Desde que o processo do mensalão começou a ser investigado nas diversas instâncias, inclusive no Congresso Nacional, antes mesmo de chegar à Justiça, minhas esperanças de que os responsáveis fossem efetivamente punidos foram diminuindo. Desde que a Polícia Federal foi sendo aparelhada pelos detentores do poder e arrefeceram as investigações de crimes praticados na administração pública, minha desilusão com um Brasil eticamente melhor foi crescendo.
O Brasil é um país de momentos. Tudo funciona como uma onda, que logo passa. Quem, com idade superior a 30 anos, não se lembra da derrubada de Fernando Collor de Mello da Presidência da República, em 1992? Naquele momento, o impeachment do primeiro presidente eleito pelo voto direto após 20 anos de ditadura militar e cinco anos de um governo eleito pelo Congresso Nacional, todos as análises apontavam para um novo Brasil, sem corrupção. O exemplo deveria dar um novo rumo às instituições brasileiras. Anos depois, Collor foi inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.
Vieram oito anos de Fernando Henrique Cardoso, o segundo presidente eleito e o primeiro reeleito pós-64. As denúncias de corrupção saltavam aos olhos: compra de votos na emenda da reeleição, grampos telefônicos no processo de venda da Telebras, os casos dos bancos Marka e FonteCindam socorridos pelo Banco Central com R$ 1,6 bilhão, desvio de recursos da Sudam e da Sudene e tantos outros. A imprensa sempre divulgou tais fatos, mas as instituições nunca apuraram efetivamente.
Com a chegada de Lula ao poder e seu discurso de combate à corrupção, o Brasil voltou a sonhar com mudanças. O poderoso ministro José Dirceu repetia à exaustão a frase: “O PT não rouba e não deixa roubar”. A Polícia Federal passou a investigar os crimes contra a administração e a colocar na cadeia os criminosos do colarinho branco. Não demorou para a onda se reduzir a banzeiro.
O Judiciário brasileiro e o Congresso Nacional agiram rápido: decisões que invalidavam provas das investigações de figuras públicas passaram a ser a regra no Superior Tribunal de Justiça (STJ), frustrando o Ministério Público Federal e a Justiça Federal de primeira instância. O caso mais emblemático foi o da Operação Satiagraha, que levou à cadeia o banqueiro Daniel Dantas. A 5ª Turma do STJ anulou todas as provas da operação por considerar que a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação da PF violou os princípios constitucionais da impessoalidade, da legalidade e do devido processo legal. O Congresso, por sua vez, tratou de mudar a legislação para dificultar as investigações. O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o uso de algemas nos presos do colarinho branco.
As dezenas de operações da Polícia Federal começaram a virar pó nas gavetas do Judiciário. As superintendências da Polícia Federal, que eram comandadas por delegados de outras unidades federadas, passaram a acomodar as “pratas da casa”, mas alinhadas e aliadas com o poder local. Cerraram-se as grandes operações e os políticos voltaram a atuar sossegadamente.
Com o início do julgamento do mensalão e a condenação da maioria dos réus, o Brasil, novamente, voltou a enxergar um foco de mudanças. Ledo engano. O jogo ainda não estava terminado com o fim do julgamento. Faltavam os embargos de declaração. Foram meses de espera para ver a turma de Lula e do PT na cadeia. Com os embargos julgados e as condenações mantidas, eis que o STF discute, desde a semana passada, a possibilidade de realizar um novo julgamento para quem teve quatro votos favoráveis (os chamados embargos infringentes). Tudo leva a crer que eles serão concedidos, e grande parte dos condenados, principalmente os do núcleo político, vão se dar bem e se livrar da cadeia.
Nesse longo processo, desde o início do julgamento, o STF mudou e a composição da Corte não é mais a mesma. Dois novos ministros escolhidos por Dilma Rousseff e pelo PT dão sinais de que a impunidade prevalecerá. Como não tenho ilusões, torço para que a Justiça seja feita, mas sem a mínima esperança de que a sociedade sairá ganhando nesses jogos de interesses e de poder que contaminam a mais alta Corte do país.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
Os artigos publicados neste espaço são de responsabilidade do autor e nem sempre refletem a linha editorial do AMAZONAS ATUAL.