Um dos frequentes riscos na abordagem dos problemas de insegurança pública, incluindo as delegacias, é converter, de pronto, conflitos sociais em questão de polícia sem ao menos dar a possibilidade de mediação social entre as partes.
Isso é muito comum e basta um célere exame das ocorrências e das demandas nas delegacias de polícia ou distritos policiais para se constatar o fato. Boa parte da demanda é formada por discussões entre membros da mesma família, entre vizinhos, conhecidos, marido e mulher, credor e devedor etc. Antes de qualquer outra coisa, conflitos de natureza social não policial. Questões que antes de serem transformadas em problema de polícia poderiam ser tratadas no campo da mediação social, tendo o delegado como árbitro, auxiliado por investigadores e estagiários de direito, como já ocorre no próprio judiciário.
Existe necessidade de adequações legais, mas nada que não possa ser feito no campo da legislação ordinária. Há um projeto de lei na Câmara Federal que propõe a figura do delegado mediador ou pacificador, auxiliado por seus agentes, que atuaria nessa busca de conciliar esse tipo de conflito social que não requer criminalização. Para evitar problemas de abusos e corrupção, prevê-se homologação judicial desse acordo. Esse modelo, em experimentação em São Paulo, tem contabilizado bons resultados já nessa primeira fase, inclusive evitando ampliar a sobrecarga do Judiciário paulista, referente a questões criminais, atuando como uma espécie de “filtro” de demanda para judicialização de problemas e conflitos sociais diversos.
No Amazonas, a mediação nas delegacias ainda está sendo apreciada a passos lentos, mas tende a ser considerada para efeito de adoção, sobretudo em virtude da explosão da demanda sobre o Judiciário, referente a casos que poderiam ter solução no nascedouro, ainda na delegacia de polícia.
Nesse sentido, a Associação dos Delegados de Polícia, seccional Amazonas (Adepol-AM), e a Associação dos Delegados de Polícia Federal no Amazonas (ADPF-AM) têm procurado unir esforços para ampliar a informação e o conhecimento sobre o procedimento de mediação social nas delegacias, medida essa voltada para atender o relevante clamor social da população por maior celeridade no tratamento dos conflitos sociais e problemas interpessoais que chegam às unidades de Polícia Judiciária, desde que constituam casos cuja judicialização possa ser dispensada.
Mediação social não é o atendimento, o diagnóstico nem o tratamento psicológico, embora isso possa vir a ser recomendado. Tampouco se trata de polícia comunitária ou assistência social, em que pese também se possa interagir com esses serviços. Mediação social na delegacia é a intervenção direta presidida pela autoridade policial, delegado de polícia, em fase pré-procedimental, com vistas a tratar e solucionar, sem maiores burocracias, mas de modo eficaz, o conflito social não criminalizável entre as partes, de forma a evitar convertê-lo em procedimento policial.
Cabe ao poder público dar essa oportunidade ao cidadão. É providência mais célere, eficaz e econômica do que movimentar a máquina estatal com certos procedimentos que, ao final, apenas servem para abarrotar ainda mais o Judiciário. Para tanto, deve-se proceder aos ajustes legais e ofertar a possibilidade de mediação nas delegacias, evitando assim que tantos conflitos sociais e problemas interpessoais continuem a virar questões de polícia.
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Pontes Filho é cientista social e delegado de polícia.
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