MANAUS – Os estragos ambientais causados pelas obras do Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim) III a dezenas de cursos d’água e à orla do Rio Negro levaram o Ministério Público Federal no Amazonas (MPF/AM) a processar o Estado do Amazonas, o ex-coordenador da Unidade de Gerenciamento do Prosamim, Frank Abrahim Lima, as construtoras Concremat Engenharia e Andrade Gutierrez, responsáveis pelas obras, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), financiador da terceira etapa do programa.
A ação pede à Justiça que responsabilize os processados pela degradação ambiental provocada pelas obras do programa na Bacia do Igarapé do São Raimundo e na orla do rio Negro, em Manaus. De acordo com as apurações, vários cursos d’água e afluentes da bacia foram descaracterizados com aterramentos, compactações, desmatamentos e canalizações que prejudicaram o importante papel ambiental dessas áreas urbanas de proteção permanente.
Como pedidos finais, a ação requer a condenação das empresas e instituições processadas à obrigação de recuperar todos os danos ambientais causados pelo Prosamim, a serem identificados e quantificados por meio de perícia técnica. Também devem construir estações de tratamento de esgoto para atender às residências do Prosamim III no prazo de um ano, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por dia de descumprimento.
Em relação ao ex-coordenador da Unidade Gestora do Prosamim, Frank Lima, ao BID e às construtoras Concremat Engenharia e Andrade Gutierrez, o MPF pediu ainda a condenação ao pagamento de indenizações de ressarcimento por todos os danos ambientais causados pela execução do Prosamim III, em valor a ser fixado por meio de perícia técnica. Eles também estão sujeitos ao pagamento solidário de indenização por danos morais coletivos em valor não inferior a R$ 10 milhões, caso a Justiça acolha o pedido do MPF.
Efeitos negativos predominam
De acordo com a ação, o trabalho do Prosamim consiste basicamente em canalizar e retificar os cursos d’água, sem reconstituição de mata ciliar nas margens dos igarapés, ou seja, sem a recuperação da vegetação nas áreas de preservação permanente, sob a alegação de “revitalização” dos igarapés. No documento o MPF destaca ainda “que eventuais benefícios sociais e ambientais que possam ter sido obtidos com as obras do Prosamim III são inferiores aos efeitos negativos”.
Os trabalhos são realizados com recursos do Contrato de Empréstimo Internacional número 1692/OC-BR, firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento em janeiro de 2006, no valor total de 200 milhões de dólares, sendo 140 milhões de dólares do BID e 60 milhões de dólares como contrapartida do Governo do Estado do Amazonas.
A ação tramita na 7ª Vara Federal no Amazonas sob o número 0002764-35.2016.4.01.3200 e aguarda decisão da Justiça.
Esgoto sem tratamento
A ausência de tratamento do esgoto despejado nos igarapés pelas moradias construídas pelo Prosamim torna ainda mais graves as irregularidades ambientais do programa. A prática irregular foi reconhecida pelo próprio representante do Prosamim, Juliano Valente, durante audiência pública sobre o tema realizada em setembro de 2015, na Assembleia Legislativa do Amazonas. Para o MPF, essa constatação demonstra que o Prosamim perdeu uma importante oportunidade ao deixar de utilizar os recursos milionários recebidos para resolver um dos principais problemas urbanos de Manaus: a falta de saneamento básico.
Para o órgão, o reassentamento de famílias em áreas naturalmente úmidas por meio de aterramento, canalização, retificação e impermeabilização de igarapés, associada à ausência de tratamento do esgoto residencial, “resultam em danos ambientais e sociais irreversíveis, consistentes no efeito de barragem (risco de alagamento), perda de serviços ambientais ocasionada pelo aterramento de cursos d´água, poluição hídrica pelo lançamento de esgoto não tratado, e outros impactos, os quais deverão ser dimensionados por meio de perícia judicial”.
Aterramento de nascentes
A situação verificada in loco em trecho do Igarapé do 40 que também recebeu obras do Prosamim demonstrou o descaso dos responsáveis pela execução do programa com o meio ambiente. Parte dos entulhos da obra não foi retirada e caiu no leito do igarapé, contribuindo para o assoreamento (acúmulo de sedimentos ou detritos no leito do curso d’água).
Pequenas nascentes que contribuem com as águas do Igarapé do 40 foram aterradas, em vez de recuperadas. Além disso, inadequações na rede de coleta de esgoto instalada provocou o entupimento de sanitários de dezenas de casas no entorno da área visitada, provocando graves danos à saúde pública e ao bem-estar da população.
Uma recomendação foi expedida, em 2013, para que o projeto do Prosamim III fosse alterado e evitasse as irregularidades agora apontadas na ação, mas não foi acatada. O MPF anexou também ao processo parecer técnico do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que demonstra o não atendimento total ou parcial de várias obrigações condicionadas na licença ambiental do Prosamim III.