Estive na manifestação para fazer o registro fotográfico e contei, sem a precisão da Polícia Militar, um número bem menor de manifestantes do que o anunciado pela organização do evento. Falava-se em “até 100 mil pessoas”. Disseram que 36 mil confirmaram presença pela internet. Mais de 30 mil faltaram ao compromisso. Com generosidade exacerbada, o AMAZONAS ATUAL deu 5 mil pessoas nas ruas. A contagem levou em consideração os que estavam concentrados na Praça do Congresso, os que fizeram a caminhada até a Avenida Djalma Batista e os que se concentraram na chegada da manifestação. Na passagem pelo cruzamento com a Avenida Alvaro Maia havia cerca de 2 mil caminhantes, que enfrentaram o Sol das 16h. Muitos que estiveram na Praça, até uma hora antes, embarcaram em seus carros (eram centenas nas ruas do Centro) e voltaram para casa ou foram refrescar-se em algum shopping da cidade.
Na concentração, havia muitos funcionários públicos, servidores nomeados em cargos comissionados, que se sentem incomodados com a inflação a 0,62% (julho). Também estavam empresários de grandes indústrias do Amazonas vestido de amarelo para gritar “Fora Dilma”, “Fora PT”, “Fora Lula”. Senhoras e senhores idosos, certamente aposentados, crianças, que não faziam ideia do que estava acontecendo, engrossavam o coro dos descontentes com o governo de Dilma Rousseff.
A manifestação é legítima em uma democracia, mas chamava a atenção tanta gente com cara e jeito de intelectuais, pessoas letradas (como diz um velho amigo analfabeto), parada sob um Sol de lascar e um calor escaldante a ouvir uma série de baboseiras que saiam dos potentes microfones do carro de som. Alguém protestava para que “o Brasil não se transformasse na Venezuela”. Outro, cristão, pediu para rezar a oração do Pai Nosso, mas antes soltou esta: “Não vamos deixar o comunismo se instalar no nosso País”. Palavrões contra a presidente da República eram cantados ou repetidos em coro em variados tons.
No entanto, nada se disse sobre outros corruptos que dirigem o País. Nenhum cartaz pedindo a saída de Renan Calheiros da presidência do Senado e do Congresso Nacional. Nenhuma faixa pedido a renúncia de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados. Ambos são investigados a partir de denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal, por suspeitas de terem se beneficiado da roubalheira na Petrobras.
Nenhum grito, nem faixa, nem cartaz contra o PMDB dos dois presidentes do Legislativo, o partido que há pelo menos 15 anos foi batizado por este colunista como “a grande prostituta” do Poder Central. Desde Fernando Henrique Cardoso, o PMDB e seus comandantes dirigem a Petrobras. Durante todo o governo de Lula e Dilma (e lá se vão quase 13 anos) o Ministério de Minas e Energia, ao qual é subordinada a Petrobras, foi dominado pelo PMDB. Grande parte do dinheiro desviado da estatal para o pagamento de propina foi parar no bolso dos manda-chuvas do PMDB. Mas não há nada na cabeça dos manifestantes capaz de macular a imagem do partidão que vive pendurado nas tetas gordas do Poder.
No Amazonas, ninguém se lembrou de cobrar investigação do dinheiro que sumiu nas profundezas do Rio Negro para a construção da ponte que liga Manaus ao Iranduba, uma obra que foi licitada por R$ 574 milhões e terminou em R$ 1,09 bilhão. O Ministério Público abriu uma investigação, solicitou documentos, recebeu dezenas de caixas de papel, e abandonou o serviço no começo, alegando “falta de estrutura” para investigar.
Na semana passada, a Polícia Federal começou a investigar o destino do dinheiro gasto nas obras da Arena Pernambuco, na Grande Recife. A obra de responsabilidade da empreiteira Odebrecht – empresa que também é investigada na Lava Jato, está com suspeita de superfaturamento. Seria de bom tom pedir, na manifestação, que a Polícia Federal também investigue as obras da Arena da Amazônia, que foi licitada por R$ 499,5 milhões e terminou com o preço de quase R$ 700 milhões.
Ninguém tocou no assunto, mas as obras de duplicação da rodovia estadual AM-070 tem cerca de 10% concluída, mas já sofreu acréscimo de R$ 55 milhões no preço original. Ninguém cobrou investigação dos recursos a título de empréstimos para as obras do Prosamim, que foram abandonadas em áreas que estavam com os projetos prontos. Ninguém cobrou que o Ministério Público e a Polícia Federal investigue a aplicação de dinheiro federal, mesmo que a título de empréstimo, nas obras do Proama, que está servindo para a empresa concessionária ganhar dinheiro. O gasoduto Coari-Manaus, que já apareceu em mais de uma investigação como uma das obras superfaturadas da Petrobras, e que agora também aparece na Operação Lava Jato, não mereceu uma menção. Nenhum pedido de investigação dos manifestantes.
Na verdade, todos sabem que a corrupção não é o foco das manifestações. Elas são apenas um movimento visando as eleições de 2016 e 2018. Quem pode tirar a presidente Dilma do poder não tem qualquer interesse. O negócio é enfraquecer o partido e as estruturas que a sustentam para tentar ganhar o voto dos descontentes nos próximos pleitos eleitorais.
A corrupção nas estruturas estatais, da qual muita gente que vai às ruas participa, não é alvo de manifestantes, como se nada acontecesse abaixo do governo central. Todos sabem como a engrenagem está carcomida, como funcionam os esquemas que assaltam os cofres públicos, em todos os níveis de poder. Mas existe uma rede de proteção que impede que se chegue aos corruptos. Muitos saem com as mão pingando lama, mas com uma ameaça na ponta da língua: “se abrir o bico, outros serão sugados pelo tornado”. E o Brasil vai caminhando, pobre, sem perspectiva de chegar ao sonhado primeiro mundo.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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