MANAUS – Um contrato com 26 anos de idade, que caducou há 21 anos, ainda está em pleno vigor na Prefeitura de Manaus. Trata-se de serviços de compactação e disposição final do lixo no aterro controlado do município, realizado pelas empresas Construtora Marquise S/A e Tumpex – Empresa Amazonense de Coleta de Lixo Ltda. O contrato é de 1989 e não se trata de concessão, mas apenas de prestação de serviço.
De acordo com a Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), os contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a 60 meses (cinco anos). Pela regra legal, o contrato com as duas empresas deveriam ter a vigência expirada em 1994, mas atravessou a administração de outros seis prefeitos.
Nesse período de 26 anos, a Marquise foi e voltou. Em 1989, primeiro ano da gestão de Arthur Virgílio Neto (PSDB), a empresa já operava na cidade no serviço de coleta, transporte, compactação e disposição final do lixo.
Contrato sem número
Nos empenhos deste ano para pagamento de serviços prestados pela Marquise e Tumpex de compactação e disposição final do lixo aparece a informação de que “o valor corresponde ao reconhecimento de dívida do contrato sem número de 18/07/1989”.
Questionado sobre a vigência de um contrato sem número de 1989 ainda estar em vigor, o secretário da Semulsp (Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos), Paulo Ricardo Rocha Farias, disse que a falta de numeração deve-se ao fato de ele ser muito antigo. Sobre a vigência, o secretário disse que o contrato foi objeto de controvérsia em administrações passadas, que o Ministério Público chegou a fazer o município assinar o Termo de Ajustamento de Conduta para realizar uma nova licitação, inclusive para um novo aterro sanitário. Paulo Farias também lembrou que na administração de Amazonino Mendes (2009-2012) o município firmou um contrato de parceria público-privada, mas houve questionamento pelo Tribunal de Contas do Estado, que determinou a suspensão e, depois, o cancelamento do contrato.
O secretário da Semulsp disse que uma nova licitação deverá ser lançada pela Prefeitura de Manaus nos próximos meses para a contratação de empresa para a construção e manutenção de um aterro sanitário em Manaus.
Investigação
O Ministério Público do Estado abriu investigação em 2010 para apurar denúncia de irregularidades na contração da Marquise. Entre as suspeitas de irregularidades estavam pagamentos efetuados à empresa entre os anos de 1987 e 2006. Até hoje o Ministério Público não deu andamento ao inquérito para apurar as denúncias.
Um procedimento preparatório, que antecede o inquérito, foi aberto em julho de 2010 pela promotora Neyde Regina Trindade, da 13ª Promotoria de Justiça Especializada na Proteção do Patrimônio Público.
De acordo com a portaria de instauração do procedimento preparatório, uma denúncia online de autoria de Ênio Noronha Raffin informava sobre o fornecimento de falsa “Declaração de Atestado de Capacidade Técnica do Serviço de Compostagem de Lixo” pelo município de Manaus à empresa Construtora Marquise S/A no ano de 2001. A declaração era reconhecida pelo Crea-Am em 2006, e atestava a compostagem do lixo urbano de Manaus em nove/mil toneladas/mês realizado pela empresa Marquise durante seis meses no ano de 1987, “número improvável para a época, tanto em razão da quantidade quanto em razão da capacidade da usina de lixo”, dizia o Ministério Público,
Ainda de acordo com a denúncia, não existia contrato de prestação de serviço entre a Prefeitura de Manaus e a empresa Marquise, e nem as notas fiscais onde deveria constar a medição do serviço, a comprovação do pagamento à empresa pela Sefaz, bem como informações bancárias que comprovassem a movimentação financeira da empresa referente aos serviços.
Decisão do TCE
No dia 29 deste mês, o Tribunal de Contas do Estado julgou uma denúncia do procurador de Contas Ruy Marcelo e determinou o cancelamento dos contratos de coleta de lixo com as duas empresas que também fazem a compactação e disposição final do lixo no aterro controlado: a Marquise e a Tumpex. De acordo com o procurador, o contrato, que não é de concessão, mas de prestação de serviços, vem sendo prorrogado além do prazo legal cinco anos. Assinado em 2003, ele deveria ter sido encerrado em 2008, mas foi prorrogado por mais cinco anos e, na gestão do atual prefeito, houve nova prorrogação por mais cinco anos.
O Ministério Público também apontou irregularidades na transferência dos contratos da empresa que venceu a licitação para outras duas empresas que sequer participaram do processo licitatório. Em 2005, a Limpel (que venceu a licitação em 2003 juntamente com a Tumpex) foi substituída pela Enterpa, que ficou prestando o serviço até 2013, quando foi novamente substituída, dessa vez, pela Marquise.
O secretário Paulo Farias disse, na sexta-feira passada, que a Semulsp ainda não tinha sido notificada da decisão do TCE e que a Procuradoria Geral do Município deveria recorrer da decisão, porque, na avaliação dele, o contrato é regular. “Se é concessão ou não é uma questão de interpretação”, disse Farias.
Abaixo, um dos empenhos em que aparece a informação sobre a data do contrato: