Por Rosiene Carvalho, da Redação
MANAUS – O juiz auxiliar da presidência do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), Flávio Henrique Freitas, defendeu, em entrevista ao ATUAL nesta terça-feira, que a agregação de 12 comarcas no interior do Estado a “comarcas polos” é a melhor opção para promover a justiça nos municípios do interior do Amazonas. Ele afirma que o tribunal não irá fechar comarcas, como vem sendo divulgado. “Não se trata de fechar comarcas; está sendo vendido de uma forma errada”, disse.
Nestas comarcas, juiz é artigo de luxo e raro. Segundo Flávio Freitas, Juruá há nove anos não sabe o que é ter juiz na cidade por mais de dez dias seguidos. E quando há presença do juiz faltam os demais profissionais para que os processos possam andar: advogado e promotor.
Idealizado, num primeiro momento, para representar economia no orçamento do TJAM, a agregação das comarcas pode virar emenda que fica pior que o soneto. As diárias do juízes e a “estrutura da justiça” numa espécie de expedição mensal para visitar as cidades sem magistrado por determinação e linha administrativa do Judiciário do Amazonas deve elevar as despesas, com pagamento de diárias aos juízes.
“Num primeiro momento, a gente até enxergava uma necessidade de economia. Pode ser que nem haja essa economia… Vai ter que se pagar diárias para os magistrados se deslocarem. Se tiver que ter mais gastos para se manter o magistrado lá, é obrigação do tribunal. A discussão não é de economia ou gasto, é de se manter o juiz no município”, afirmou Flávio Freitas.
Comarca x Termo
O magistrado é coordenador do projeto apresentado pelo presidente do TJAM, Flávio Pascarelli, a prefeitos do interior e a deputados da ALE (Assembleia Legislativa do Estado) para transformar 12 comarcas em termos judiciais (sem juiz designado para a cidade). Após as conversas com os políticos, a coordenação da proposta acatou a sugestão de manter a designação comarca, porém com o mesmo escopo: sem juiz titular designado. A proposta inicial era transformar as 12 comarcas em Termos Judiciários ligados a comarcas maiores.
A ideia é que em determinados períodos do mês, dez dias, se desloquem para a cidade no mesmo período um juiz, um promotor e um defensor com o objetivo de fazer uma espécie de mutirão e analisar as demandas da cidade. Segundo o diagnóstico que o TJAM tem usado para defender a proposta, que a presidência recusa chamar de fechamento de comarcas, esses municípios geram “baixa” demanda de justiça.
Confira a entrevista completa:
ATUAL – Porque esse projeto não é uma reedição do fechamento das comarcas propostas há seis anos pelo ex-presidente do TJAM João Simões?
Flávio Freitas – Ninguém está falando em fechar comarca. A visão do desembargador [Flávio Pascarelli, presidente do TJAM] é que essas comarcas há muito tempo, pelo menos na lista daquelas 12, não têm juiz titular há quase nove anos. O projeto quer possibilitar que, com essa reorganização, se mantenha em certo período um juiz na cidade. Não vai se tirar o nome comarca, mas ela vai estar agregada a uma comarca polo, onde o juiz trabalhará nesta comarca e se deslocará a outra comarca, que está sem juiz há muito tempo. A visão da presidência é que esse deslocamento para a comarca não seja apenas de um juiz, mas de todo sistema de justiça, promotor e defensor. Com agendamento prévio, publicado na página do tribunal.
ATUAL – Qual comarca está nessa situação de nove anos sem juiz?
Flávio Freitas – Juruá, por exemplo. O deslocamento para Juruá é feito pelo juiz de Carauari, que se desloca efetivamente sozinho. O fórum e os servidores vão continuar lá. Todo o sistema processual do tribunal é eletrônico. O juiz pode despachar em qualquer lugar.
ATUAL – Essa é uma medida paliativa ou a longo prazo? A propósito, o tribunal tem uma programação a longo prazo para que todos os municípios tenham juízes. Ou isso realmente não é necessário, na visão do TJAM?
Flávio Freitas – Eu não posso falar pela visão do tribunal.
ATUAL – O senhor está coordenando o projeto?
Flávio Freitas – Na realidade, eu estou acompanhando o presidente neste projeto. O projeto é dele, a ideia é dele. Efetivamente, é o seguinte, isso do que a gente conversa: temos um concurso com 59 aprovados, que está suspenso por questões judiciais. A partir do momento que o presidente possa nomear essas pessoas, obviamente que ele vai prover as comarcas. Neste momento, ele não pode fazer. Algumas cidades terão que ser analisadas, se é viável ou não a manutenção de um juiz sem a presença de um sistema de justiça. Para manter um juiz dentro do fórum sem julgar um processo, sinceramente a administração tem que pensar sobre isso.
ATUAL – Na sua opinião, qual a vantagem e a desvantagem para a população desses municípios com a implementação desta proposta de agregar comarcas?
Flávio Freitas – A vantagem que eu consigo observar e o próprio presidente entende, pelo que pude observar nas conversas que ele teve com os deputados: no momento que tiver a presença do juiz, haverá promotor e defensor. A outra vantagem: vai ficar público no site do tribunal o período de deslocamento nas comarcas.
ATUAL – E a desvantagem?
Flávio Freitas – Sinceramente, eu, particularmente, não consigo num primeiro momento ver. Mas os deputados citaram que o nome comarca era muito importante. E o próprio presidente acatou. A visão inicial era transformar em termo. Acho que essa era desvantagem para o município. O que já foi acatado pelo presidente. Não vai deixar de ter o “status” de comarca…
ATUAL – Na prática, qual a mudança? Será administrativa e não na estrutura?
Flávio Freitas – Não tem mudança estrutural nenhuma.
ATUAL – Poderá voltar a funcionar como uma comarca deveria funcionar, com a presença frequente de um juiz?
Flávio Freitas – Sem problema nenhum. A partir do momento que for viável ter toda a estrutura da justiça: um promotor, um defensor e um juiz. Inclusive, um prefeito, acho que o de Envira, citou o porquê da importância do nome comarca. Um dos indicativos para a medição dos índices de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos municípios é saber se o município tem estrutura de suporte para defesa da criança e do adolescente. A presença do judiciário com uma comarca é um desses indicativos para o IDH. Eu até levei isso para o presidente posteriormente e ele colocou que isso reforça a defesa dos deputados da necessidade de se manter as comarcas.
ATUAL – Qual a motivação do TJAM para iniciar esse planejamento e execução desse projeto? É uma questão de economia, organização administrativa ou há também um pleito dos juízes?
Flávio Freitas – Na realidade, o ponto principal é efetivamente deixar na comarca a estrutura do sistema de justiça. Eu digo sistema porque hoje, em muitas delas, não existe. Em muitas delas, foi relatado, que juiz e promotor foram visto da última vez em dia da eleição. Porque eles respondem pelas comarcas deles. O ponto central é esse. Estruturar o sistema de justiça na cidade. Questão financeira, se houver, é secundária. Num primeiro momento, a gente até enxergava uma necessidade de economia. Pode ser que nem haja essa economia…
ATUAL – Pode ser que haja mais gastos?
Flávio Freitas – Eu acredito que não. Vai ter que se pagar diárias para os magistrados se deslocarem. Se tiver que ter mais gastos para se manter o magistrado lá, é obrigação do tribunal. A discussão não é de economia ou gasto, é de se manter o juiz no município.
ATUAL – Do que depende a execução desse projeto? Precisa de uma aprovação da ALEAM?
Flávio Freitas – Não, da assembleia não. Na verdade, depende de uma aprovação do tribunal. Mas o presidente fez questão de ouvir antes de mudar. E quem representa a população são os deputados. Foi, discutiu. Ele saiu de lá com os deputados convencidos da necessidade da medida e ele convencido da necessidade de manter no projeto o que os deputados indicaram.
ATUAL – Tem previsão para execução desse projeto? No primeiro semestre?
Flávio Freitas – Precisa levar ao pleno. Se ele levar ao pleno e a ideia for aprovada, acredito que sim.
ATUAL – O senhor quer acrescentar mais alguma coisa?
Flávio Freitas – Eu acho que é isso. Mas seria melhor que ele (Flávio Pascarelli) explicasse, né? Mas estamos aqui à disposição. Assim, a ideia não é ruim. Está sendo vendido de uma forma errada. Não é fechar comarca. Ninguém disse isso. Isso nunca passou na cabeça do desembargador. Juruá nao tem juiz há praticamente dez anos, por um período de dez dias. Não tem promotor em Juruá, há muito mais tempo. Defensor público nunca nem pisou em Juruá. Ou seja, por isso vamos manter isso aí. Por isso, as pessoas passam a ter visão distorcida do projeto. A questão economia é um ponto, mas posso até gastar mais. A ideia é o juiz passar dez dias lá, mas se o juiz quiser passar mais de dez dias, o tribunal não vai mandar esse casa a sair de lá. Vai ter que esticar as diárias dele.