O Igarapé do Mindu, o mais importante de Manaus do ponto de vista de sua extensão e referência urbana, traduz o caos ambiental em que se transformou esta cidade, negligenciada por seus gestores em suas riquezas naturais, culturais e urbanísticas.
Desde os anos 40, quando iniciativas populares e de instituições religiosas tentaram promover a balneabilidade dessa dádiva natural, os parâmetros de sustentabilidade do Mindu pioraram progressivamente. Um esgoto a céu aberto! As administrações revezam-se e o que se vê é a imundície permanente e crescente em todas as direções, a começar pelas instalações portuárias regionais, onde desembarcam e já contaminam parte dos alimentos que abastecem a cidade. Uma desolação em forma de cidade; trechos de bairros ditos elegantes, como Adrianópolis e Vieiralves, revelam esgotamento sanitário, expostos à repulsa e inalação pública.
Ao olharmos os outros igarapés que cortam a cidade, Cachoeira do Tarumã, o que foi a Ponte da Bolívia, Igarapé do 40, entre muitos outros, e o entorno da Feira Manaus Moderna, somos tragados pela tristeza e revolta ao vermos nossos “cartões-postais” transformados em acúmulo de lixo, ratos, esgoto e desorganização. Não é essa a Manaus que merecemos!
Nos barulhos ecológicos da Conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio 92, a ministra da Noruega, Gro Harlem, autora do documento que norteou o evento, “Nosso Futuro Comum”, plantou uma leguminosa regional, a Sumaúma, no Parque do Mindu, espécie que distribui suas sementes para perpetuação própria em forma de flor, como fazem os ipês, que aqui chamamos de Pau-d’Arco da Amazônia.
Naquele, o prefeito de Manaus à época aceitou a sugestão da Ministra visionária e acolheu 142 adolescentes de 44 países, que nos vieram dar uma lição que não tardamos a esquecer. Eles aqui ficaram algumas semanas para limpar, reflorestar, urbanizar, em suma, valorizar a preciosidade desse presente que a Natureza nos deu. A Conferência e seus alertas ficaram lá atrás e o que tratamos de manter, muitos de nós atônitos e indignados, foi a paisagem de desolação chamada Manaus que o traçado urbano do Igarapé do Mindu sintetiza.
Aqueles adolescentes não vieram fazer firulas ecológicas. Seus parâmetros ambientais são assegurados pela percepção trágica e generalizada de que fizemos e continuamos a fazer com nossos recursos naturais, como atores que esqueceram seus papéis efetivos de zelar pela conservação e guarda. Nesse cenário, o processo educativo nada mais é do que o esteio na relação entre Homem x Natureza, cujos polos se confundem e se misturam em harmonia vital. Temos leis e temos memória.
É irônico ver esta cidade, que já foi chamada de a “Paris dos Trópicos”, pela leveza urbana de sua arquitetura e pelo “glamour” elegante de seus padrões a integrarem a sociedade e cultura, ser transformada numa tragédia ambiental. Quando se deu a ruptura dessa harmonia urbana e da percepção de que somos unidade entre Natureza e Civilização?
A legislação dos resíduos sólidos, sobre os quais debatemos neste espaço, o Código de Posturas jamais visitado e acatado pelas gestões públicas, os compromissos da Agenda 21 assinada pelo Brasil em 1992 até o Acordo de Paris, pelo qual deveremos, até 2030, reduzir a temperatura da Terra em meio grau. “Babau”… como se diz no beiradão amazônico.
Aqui, a temperatura cresce a cada ano, e torna insuportável o parâmetro de sobrevivência climática, assim como cresce a inabilidade e a negligência dos gestores públicos. Quem conhece um candidato em quaisquer das esferas da temporada eleitoral que tenha pautado um debate em cima de uma proposta de reconciliação entre Homem e Natureza, com lastros educacionais e de políticas públicas factíveis? Esse seria um candidato digno de ser aclamado pelo sufrágio geral, a acender a vela da esperança urbana e moral que Manaus e o Brasil e seu desgastado parâmetro socioambiental esperam ver brilhar desde já…
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