A rebelião ocorrida no sistema penitenciário do Amazonas no dia 1° de janeiro, com o assassinato de 60 presos e a fuga de outros 184 encarcerados confirmam mais uma vez a decadência e a fragilidade deste sistema prisional e o total descontrole do Governo Estadual na gestão da segurança pública. É um desrespeito os direitos da pessoa humana e com a população amazonense que hoje está aterrorizada.
Foi uma carnificina com mortes com requintes de crueldades, com mutilações, pessoas degoladas e esquartejadas, no Complexo Prisional Anísio Jobim (COMPAJ) e no Instituto Penal Antonio Trindade (IPAT), dois dos principais presídios do Estado.
Uma verdadeira barbárie. As cenas brutais, que foram veiculadas pela internet deixaram todo mundo horrorizado. Aliás, o mundo está horrorizado com a rebelião que chegou a ser considerada como a segunda maior tragédia em presídios brasileiros, a primeira foi no Carandiru em São Paulo.
Quais os fatores que levaram a essa tragédia? A Secretaria de Segurança do Estado diz que foi apenas uma briga entre facções criminosas, ligadas ao tráfico de drogas. No caso, seria a facção FDN que estaria eliminando membros da facção PCC, pelo controle dos presídios e a influência no tráfico de drogas na cidade e no Estado. É o que eles dizem. Mas tudo indica que não é somente isso. Mas então são os criminosos que comandam os presídios? Onde está a estrutura do Estado? Nas fotografias divulgadas são mostrados terçados, pistolas, fuzis e outros armamentos em poder dos criminosos. Como foi possível entrar, junto com celulares?
O governo estadual terceirizou os serviços penitenciários. Desde 2010 já foram pagos em torno de R$ 1 bilhão de reais. Em 2015, o valor efetuado chegou a R$ 135 milhões, e em 2016, o montante foi de R$ 325 milhões. A principal empresa, a Umanizzare, já foi alvo de investigações. Os contratos são suspeitos e esta empresa fez doações para eleição do atual governador, José Melo (PROS). Portanto, houve grande interesse em manter esta empresa, que mostrou não ter capacidade de gerenciar o sistema. É urgente fazer uma investigação sobre esses contratos e valores pagos.
É urgente a realização de concurso público, para ter funcionários de carreira e capacitados para estes serviços. Hoje, são menos de 60 na ativa, e desvalorizados.
A negligência do Estado é notória. O Estado é responsável por esta tragédia e pelas mortes. O Estado tem a custódia da vida dos presos. O Estado tem a obrigação de garantir a integridade física dos presos e da vida deles, enquanto estão pagando as penas. Isto está previsto na Lei de Execução Penal. Não temos a pena de morte no Brasil. Quem comete crimes deve pagar por isso, as penas de reclusão em regime fechado chega a 30 anos. O Estado deve garantir a prisão e evitar a fuga. É um direito do preso, mas também é um direito das famílias, das vítimas, dos cidadãos.
Os presos têm que se ocuparem com trabalho, estudos, atividades que possibilitem uma real mudança de vida. Mas como garantir o direito de trabalhar se a estrutura das penitenciárias não está adequada? A superlotação é absurda, criminosa e desumana.
Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o relatório do ‘Mutirão Carcerário’ mostrava que em 2013 no COMPAJ tinha 1.106 presos, quando a capacidade era de 454. O mesmo foi demonstrado no relatório de inspeção realizado nos presídios no Amazonas pelo Ministério das Mulheres, Igualdade Racial e dos Direitos Humanos o final de dezembro de 2015 que dizia que tinha em torno de 25 presos por cela. Aí fica muito difícil fazer algum trabalho de recuperação e ressocialização das pessoas que estão presas ali.
O sistema atual é caro, não está trazendo resultados, e dá sinais evidentes de sua falência. Precisa de mudanças urgentes. Não é simplificando o que aconteceu, como sendo apenas rixas entre criminosos que será a solução. Novas construções, separação dos criminosos por tipos de crimes, não misturar os de alta periculosidade com os que cometerem crimes de menor poder ofensivo.
Mas também tem o fato de que hoje tem 57% dos presos não tem condenação. Ou seja, são presos provisórios e 65% estão presas há mais de 90 dias, e até meses. Alguns desses presos também foram vítimas do massacre. É o caso também de cobrar do Tribunal de Justiça do Amazonas e do Ministério Público um posicionamento sobre a lentidão dos julgamentos destes que estão presos.
Quero me somar a todas as manifestações de solidariedade às famílias dos presos mortos. O mundo todo está acompanhando. O Papa Francisco se manifestou. O arcebispo de Manaus Dom Sérgio e a Pastoral Carcerária estão cobrando mais humanidade nos presídios. A OAB/Amazonas e outras entidades da sociedade civil cobram providências e investigações.
Pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas, em que estou como presidente, estarei propondo um pedido de investigações sobre as circunstâncias das mortes, dos contratos com a empresa terceirizada, a relação dos mortos e as razões das penas e crimes cometidos, e suas ligações com tráfico de drogas, visto que o Ministro da Justiça, quando esteve em Manaus levantou esta questão. É possível até propor uma CPI para investigar com mais profundidade a situação.
Vamos continuar a luta pelos direitos humanos. Direitos de todos e todas de ter mais segurança na cidade, direitos de ir e vir com tranquilidade, direitos sociais de saúde, educação, moradia, lazer e transporte coletivo. Direitos de todos os cidadãos, inclusive aqueles que tenham cometidos crimes. É uma questão de justiça e humanidade.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.
Se todos fizerem isto que a comissão planeja terá sido algo sem paralelo no Amazonas.