Em 1992, Fernando Collor de Mello não esperou o julgamento no Senado. Acuado e solitário, o então presidente da República renunciou ao cargo depois da votação na Câmara dos Deputados, em que os parlamentares aprovaram a abertura do processo de impeachment. Dilma Rousseff, ao contrário, resistiu até o fim e sustentou a tese de que está sendo vítima de um golpe perpetrado por adversários e ex-aliados políticos. Qualquer pessoa que conheça as engrenagens da política brasileira e tenha o mínimo de honestidade não é capaz de discordar da presidente.
Esse filme não é novo. Como bem lembrou Dilma durante o longo interrogatório a que foi submetida nesta segunda-feira, 29, no Senado, os golpes na América Latina são recorrentes. O que muda, na atual conjuntura, é o formato. O mundo não aceita mais o golpe pelas armas, como ocorreu no século passado, quando os militares tomaram o poder na maioria dos países, sob o argumento de livrá-los dos comunistas. Mudou-se as estratégias, mas o enredo é o mesmo: em nome da democracia, deporta-se uma presidente democraticamente eleita, com um argumento tão estapafúrdio que o mais ingênuo dos mortais é incapaz de engolir.
O circo (ou o teatro, tanto faz) começou a ser montado muito antes de Eduardo Cunha, o então presidente da Câmara dos Deputados, decidir colocar o pedido de impeachment em votação naquela Casa Legislativa. Como já foi dito, quem conhece os bastidores da política, sabe que um processo dessa magnitude não nasce do dia para a noite. Só os idiotas são capazes de acreditar que o resultado das votações contra a presidente da República é o resultado dos movimentos de rua, patrocinados por partidos que arquitetaram o golpe.
Quando o processo chegou à Câmara dos Deputados, as cartas já estavam jogadas. Não havia mais a possibilidade de mudança das regras traçadas minuciosamente pela oposição e os partidos antes aliados de Dilma. Michel Temer, o grande arquiteto do golpe, foi convencido muito antes da abertura do processo de que poderia tomar o poder. O PMDB nunca teve credibilidade para vencer uma eleição presidencial; o PSDB, seu principal aliado no golpe, acabara de amargar sua quarta derrota nas urnas, depois de testar três nomes. Como era impossível chegar ao poder pela via legal, os dois maiores partidos resolveram se unir numa cruzada para tomar o governo na marra.
O jogo não foi jogado só pelos dois partidos. Em questão de meses, as maiores bancadas no Congresso Nacional começaram a inventar desculpas para abandonar o governo; as reformas necessárias para tirar o Brasil da crise que assustava o país em 2015 foram deixadas de lado. Nada funcionava num momento em que os trabalhadores perdiam seus empregos, a inflação crescia e o dólar disparava. Era preciso que o país chegasse ao fundo do poço, pois só assim as engenharia do golpe poderia prosperar.
Na comissão formada para analisar o pedido de impeachment, na Câmara dos Deputados, já se notava que não haveria argumento que convencesse os que já estavam cooptados pelos arquitetos do golpe. Ninguém, na comissão, estava disposto a ouvir os argumentos contrários. Muitos proferiam seus discursos e davam as costas aos colegas. O preço da votação em que os deputados aceitaram a abertura do processo de impeachment foi pago meses depois, quando Michel Temer assumiu o poder: todos os partidos que mudam de posição, ou seja, deixaram o governo e votaram contra Dilma, ganharam cargos no primeiro, segundo e terceiro escalões do governo provisório
No Senado não foi diferente. O destino de Dilma Rousseff já estava traçado. O resultado das votações já estavam definidos previamente. As centenas de horas de debate, de depoimentos, de inquirição de testemunhas foram em vão. Não se estava ali buscando qualquer prova, qualquer resquício de “verdade”, simplesmente porque a decisão já estava tomada.
O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, cumpri apenas uma formalidade. Atua como um mediador. Não se trata de um julgamento justo, mas de um julgamento político em que vale mais os interesses dos julgadores do que os fatos que ensejaram a formação daquele tribunal. Tanto é assim que mesmo os que resistiram até o fim, aqueles aliados que só deixaram o governo depois do afastamento temporário da presidente, agora votam contra ela. Convencidos de que ela cometeu crime de responsabilidade? Não. Convencidos apenas de que para eles e para os partidos que a servem é melhor sacramentar o golpe.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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Prezado, se o PT não tivesse telhado de “vidro” não teria chegado a tanto, infelizmente neste País não temos um Partido íntegro; Na minha humilde opinião e acredito que da larga maioria da Sociedade Brasileira, a política no Brasil esta totalmente comprometida. O idela seria uma lavagem total e o advento de novos partidos e consequentemente de novos integrantes.