Que segurança pode ter uma sociedade sem o exercício da liberdade de expressão? Nenhuma! A liberdade de expressão é a primeira condição para uma sociedade politicamente aberta. Em regimes de censura ditatorial, sem que as seleções e opções resultem de escolhas livres, não há espaço para o florescimento de valores essenciais à cidadania e à dignidade da pessoa humana.
Valores humanos e democráticos são frutos da convivência social de livre expressão e organização, orientada na direção da vida digna e da consciência cívica de que todos são responsáveis pelo cumprimento de deveres e usufruto de direitos. Não é formar para exercício de privilégios, mas para o de direitos e deveres. Atitudes cidadãs e de abertura política não surgem “da noite pro dia”, mas têm o custo do amadurecimento que nasce da capacidade de coexistir, respeitando a legitimidade do conflito e da aceitação da divergência política e ideológica. São gestadas no respeito aos direitos fundamentais e às minorias democráticas.
É por meio do exercício da liberdade de expressão que se realiza a participação na vida social e na vida política, envolvendo os segmentos organizados e as instituições. Não há espaço pra isso numa sociedade de censura à liberdade de opinião, de reunião e de associação. Há pouco mais de um quarto de século o país sofreu, de forma injusta e dolorosa, os efeitos de um regime de força e de censura autoritária. A história degenera-se ao priorizar tão somente a narrativa dos “feitos heroicos” da oficialidade. O próprio discernimento e a racionalidade são abalados, decaindo-se em delírios em prol de ditadores.
Uma sociedade politicamente fechada é mentalmente limitada e, às vezes, adoecida, pois tem o discernimento reduzido ou mesmo comprometido. Não avança para a possibilidade da convivência digna com o diferente. Vive de ciclos reprodutivos de dogmas obscurantistas impostos pela rotina do poder tirano. É a ritualística da ditadura do pensamento único. Os veículos de comunicação são controlados e a linguagem aceita é apenas aquela manipulada em prol dos que detém o poder. Não se pode questionar a qualidade vida, a educação, a saúde, a segurança pública… Em regimes assim, a corrupção e o terror acontecem e, ainda pior, ninguém pode se opor – é proibido.
Hodiernamente, no contexto de formal liberdade econômica e política, o proibido é pensar diferente, expressar diferente, viver diferente, consumir diferente da “receitinha” ditada pelo mercado e sua apelativa lavagem cerebral, imposta pela neurótica propaganda de futilidades de consumo, convertidas em necessidades e depois em símbolos de status, enraizando na cultura a apologia ao “lixo simbólico”.
Ariano Suassuna, em que pese seu nacionalismo radical em prol da promoção da cultura brasileira, tinha razão quanto à imbecializante qualidade dos produtos culturais que vêm sendo difundidos, de forma global, como se houvesse sido firmado um pacto geral para idiotizar as pessoas, manipulando-as como meras peças úteis na gigantesca máquina do consumismo entorpecedor. Está em avançado estado de hegemonização a cultura global do “lixo simbólico”. Espécie de civilização do “nada”. A era do “fim do futuro”, nas palavras de Zygmunt Bauman.
A vitória do modelo que converteu os humanos em “cobaias de laboratório”, a serviço da economia de mercado globalizada, encontrou solo fértil num tempo de mediocridade da política. Não é à toa que somente vingam caricaturas de homens públicos, jagunços em prol dos que os patrocinam e lhes compram os mandatos e as carreiras. Párias despudorados que ainda enriquecem às custas do que deveria ser recurso de todos e da negociação do interesse público, dentre outras tantas injustiças existentes em todos os poderes estatais. Um modelo plutocrata e repressivo para dar suporte à globalização em curso, assentada na planetarização do lixo simbólico, difundido mundialmente via internet e redes sociais, além dos meios tradicionais de comunicação de massa. Os efeitos destrutivos desse modelo se fazem sentir no meio ambiente (tanto lixo – resíduos sólidos – e desperdício), na organização da sociedade civil, no persistente naniquismo ético, na qualidade de vida das pessoas e nas perspectivas de convivência livre e justa da sociedade. É muito difícil, quase impossível, preservar a liberdade de expressão e a segurança pública frente à avalanche de lixo simbólico, nos tempos atuais, a serviço do consumismo insustentável e da desarticulação da vida cívica.
Por isso, em que pesem as diferenças de diversas ordens, é no regime de liberdade de expressão e de organização econômica, política e ideológica que se pode amadurecer na busca do desenvolvimento humano e social. Nesse sentido, é fundamental que o “lixo simbólico” não entorpeça nossa capacidade de questionar a qualidade do que nos oferece o mercado e a cultura de massa, bem como a qualidade da educação, da saúde, além da própria segurança pública como combate ao crime, da distribuição de renda e outros aspectos sinalizadores da justiça social. Enfim, liberdade de expressão é condição para segurança da própria dignidade humana na sociedade de orientação democrática.
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