Há pouco mais de um mês o Brasil vem acompanhando a polêmica que se instalou na rede estadual de ensino de São Paulo. Tudo começou com o anúncio feito pela secretaria de educação paulista de que em 2016 promoverá uma reorganização nas escolas de educação básica de modo que cada uma delas passe a atender segmentos específicos de alunos. Sendo assim, algumas escolas passariam a atender apenas alunos do 1º ao 5º ano, outras atenderiam pré-adolescentes do 6º ao 9º ano, e um terceiro grupo de escolas atenderia somente jovens do ensino médio.
Após o anuncio não tardou para que as manifestações começassem a ocorrer: o sindicato dos professores condenou a iniciativa alegando que haverá perda de carga horária para os docentes, alunos começaram a ocupar escolas recusando-se a serem transferidos para outras no ano que vem, e até a faculdade de educação da UNICAMP emitiu uma nota de repúdio condenando o projeto afirmando que as prioridades da secretaria devem ser outras: redução do número de alunos em sala de aula e garantia da carga horária dos professores.
Só para se entender a complexidade do problema aí vão algumas informações importantes: a rede estadual de São Paulo possui hoje 5.147 escolas distribuídas em 645 municípios, a média de idade dessas escolas é de 40 anos; são 91 diretorias responsáveis por estas escolas e a partir delas nasce a implementação dos projetos da secretaria de educação; atualmente são 3,8 milhões de alunos atendidos.
Neste cenário tão diverso é que a secretaria de educação pensa em melhorar os resultados das escolas promovendo a segmentação, mas com toda essa grandiosidade e complexidade é muito difícil se encontrar um ponto de equilíbrio entre os diversos interesses que estão em jogo: de alunos, de professores, de pais e da própria secretaria.
As vantagens apresentadas são bem fortes: ações pedagógicas específicas para alunos de cada segmento, concentração da equipe técnica em torno das demandas para cada ciclo, possibilidade de concentrar a carga horária dos professores em uma única escola e a possibilidade de planejar e executar o processo de formação continuada dos professores dentro da própria escola. Países desenvolvidos que possuem educação de qualidade já usam esse processo de segmentação: França, Inglaterra e até mesmo Cuba segmentam o ensino.
Segundo Herman Voorwald, secretário de educação do estado de São Paulo, as escolas de ensino médio que trabalham apenas com o ensino médio têm no Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) resultado 28% superior em relação as escolas que trabalham com ensino médio e fundamental ao mesmo tempo. Segundo Voowarld, só o fato de a escola já ser segmentada já confere a ela um ganho de rendimento muito grande, se isto for associado a ações pedagógicas específicas o ganho pode ser ainda mais significativo.
O secretário tem afirmado em suas entrevistas que uma equipe técnica da secretaria estudou as escolas e suas demandas de alunos, levando em consideração o critério de georeferenciamento. A partir daí se estabeleceu para onde os alunos devem se deslocar em 2016. Segundo ele, o processo foi descentralizado havendo a colaboração das 91 diretorias que compõe a rede estadual que por sua vez afirmam ter consultado as escolas.
Contudo, apesar de a medida apresentar grandes vantagens a forma como o processo vem sendo conduzido talvez esteja comprometendo sua implementação. Apesar de o secretário Herman Voorwald descrever um processo tranquilo e de amplo debate e planejamento, o que parece ter ocorrido de verdade foi a implantação célere de uma proposta que não ouviu alunos, professores e pais. Neste sentido é notório que houve uma falta de diálogo por parte da secretaria, que não debatendo em profundidade com todos os interessados deu margem a muitas polêmicas e boatos, um deles é o de que 1.500 escolas seriam fechadas, na verdade são apenas 94 que terão seu espaço destinado para outra finalidade.
Vale ressaltar que o estudo de georeferenciamento para se conseguir segmentar o ensino estadual paulista partiu do pressuposto de deslocar os alunos para escolas muito próximas a de origem, no máximo em um raio de 1,5 quilômetros. Parece algo simples e sem problema algum, mas não é. Ao se realizar esta medida de um ano para o outro quebram-se abruptamente vínculos afetivos que os alunos têm com a escola, com os professores e entre eles mesmos, apesar de estes fatores parecerem irrelevantes para a secretaria eles têm grande impacto sobre o desempenho escolar, hoje muitos já são os estudos que apontam uma relação muito estreita entre a afetividade e a aprendizagem.
Outro aspecto desconsiderado é que muitos alunos vivem em áreas de vulnerabilidade, sendo assim, a mudança de escola pode representar se afastar ainda mais de casa em áreas de risco, expondo-se a perigos que preocupam os pais e que as vezes motivam ao abandono escolar, principalmente para os alunos do turno da noite.
Todas estas questões parecem ter ficado a margem da pouca discussão que houve sobre a proposta e isto tem custado um preço alto a secretaria. Que este episódio sirva de exemplo para os demais estados que necessitam de mudanças estruturais na sua rede de ensino, é preciso que as secretarias de educação entendam que por mais bem intencionadas que as propostas sejam elas devem ser amplamente discutidas e quando necessário até modificadas ou reavaliadas, isto sim é gestão democratizada. Os problemas da educação não serão resolvidos somente através de portarias e resoluções, mas da participação de todos.
George Castro é supervisor do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio; diretor executivo
da Macedo de Castro consultoria educacional; ex‐professor da Universidade Federal do Pará e ex‐diretor
do ensino médio e educação profissional do estado do Pará. Contato: [email protected]