Para além das discussões de méritos sobre a validade ou não das contra-reformas em si mesmas, é preciso antes afirmar a total ilegitimidade política e social que alcançaram as medidas desse governo. Isto é, em tempos de Lava Jato, em que as entranhas do capitalismo brasileiro estão sendo expostas – e com isso evidenciando um número assombroso de políticos de todas as naturezas e partidos envoltos e mergulhados na corrupção – qualquer atitude por parte desses grupos é democraticamente ilegítima. Mais do que nunca a frase de Marx “O Estado é o balcão de negócios da burguesia” se faz verdadeira.
Diante de toda essa política burguesa, nessa sexta-feira, 28, o fogo das ruas mostrou que ainda queima. Nada mais legítimo e potente do que uma greve geral. Não existe nada a ser feito quando o Estado e o setor privado colocam ainda mais peso nos ombros da classe trabalhadora, além de mostrar que em essência existe um poder genuíno nas mãos das massas – por mais que a ideologia faça parecer o contrário.
Sabe-se que a porrada foi bem sucedida quando o alvo acusa – e este foi o caso. Com os ataques desproporcionais e covardes da polícia, com a cobertura parcial e ideológica da mídia, com todo tipo de deslegitimação das iniciativas populares foi possível evidenciar a demarcação de quem é o verdadeiro inimigo. E que, quando faz doer no bolso, faz também essa guerra de classes um pouco mais equilibrada. Os que estão por baixo perdem a voz por carregar tanto peso, e foi ai que Marthin Luther King cravou uma famosa frase que diz: “A greve, no fundo, é a linguagem dos que não são ouvidos”.
Curiosamente, aqueles que foram contra a greve – desde os que chamaram o trabalhador que foi às ruas de vagabundo até aquele que simplesmente adota um discurso sem sal de que “até concorda” com o direito a greve, mas fora da hora do trabalho ou e de maneira pacífica, no maior estilo manifestações patoamarelistas – costumam gozar demais: ou nos direitos conquistados por aqueles no passado, ou explorando o trabalho alheio.
Aliás, é impressionante a capacidade da ideologia de inverter o sentido da realidade: os chamados “vagabundos” são na verdade aqueles que vendem sua força de trabalho e que precisaram sacrificar as vezes seu emprego e seu salário para ir às ruas. E lutar pelo fim das ditaduras, pela emancipação e ganho de respeito – ainda que pequenos – das minorias sociais, pelo fim do apartheid, entre outras grandes conquistas.
Enfim, são tantos “vagabundos” que conseguiram liderar em êxitos históricos tão grandes que viraram referência de como trabalhar para mudar a história. Porém, não há uma receita de bolo. Muito menos uma que seja simples. Cada conjuntura produz suas próprias soluções: não é possível imitar o que aconteceu em outros tempos. O Brasil, sempre cheio de jabuticabas, necessita de algo inédito e muito bem pensado.
O monstro é grande e feio, e deve-se ter claridade sobre o que acontece. Em outras palavras: só é possível vencer o inimigo o conhecendo. O monstro não tem pátria, mesmo que esteja em todas. Não tem forma fixa: sua habilidade de se adaptar e de transformar é inestimável. E também não tem medo, com exceção de ter sua taxa de lucro diminuída. Mas o monstro tem nome: capitalismo. E ele está em crise. E isso que dá sentido a tudo que vem acontecendo. Toda essa redução do Estado não responde por outra coisa além da demanda do grande capital de aumentar sua taxa de lucro que vem caindo. E o Brasil, que se vê ainda excessivamente dependente dos investimentos externos, ajoelha por não ter autonomia real, mesmo que a tenha de sobra em potencial.
Por isso, não basta ter feito a maior greve da história do país, e uma das maiores do mundo. As ofensivas populares devem ser cada vez maiores. Pois, a história e o atual momento mostram como é frágil uma politização apenas por conquista de direitos sem um plano nacional de desenvolvimento e autonomia. Isto é, todos os direitos que estão sendo descartados pelas contra-reformas não foram bem articulados com um projeto de nação. Por isso são agora jogados fora com enorme facilidade a partir do momento que o capital externo mandou diminuir o tamanho do Estado brasileiro – foi fácil como tirar doce de criança.
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