O dia 18 de abril de 2017 representa um importante marco da questão migratória no Brasil. No dia de ontem, foi aprovado pelo Senado Nacional, projeto da nova Lei de Migração, que “define os direitos e os deveres do migrante e do visitante no Brasil; regula a entrada e a permanência de estrangeiros; e estabelece normas de proteção ao brasileiro no exterior”, o tratado de reciprocidade.
Esta nova Lei de Migração que agora depende da sanção presidencial representa um passo importante na legislação migratória no Brasil até agora balizada pelo ultrapassado Estatuto do Estrangeiro baseado na Lei de Segurança Nacional 6.815 de 1980. Dentre os problemas emblemáticos do Estatuto do Estrangeiro consta a própria designação do migrante na condição de “estrangeiro” apresentado primeiramente como uma ameaça ou uma prerrogativa do “migrante ideal” apresentado na Era Vargas com critérios de seleção que previa a “escolha” de migrantes preferencialmente do sexo masculino, brancos (arianos) e portadores recursos econômicos para investir na economia brasileira. Ou seja, todo e qualquer outro perfil migratório era encarado institucionalmente no Estatuto do Estrangeiro como passível de prejuízos para o país, logo, deveriam ser evitados.
A nova Lei de Migração que seguiu ontem para sanção presidencial, não representa grandes avanços no que se refere ao estado de direitos humanos universais, mas, traz importantes garantias na legislação migratória como o artigo que trata da punição aos traficantes ou contrabandistas (aqueles conhecidos como ‘coiotes’) de pessoas. Reconhece como criminosos tanto aqueles que promovem a entrada ilegal de estrangeiros em território nacional como aqueles que integram as rotas internacionais do tráfico de brasileiro em país estrangeiro. A pena prevista é de reclusão de dois a cinco anos, além de multa. Diante da gravidade do crime, ainda é pouco, mas, já é um importante começo no enfrentamento ao tráfico internacional de pessoas com grande incidência no Brasil e de maneira especial na Amazônia.
A nova Lei de Migração abre também importantes precedentes na garantia de direitos dos migrantes prevendo “anistia na forma de residência permanente a alguns imigrantes que entraram no Brasil até 6 de julho de 2016 e que fizerem o pedido até um ano após o início de vigência da lei, independente da situação migratória anterior”. Essa medida é importante para garantir a inclusão dos migrantes na sociedade e evitar a situação da irregularidade que impede a assistência à saúde e educação dos migrantes irregulares que são muitos na Amazônia.
Outro ponto importante da nova Lei de Migração é a “atenção aos cidadãos brasileiros que vivem no exterior”. Segundo estimativas do Conselho Nacional de Imigração mais de 3 milhões de brasileiros imigrantes vivem em outros países atualmente. Muitos deles em situação irregular. Por outro lado, de acordo com dados da Polícia Federal, atualmente vivem no Brasil cerca 1,7 milhão de imigrantes. Esses dados evocam a necessidade urgente da celebração de Tratados de Reciprocidade entre o Brasil e os países de destino dos migrantes brasileiros. Tais tratados assegurariam aos brasileiros em outros países, os mesmos direitos garantidos aos imigrantes no Brasil, o que exige amplo debate em torno da negativa de direitos sociais, como o direito à residência, educação, trabalho e saúde dos migrantes.
As instituições que historicamente lutam em defesa dos direitos dos migrantes no Brasil, com destaque especial para o Serviço Pastoral dos Migrantes com ampla atuação na Amazônia, apontam que ainda existem grandes problemas na nova Lei de Migração tais como prerrogativas que permitem a criminalização dos migrantes mais pobres. Entretanto, reconhecem a nova lei é fruto de um consenso obtido ao longo de muitos debates e negociações com entidades, políticos e outros atores que atuam na defesa dos direitos dos migrantes e que a proposta aprovada é muito melhor do que o Estatuto do Estrangeiro.
Para os migrantes residentes no Brasil e para os brasileiros migrantes em outros países, a nova Lei de Migração representa uma importante vitória e abre novas possibilidade de garantia de direitos dos migrantes que circulam em outros países na condição de trabalhadores, estudantes, intercambistas, refugiados, exilados, dentre outras categorias.
Para as instituições que atuam junto aos migrantes, resta aguardar a sanção presidencial e trabalhar na elaboração de políticas públicas voltadas para atenção e o atendimento aos migrantes nesta conjuntura de intensos novos fluxos de entrada e saída de migrantes, de maneira especial na Amazônia com destaque para a mobilidade de venezuelanos e haitianos, além de ampla mobilidade interna.
Marcia Oliveira é doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia (UFAM), com pós-doutorado em Sociedade e Fronteiras (UFRR); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, mestre em Gênero, Identidade e Cidadania (Universidad de Huelva - Espanha); Cientista Social, Licenciada em Sociologia (UFAM); pesquisadora do Grupo de Estudos Migratórios da Amazônia (UFAM); Pesquisadora do Grupo de Estudo Interdisciplinar sobre Fronteiras: Processos Sociais e Simbólicos (UFRR); Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR); pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM/CNBB e da Cáritas Brasileira.
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