CURITIBA – Ao aceitar a denúncia da Lava Jato contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua mulher Marisa Letícia e outros seis investigados, o juiz Sérgio Moro apontou que a ex-primeira-dama teria contribuído para “a aparente ocultação do real proprietário do apartamento” triplex do Edifício Solaris, no Guarujá, e que isso seria suficiente para aceitar a denúncia contra ela por lavagem de dinheiro.
O juiz da Lava Jato afirma ainda que há “dúvidas relevantes” se Marisa tinha conhecimento que os benefícios da OAS, que reformou o apartamento que foi visitado por ela, “decorriam de acertos de propina no esquema criminoso da Petrobrás”. “Lamenta o Juízo em especial a imputação realizada contra Marisa Letícia Lula da Silva, esposa do ex-presidente”, anotou Moro. “Muito embora haja dúvidas relevantes quanto ao seu envolvimento doloso, especificamente se sabia que os benefícios decorriam de acertos de propina no esquema criminoso da Petrobrás, a sua participação específica nos fatos e a sua contribuição para a aparente ocultação do real proprietário do apartamento é suficiente por ora para justificar o recebimento da denúncia também contra ela e sem prejuízo de melhor reflexão no decorrer do processo”.
Marisa foi a responsável por assinar o termo de adesão à cota-parte da Bancoop para os interessados em adquirir um imóvel empreendimento do edifício Solaris, que em 2009 foi transferido para a OAS. Além disso, aponta a Lava Jato, a ex-primeira dama visitou o triplex junto com Lula e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro em fevereiro de 2014. Após essa visita foi realizada a reforma no triplex e a compra de eletrodomésticos para o apartamento tudo custeado pela empreiteira.
A defesa de Lula e Marisa alega que o casal nunca foi proprietário do triplex, registrado em nome da OAS, e que adquiriu a cota da Bancoop em 2005, mas parou de realizar os pagamentos em 2009 com a mudança do empreendimento para a OAS. Ainda segundo a defesa de Lula e sua mulher, após a visita do casal ao apartamento, eles teriam desistido de adquirir o imóvel e pedido o dinheiro de volta. “Após visitar o Edifício Solaris e verificar que não tinha interesse na aquisição da unidade 164-A que lhe foi ofertada, ela (Marisa Letícia) optou, em 26 de novembro de 2015, por pedir a restituição dos valores investidos. Atualmente, o valor está sendo cobrado por D. Marisa da Bancoop e da OAS por meio de ação judicial (Autos nº 1076258-69.2016.8.26.0100, em trâmite perante a 34ª. Vara Cível da Comarca de São Paulo), em fase de citação das rés”, afirmou a defesa em nota divulgada quando eles foram denunciados.
Com a transferência do empreendimento à OAS, foi dado um prazo para os cooperados decidirem se continuariam pagando para ter direito ao apartamento no edifício ou se desistiriam e pediriam o dinheiro de volta. Para os investigadores da Lava Jato, porém, a suspensão dos pagamentos feita pelo casal quando o imóvel foi transferido para a OAS já configuraria lavagem de dinheiro.
Para Moro, no entanto, não foi identificado se o casal Lula e Marisa teria desistido do empreendimento ou se voltou a pagar para ficar com o apartamento. “Apesar da descontinuidade dos pagamentos, também não há qualquer registro de que a OAS Empreendimentos tenha cobrado, de qualquer forma, o ex-presidente e sua esposa pelo saldo devido pelo apartamento. Também não há qualquer registro ou mesmo alegação de que o ex-Presidente e sua esposa teriam recebido de volta os valores já pagos, o que seria o usual se tivessem realizado a opção por desistir do empreendimento”, afirma o juiz na decisão que aceitou a denúncia nesta terça-feira, 20.
A partir de agora Lula e Marisa passam a responder as acusações como réus e poderão apresentar ao juiz da Lava Jato suas explicações sobre os imóveis.
Defesa
Os advogados de Lula, Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira, afirmaram: “Diante de todo o histórico de perseguição e violação às garantias fundamentais pelo juiz de Curitiba em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não causa surpresa a decisão por ele proferida nesta data (20/9/2916) determinando o processamento da denúncia protocolada pelo Ministério Público Federal em 14/9/2916. Nem mesmo os defeitos formais da peça acusatória e a ausência de uma prova contra Lula, como amplamente reconhecido pela comunidade jurídica, impediu que o referido juiz levasse adiante o que há muito havia deixado claro que faria: impor a Lula um crime que jamais praticou.
Esse é um processo sem juiz enquanto agente desinteressado e garantidor dos direitos fundamentais. Em junho, em entrevista, o procurador da República Deltan Dallagnol reconheceu que ele e o juiz de Curitiba são ‘símbolos de um time’, o que é inaceitável e viola não apenas a legislação processual, mas a garantia de um processo justo, garantia essa assegurada pela Constituição Federal e pelos Tratados Internacionais que o Brasil se obrigou a cumprir.
Na qualidade de advogados do ex-presidente, apresentamos uma exceção de suspeição (5/7/2016) – ainda não julgada – e temos convicção nos seus fundamentos. Esperamos que a Justiça brasileira, através dos órgãos competentes, reconheça que o juiz de Curitiba perdeu sua imparcialidade para julgar Lula, após ter praticado diversos atos que violaram as garantias fundamentais do ex-Presidente”.
Já o advogado de defesa de Paulo Okamotto, Fernando Augusto Fernandes, ressalta que “não há corrupção ou vantagem ilícita no pagamento para conservação de um acervo de ex-presidente porque é considerado como ‘patrimônio cultural brasileiro de interesse público’ pela Lei 8394/91, e não há lavagem de dinheiro porque nem Lula, nem Okamotto, nem o Instituto se beneficiaram. Fernando Henrique Cardoso teve o acervo pago por empresas privadas beneficiadas com diminuição de impostos por incentivo cultural”. A defesa afirma que Okamotto, presidente do Instituto Lula, não recebeu o que foi pago para a Granero, “o valor foi pago para a empresa, que mantinha o acervo em depósito. Portanto a denúncia sem provas, sem justa causa, não poderia ser recebida e o processo também não pode ser uma farsa com o único objetivo de condenar publicamente inocentes”, conclui Fernandes. A defesa vai recorrer da decisão.
Por meio de sua assessoria, a empreiteira OAS informou que não comentaria o assunto.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)
Luis Nassif
Qual a intenção de Sérgio Moro e dos Procuradores da Lava Jato em denunciar dona Marisa? Do ponto de vista jurídico, nenhuma. Jamais comprovaram que o tríplex era de Lula. Mesmo se fosse, não havia nada que pudesse ser impingido a dona Marisa. Ela não participava de discussões políticas, menos ainda de negócios. Limitava-se a cuidar dos filhos e netos e dar amparo emocional ao marido.
A intenção foi puramente política, de bater, bater, bater em Lula, até que arriasse emocionalmente.
Não existe ética na guerra. E não existe a figura do inimigo no direito. A Lava Jato se tornou uma operação de guerra, caçando o inimigo e o direito se tornou instrumento de vingança.
Não viam a figura da mãe e da avó, mas apenas a mulher do inimigo a ser batido.
Expuseram como prova de crime os pedalinhos que dona Marisa comprou para os netos. Invadiram sua casa, entraram em seu quarto, reviraram até o colchão da cama. Levaram seu marido detido, expuseram incontáveis vezes os filhos no tribunal da mídia.
Esse exercício continuado de crueldade, mais do que estilo jurídico, é marca de caráter.
É possível encontrá-lo em diversos personagens e diversas situações, cada qual subordinando-se aos ritos da classe e às prerrogativas da profissão.
No Judiciário, gera juízes vingadores. No Ministério Público, projetos de torquemadas. Cada qual busca a jugular do inimigo valendo-se das armas que lhe foram conferidas institucionalmente. Não lhes exija momentos de educação, respingos de respeito, gotículas de humanidade.
No PCC, há chefes sanguinários que não se contentam com assassinatos de imagem e mortes civis: eliminam fisicamente os adversários. Na Polícia Militar os soldados que, com um revólver na mão, se consideram donos do mundo e das vidas. No crime, o poder das chefias depende apenas da meritocracia: não há concursos, nem carreiras pré-definidas, com planos de cargos e salários. E eles correm risco, pois não contam com a blindagem do Estado. São cruéis e são valentes.
Em comum, todos eles, os da lei e os fora-da-lei, têm a crueldade de caráter, o gozo infindável de chutar o adversário de todas as formas, de tratá-los como inimigos, os fora-da-lei matando pessoas, os da lei expondo-as ao direito penal do inimigo, desumanizando-as, transformando donas-de-casa em cúmplices, presentes de avó para netos em provas de crime, violando seu quarto, sua penteadeira, suas lembranças.
Hoje, na Lava Jato, o juiz Moro e cada procurador colocarão uma marca a mais no coldre virtual de onde empunham suas armas legais. Que pelo menos tranquem a porta antes de iniciar a comemoração.