Quem tem, sabe. Quem não tem, se pergunta: “Dinheiro resolve todos os problemas?”.
No início do século 20, o governo brasileiro teve a ideia de usar dinheiro para acabar com alguns dos problemas mais graves daquele tempo, confiando que grana podia resolver até praga e peste.
O Brasil sempre teve que lidar com sujeira. Naquela época, era a sujeira não metafórica. Falta de higiene que favorecia a proliferação de doenças. O que trazia significativos prejuízos para a economia nacional. Navios repletos de turistas ou carregados de mercadorias iam direto para Bueno Aires sem passar pelo Brasil, para evitar o contágio com perigosas enfermidades.
Uma das mais graves e mortais era a peste bubônica. No combate, uma inovação implantada por Oswaldo Cruz: enfrentar o agente transmissor.
Para isso, devia se tentar eliminar os roedores. Um novo cargo público foi criado especialmente para essa missão, chamado pelo povo de ‘caça-rato’ e ‘ratoeiro’. O escritor João do Rio, contemporâneo desse período, assim se referiu a esse inusitado profissional: “O ratoeiro (…) é um negociante. Passeia pela Gamboa, pelas estalagens da Cidade Nova, pelos cortiços e bibocas da parte velha da urbes, vai até ao subúrbio, tocando uma cornetinha com a lata na mão”.
O principal ‘pulo do gato’ dessa política sanitarista era pagar 300 réis por cada rato capturado. Oswaldo Cruz convenceu os governantes que era dinheiro bem gasto, considerando a economia com os custos gerados pelos doentes e o retorno dos turistas.
O assunto inspirou o maior sucesso do Carnaval de 1904, a polca ‘Rato, rato’, composta por Claudino da Costa e Casimiro da Rocha. A letra relaciona os roedores ao Diabo, à sogra e aos judeus: “Rato, rato, rato. Porque motivo tu roeste meu baú? Rato, rato, rato. Audacioso e malfazejo gabiru (…) Quem te inventou? / Foi o diabo, não foi outro, podes crer. Quem te gerou? Foi uma sogra pouco antes de morrer! Quem te criou? Foi a vingança, penso eu. Rato, rato, rato, rato. Emissário do judeu (…)Vou provar-te que sou mau. Meu tostão é garantido. Não te solto nem a pau”.
Foram contabilizados oficialmente quase dois milhões de roedores que geraram pagamentos e a peste bubônica foi considerada erradicada.
Seria esse caso um bom exemplo de união entre estímulo financeiro e civismo? Na verdade, não. Provavelmente devido a denúncias de concorrentes e “delações premiadas”, o governo descobriu que entre os mais engajados e patriotas exterminadores de ratazanas estavam criadores de ratos.
Sim, no Brasil já teve gente que lucrou bastante criando rato para vender para o governo. Há relatos de que os tais “raticultores” partiam de Niterói para vender roedores do outro lado da Baía de Guanabara. A artimanha foi exposta em outros versos da música “Rato, rato”: “Faço negócios de ratos. Sou uma grande ratazana. Sustento um mano e uma mana. Três filhos e quatro gatos. O que me faz afligir. O que agora mais me dói. É não poder impingir Mais ratos de Niterói”.
Pior é que a desarticulação de um espertalhão podia acarretar em um descontrole no ninho. Em alguns casos, o criador e chefe das ratazanas era detido, mas o ninho de ratos continuava em funcionamento.
Talvez esse curioso e revelador episódio histórico seja a origem do uso da imagem de roedores como símbolo da corrupção.
Falando nisso, na semana passada (27 de abril), por causa de denúncias de corrupção, o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero foi banido para sempre do futebol pela Fifa por ter sido considerado culpado de acusações envolvendo “conflitos de interesse”, “oferecer e aceitar presentes e outros benefícios” e “suborno e corrupção”. Além de estar impedido de desenvolver qualquer função ligada ao futebol, o cartola brasileiro terá que pagar uma multa de 1 milhão de francos suíços (R$ 3,5 milhões).
A promotoria americana acusou Del Nero e seu antecessor, José Maria Marin (já preso) pelo recebimento de um total de US$ 6,5 milhões, cada um, em propinas pagas por negociações de direitos de transmissões televisivas de campeonatos (Copa do Brasil, Libertadores e Copa América). Definitivamente, dinheiro ilegal cria problemas.
A questão é que Del Nero já deixou comandando a CBF, seu amigo, Antônio Carlos Nunes de Lima, e conduziu a eleição de outro homem de sua confiança, Rogério Caboclo, que irá assumir a entidade em abril de 2019.
O que faz muita gente acreditar que o “ninho” segue em plena operação.
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