lá por nossas mãos. Portanto, temos de limpá-las. E só há um modo: escolher lucidez os representantes do interesse público. E mais: pais, professores, advogados, magistrados, em suma, cidadãos, todos precisam conversar sobre isso, falar com filhos, clientes, vizinhos, na feira, na festa, na vida, já que depende muito de cada um de nós o movimento para sustar essa desordem social.
Vamos perguntar ao político, disposto a representar, efetivamente o interesse público, como vai portar-se diante da imoralidade desse privilégio? Em todos os níveis, em todas as direções, por todas as razões, não faz sentido que haja uma Corte, a Suprema, com tantos problemas relevantes para resolver, na ótica da cidadania geral, exclusivamente para julgar os ilícitos deste privilégio. Precisamos promover urgentes mudanças, transparentes e necessárias, para haver igualdade de direitos e orgulho justificado da brasilidade.
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