Do Estadão Conteúdo
SÃO PAULO – Parte dos antigos moradores do Edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou na madrugada desta terça-feira, 1°, passou a noite em colchões e barracas no Largo do Paiçandu, em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Livres, no centro da cidade de São Paulo. Segundo Ricardo Luciano, coordenador do Movimento Luta por Moradia Digna (LMD), de 100 a 120 pessoas dormiram no local.
Na manhã desta quarta-feira, 2, algumas dezenas de pessoas permaneciam no local. De acordo com o movimento, a permanência é uma forma de pressionar o poder público a conseguir uma moradia definitiva. Segundo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento, 61 moradores aceitaram acolhimento e estão no centro temporário de acolhida Prates, também na região central. Há relatos de pessoas que foram para outras ocupações.
O movimento reivindica que a Prefeitura disponibilize uma tenda para instalarem uma cozinha provisória e banheiros químicos.
Maria Carmelita Santos de Jesus, de 53 anos, é uma das ex-moradoras do edifício que passou a noite no Largo do Paiçandu. “Passei o dia todo aqui. Este colchão foi doado”, conta. Auxiliar de limpeza, Maria Carmelita estava no trabalho, quando ocorreu o incêndio. “Só não perdi o documento e a roupa do corpo”, conta. Mesmo na rua, ela vai retornar ao trabalho nesta quarta, das 22h às 6h, e tomar banho na casa da tia de uma vizinha da ocupação.
Ela considera aceitar o auxílio-aluguel, que seria ofertado pelo Governo do Estado, desde que consiga dividir um imóvel com outras vizinhas. “Não existe aluguel de R$ 400”, disse. Maria Carmelita havia se mudado para a ocupação havia três anos, após o seu barraco na Favela do Moinho, também no centro da capital, ser atingido por um incêndio.
Também no largo, Leig Laura Aprigio, de 36 anos, passou a noite em uma barraca emprestada junto do marido e dos filhos, de 8 e 15 anos. “Ainda bem que teve a barraca, porque estava muito frio de noite”, conta. Eles estavam no edifício havia menos de um mês após terem sido expulsos de uma casa que invadiram em Bertioga, no litoral paulista. “Uma mulher, a Selma, me convidou. Durou nem um mês”, lamenta.
Já o vendedor ambulante Cláudio Maciel, de 34 anos, dormiu no largo para apoiar o movimento. Em situação de rua há 18 anos, ele costuma passar as noites no entorno, na Avenida São João. “Eles sempre me ajudaram, por que não vou ajudar?”, contou ele, que costumava frequentar o edifício para tomar banho e fazer refeições.
Vítimas
O Corpo de Bombeiros reduziu de 44 para 29 o número de possíveis vítimas que estariam soterradas sob os escombros do prédio. Oficialmente, a equipe só tem certeza de uma vítima, um homem que estava sendo resgatado do incêndio na hora da queda do edifício.
A estimativa de desaparecidos foi atualizada depois que o serviço de assistência social da Prefeitura conseguiu localizar mais sem-teto que estavam cadastrados como moradores do prédio ocupado no centro. Os dados da administração municipal revelam que haviam 317 pessoas que viviam no local consumido por um incêndio até desabar.
“Nós tivemos um número de 44 desaparecidos. Há algum tempo recebemos informações das assistentes sociais de que o número poderia ter sido reduzido para 29 pessoas que ainda não foram localizadas. Então são 29 pessoas que teoricamente estavam cadastradas ou pertenciam a essa edificação mas que eles não conseguiram localizar”, afirmou o major Max Alexandre Schroeder.
Além do homem que estava sendo resgatado no momento do desabamento, identificado como Ricardo, moradores da ocupação disseram que uma mulher chamado Selma não teria conseguido sair do prédio com seus dois filhos gêmeos de oito anos de idade. “Todo mundo conhecia a Selma, lutadora como a gente. Ela morava no oitavo andar e não conseguiu sair”, contou o desempregado Cosme Aleixo da Silva, de 54 anos.
Segundo os Bombeiros, 75 homens e mulheres da equipe de resgate trabalham na madrugada desta quarta-feira, 2, para tentar salvar alguém com vida dos escombros. O major Schroeder afirmou que os agentes estão usando equipamentos menores como britadeiras para retirar as estruturas e só depois de 48 horas da tragédia, quando a chance de encontrar alguém com vida é quase nula, que eles usaram máquinas pesadas como retroescavadeiras.
Buscas
Com a descoberta dos equipamentos e a ajuda de cães farejadores, a equipe de resgate acredita ter identificado o local onde um homem identificado como Ricardo está sob os escombros. Agora, os bombeiros fazem um trabalho manual de retirada de entulho para tentar encontrá-lo.
“A área onde ela (vítima) possivelmente está foi localizada por causa da corda que estava sendo usada no salvamento e o cinto alemão que foram encontrados nesse local. Os cachorros já determinaram uma área próxima a esses equipamentos que é possível que a vítima esteja lá, mas existem lajes pesadas a serem removidas”, afirmou o major Max Alexandre Schroeder.
Apesar da alta temperatura no local do acidente, de onde ainda emerge muita fumaça mesmo mais de 24 horas após o incêndio que começou na madrugada de terça-feira, 1, os bombeiros acreditam que seja possível encontrar vítimas com vida em possíveis bolsões que formam sob os escombros.
“Há uma série de fatores que tornam mais difícil achar pessoas com vida, mas o Corpo de Bombeiros sempre trabalha com a possibilidade de encontrar pessoas vivas. Então, nosso trabalho é técnico e protocolar”, disse o major Schroeder.
Segundo ele, as equipes só vão iniciar a retirada dos escombros com escavadeiras após 48 horas, quando as chances de encontrar um sobrevivente são praticamente nulas. Durante a madrugada desta quarta-feira, duas máquinas foram utilizadas apenas para tirar o entulho que se espalhou pela rua com o objeto de liberar a via para as viaturas e permitir o acesso a fiação subterrânea da Eletropaulo para desligar a energia elétrica da área e evitar um novo acidente.