Não há democracia que resista ao loteamento do Estado entre os partidos políticos, nas proporções verificadas sob a administração petista. A presidente Dilma Rousseff, no início do governo, mostrou-se disposta a conter a farra fisiológica e as agressões ao erário federal, mas logo cederia às pressões do mais despudorado “franciscanismo” congressual. Caiu no colo da partidalha e entregou-se completamente aos negocistas do mandato parlamentar.
Roberto Cardoso Alves, o Robertão, deputado federal paulista, líder do Centrão na época da Constituinte e ministro da Indústria e Comércio no governo Sarney, celebrizou-se com a criação do dístico político do “é dando que se recebe”, com o qual procurou justificar a concessão de favores e vantagens em troca de apoio parlamentar, gênese do Mensalão petista. Se vivo fosse, hoje seria visto como ingênuo e modesto em suas investidas de balcão, diante da voracidade com que seus pares atuais abocanham as benesses do poder. De tudo isso, sobra a tristeza de ver usada a belíssima oração de São Francisco como bordão do que há de pior na ação predatória e corrupta dos políticos brasileiros, independente do mal e dos graves prejuízos que causam às instituições republicanas e à democracia no país.
Nesse jogo sem limites e sem a menor decência, agora, às vésperas das eleições presidenciais, o toma lá dá cá alcança proporções inimagináveis. Na composição das alianças e coligações partidárias o que menos conta é o interesse público. Jacaré e cobra d’água dão-se os braços e saem ávidos em busca do poder pelo poder. E a corrida sucessória, que ainda nem bem começou, já apresenta surpresas de última hora, com ratos que fogem dos porões do barco prestes a naufragar.
A propósito da balconagem, veja-se o que diz o jornalista Merval Pereira, em sua coluna de O Globo:
“O caso do PR (Partido da República, que nome hein!) é exemplar do que não se deveria fazer em uma política séria, e do que se deve fazer em uma política rasteira que vigora em Brasília. A humilhação a que foi submetida a presidente Dilma, tendo que engolir goela abaixo a recondução do grupo do PR que havia sido varrido do Ministério dos Transportes por suspeita de corrupção, e ainda ter que ceder com relação à direção do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), órgão que estava no centro das denúncias de corrupção na gestão anterior, foi um requinte de maldade extra na vingança do PR, que assim vendeu caro seu apoio à reeleição. O general de Exército Jorge Ernesto Pinto Fraxe, que pediu afastamento ‘por razões pessoais’, assumira o cargo de diretor-geral do Dnit em setembro de 2011 em substituição a Luiz Antônio Pagot, que deixou o órgão em meio a denúncias de corrupção que atingiram toda a diretoria e levaram à saída do ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento”.
Bem, como o PR, há um sem número de siglas em nosso sistema partidário que estão aí pura e simplesmente para auferir ganhos, privilégios, prebendas, em nome de seus dirigentes maiores. Leia-se, lucros pessoais em todos os sentidos, presentes e futuros. Os acordos de bastidores, jamais confessados, envolvem sempre volumes consideráveis de recursos, pagos à vista ou no máximo até o dia do pleito, nas três esferas da Federação. Importa é assegurar a vitória a qualquer preço, tempo de televisão e muitos votos, como mercadorias que alcançam elevados valores, no final suportados pelos depauperados contribuintes brasileiros, porquanto tudo sempre sai dos cofres da Viúva.
Como se fossem insuficientes tamanhos vícios sistêmicos e viscerais, tem-se no vigente ordenamento político brasileiro a ditadura das cúpulas partidárias, que podem tudo e assim pitam e bordam. Não há o menor respeito pelo quadro federativo, pelas decisões adotadas no plano estadual e municipal, que devem submeter-se sempre aos interesses das direções nacionais, sob pena de intervenção, via de regra chancelada pela Justiça Eleitoral, julgada como questão de natureza ‘interna corporis’ das agremiações políticas. É claro que tais procedimentos ferem de morte os princípios democráticos, que deveriam servir de esteio às deliberações partidárias em qualquer nível, observada ou pelo menos considerada a realidade regional.
Resta, portanto, como imperiosa e inadiável, a necessidade de uma reforma política, que consiga arejar a configuração do quadro partidário, aspirando-lhe as adiposidades nefastas que propiciam a mercantilização do sufrágio em todas as instâncias, como forma de dar legitimidade à representação da sociedade brasileira.