Havia uma garota em Troia muito bonita e inteligente, mas com quem as pessoas evitavam a todo custo conversar: Cassandra.
O bate-papo poderia até estar agradável quando, subitamente, Cassandra olhava para uma casa e, assustada, dizia que o local estava pegando fogo. O interlocutor, porém, ao voltar sua atenção para a residência não conseguia enxergar nenhum sinal de chama ou fumaça.
Em outro momento, ela apontava para um rapaz e, com voz condoída, lamentava o fato dele ter o braço direito decepado. Quando os outros olhavam para o moço, entretanto, viam um jovem perfeitamente saudável.
Casais felizes também não escapavam de seus comentários. De um par, Cassandra afirmava que o marido mantinha um romance extraconjugal com a vizinha. De outro casal, relatava que a esposa tinha envenenado o prato de almoço do marido. Lamentava a demissão de alguém recém-contratado. Chamava de viúvas garotas que acabavam de ser pedidas em casamento.
Quando ainda era ouvida, Cassandra causou vários alvoroços na cidade. Mobilizava mergulhadores para resgatar afogados que ninguém encontrava. Fazia pessoas se jogarem de pontes, gritando sob um suposto maremoto. Reunia grupos para salvar pessoas de sequestros, mas que não eram achadas no local apontado como cativeiro.
Muitos consideravam como a maior das suas ‘maluquices’ uns estranhos alertas sobre a ‘barriga de um gigantesco cavalo de madeira’!
Quando alguém criava coragem e a confrontava, ela sempre respondia: “Não foi agora? Então vai acontecer depois”.
Diferentemente do que muitos troianos pensavam, o problema de Cassandra não era que ela quisesse chamar atenção por ter 18 irmãos. Cassandra tinha os olhos voltados para o futuro. Na verdade, todos os seus comentários eram profecias infalíveis. Tudo que ela falava iria acontecer. A sua maior maldição, porém, era que ninguém acreditava no que ela dizia.
Na época em que o Brasil se tornou sede dos dois eventos que mais despertam a atenção do mundo – a Copa e as Olimpíadas – era agir como Cassandra falar algo contra.
Citar o risco de superfaturamento na construção de estádios e parques poliesportivos ou questionar o que seria feito deles após os eventos era o mesmo que mencionar um braço decepado ou um incêndio numa residência quando a maioria só queria ver uma pessoa perfeita ou uma linda casa.
Não era, porém, um devaneio ou histeria dizer que deixar os eventos nas mãos dos dirigentes que comandavam a organização da Copa e da Olimpíada era o mesmo que ‘entregar o ouro para bandido’. Ou uma espécie de ‘cavalo de Troia’ de que o Brasil deveria escapar.
Pois, recentemente, foi preso o então presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, investigado pela Operação Unfair Play, um braço da Lava Jato, que apura um esquema de corrupção para compra de votos na escolha do Rio de Janeiro como sede da Olimpíada de 2016.
O curioso é que durante a prisão do cartola foi revelado que ele guardava num cofre na Suíça 16 quilos de ouro não declarados ao Fisco. Juntas, todas as barras valem cerca de R$ 2 milhões. O mesmo valor que o cartola declarou em 2006 como a soma de todos os seus bens. Em 2016, ano da Olimpíada, esse número subiu para R$ 7,3 milhões. Um acréscimo de 457% em seu patrimônio. Antes da prisão, Nuzman teve o passaporte retido e, com dois outros envolvidos, foi bloqueado R$ 1 bilhão pela Justiça. Detalhe: oficialmente Nuzman não recebe nenhuma remuneração pela função de presidente do COB há 22 anos.
Além disso, com o ouro escondido seria possível produzir mais de 2.600 medalhas douradas, todas as medalhas de ouro necessárias até a Olímpiada de 2028. Nenhum atleta ‘ganhou’ tanto ouro.
Um dos maiores problemas nacionais não é o fato de que não se acredita como se deveria nas ‘cassandras’ quando elas fazem previsões pessimistas e prognósticos sombrios. O mais preocupante no Brasil é que toda vez que alguém diz que algo vai dar errado, aqui sempre vira uma profecia infalível.