Talvez um dos mais importantes direitos fundamentais seja o direito à moradia. Porque sem moradia não se consegue usufruir de qualquer outro direito fundamental. Não há como alimentar-se direito, não se consegue trabalhar, não se consegue educar seus filhos. Mas, aqui no Brasil, a aquisição de moradia é um problema.
Na verdade, é um problema em todo o mundo, mas no Brasil a coisa é agravada porque a maioria gigantesca da população é carente. De acordo com informações do IBGE, mais de 70% da população brasileira têm dificuldades em manter-se com o mínimo básico existencial.
Ainda mais quando se fala em aquisição de terrenos, lotes ou apartamentos, cuja especulação imobiliária, de norte a sul do Brasil, faz com que os mecanismos de acesso sejam praticamente impossíveis.
Para uma família de baixa renda, que vive de salário mínimo, boa parte do dinheiro é usado para alimentação e necessidades básicas. É impossível, com o que sobra, fazer aquisição de moradia.
Uma parcela grande da população, em Manaus, depende, para viver, de aluguel. Muitos aluguéis, segundo indicam os valores de mercado, chegam a custar R$ 500, R$ 600. Isso para uma família pequena.
O jornal A Crítica falou, em matéria de capa deste domingo, que o valor da moradia de duas crianças e um casal custa, mais ou menos, R$ 800. Numa terra onde o salário médio é um pouco mais que isso você tem um problema social gigantesco. Uma pessoa que vive de um salário mínimo e tem que custear uma moradia que lhe retire mais da metade de sua renda terá dificuldade de se manter com dignidade.
Isso é um problema severo porque a população não para de crescer. Isso é uma realidade em todo mundo. A questão é que os Estados devem se prevenir em relação ao crescimento vegetativo da população, tendo permanentemente programas de moradia que possam favorecer aluguéis sociais ou aquisição de lotes e apartamentos com preços populares, fora do mercado imobiliário.
No Brasil, em especial no Amazonas, não se observa tal política. Os exemplo que se vê, Brasil afora, estão ligados ao programa do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida”, programa esse que acaba não resolvendo o problema.
Temos aqui em Manaus o exemplo de um programa que não dá conta disso apesar de ser o maior conjunto de moradias do “Minhas Casa Minha Vida” de todo o Brasil com cerca de 9 mil moradias. São 50 mil pessoas vivendo dentro de um condomínio residencial, que por acaso se localiza à beira da cidade e numa situação de isolamento social.
Mesmo esse grande conjunto não resolve os problemas. Ele foi desenhado para uma população no passado, construído durante anos para entregar no futuro. Nesse meio tempo, outras populações se juntaram àquelas do passado na necessidade de serem incluídas em programas sociais.
Conforme já observamos e é noticiado pelos jornais, no Estado do Amazonas, os programas de moradia, que são arcados pelo Estado e município, não suportam a grande quantidade de pessoas que vêm bater às portas do Estado. É uma conta que não fecha. Pessoas que precisam morar, pessoas que não têm como viver. E pessoas que estão vivendo em situações precárias hoje.
Como resultado desse caldeirão todo, observamos para todos os lados da cidade de Manaus ocupações irregulares. De fato, não podemos ser maniqueístas em observar que tem o bom e o mau. Existe toda uma miríade de situações que indicam a natureza e a gênese dessas ocupações. Mas, na grande maioria das circunstâncias, o que existe são pessoas que buscam legitimamente solução para o seu problema de vida.
Em algumas dessas ocupações, que eu tive que visitar pessoalmente, afinal de contas é parte do meu ofício, acabei observando pessoas se utilizando de fossa coletiva. Isso é o limite da dignidade da pessoa humana. Alguém para chegar a isso, não tem outra razão para fazer, a não ser desespero social.
Aqui em Manaus, alguém para trabalhar no Centro ou no Distrito, precisa, para ter condições de uma moradia mais digna, morar muito longe desses locais e depende do sistema de transporte. O que lhe toma várias horas durante o dia. A pessoa vive um inferno na terra.
Na Cidade das Luzes, há casos como o de André Luiz, que vivia no bairro de Santa Etelvina e não tinha condições de moradia. Vivia por lá de mototáxi até que a desgraça social provocada pela violência fez com que ele perdesse seu modo de vida. Como ele alimentaria seus sete filhos? Acabou entendendo como único caminho para sua sobrevivência ir para a malfadada Cidade das Luzes, onde acabou se reconstruindo como pequeno comerciante.
E, ao final das contas, o mesmo Estado que não estendeu as mãos para ele e não estendeu as mãos para milhares, expulsando André Luiz do local, o que levou ele ao desespero e à auto-imolação. Acabou deixando viúva e filhos.
Na mesma Cidade das Luzes, que houve ação promovida pelo Estado e pelo município para remoção das famílias sem qualquer preocupação social, existe neste exato momento informações, e nós já tivemos acesso inclusive a vídeo, de que o alegado proprietário, loteando irregularmente e vendendo terras das quais ele mesmo promoveu a expulsão de pessoas de lá. Aí, a grande pergunta é: a indústria da invasão é de quem? É de quem precisa morar? E que vem batendo à porta do Estado e não há resposta? Ou de quem ilegitimamente vem locupletando de processos estranhos, fazendo com que tanto não se consiga a aquisição de moradia. E o Estado que é omisso esse tempo todo.