Do Estadão Conteúdo
BRASÍLIA – A criação de um fundo eleitoral bilionário com dinheiro público para bancar campanhas vai possibilitar que as direções partidárias de 21 das 32 legendas que participaram da eleição de 2014 tenham mais dinheiro no caixa de seus diretórios este ano na comparação com o que tiveram na época, quando a doação de empresas ainda era permitida. A lista é composta por partidos médios e pequenos. Entre eles, o PRB receberá a maior diferença: R$ 56,8 milhões a mais em 2018, seguido por PDT (R$ 53,9 milhões a mais) e PR (R$ 36,2 milhões).
Já os partidos maiores, como PT, MDB e PSDB, mesmo ficando com a mais significativa fatia do bolo do fundo eleitoral, levarão desvantagem em relação ao que receberam em 2014 – a eleição mais cara da história, segundo dados da ONG Transparência Brasil (cerca de R$ 5 bilhões em valores da época).
Os números reforçam a análise de que a reforma política aprovada no ano passado favoreceu as cúpulas partidárias, que terão ainda mais poder sobre as candidaturas. Isso porque, pelas regras, num cenário geral de menos recursos para as campanhas, caberá à comissão executiva de cada partido definir como será a divisão interna do fundo eleitoral entre seus candidatos.
O levantamento feito pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’, com base nos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), compara apenas as doações feitas em 2014 aos partidos com o fundo eleitoral, sem computar recursos enviados diretamente para os candidatos. Os valores foram corrigidos pela inflação do período. Quando somadas todas as doações eleitorais, inclusive as que foram diretamente aos candidatos, o número de partidos que terão mais recursos neste ano cai para cinco: PRB, Podemos (ex-PTN), PSOL, PCB e PCO.
Embora admita que as grandes legendas ainda continuam com uma vasta vantagem em relação às demais, o diretor executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, diz que o financiamento público eleitoral deverá reduzir o ‘abismo’ que sempre existiu em relação aos valores disponíveis para as campanhas. “Proporcionalmente, esses partidos menores serão beneficiados, porque antes recebiam poucos recursos de empresas, era mais de outros partidos. Com a proibição de doação de empresas, eles não perderam, pois, além do que vão receber do fundo eleitoral, continuam podendo vender seu tempo de TV, sua aliança, em troca de mais dinheiro”, afirma o diretor da Transparência.
O financiamento empresarial de campanhas foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2015. Como alternativa para bancar candidaturas, parlamentares aprovaram no ano passado a criação do fundo eleitoral, que terá R$ 1,71 bilhão e será abastecido com recursos do Orçamento. A exemplo do que ocorreu nas eleições municipais de 2016, a doação de pessoa física também será permitida neste ano.
Restrições
Dos que vão receber mais do fundo do que o total arrecadado em 2014, PSOL, PCB e PCO tinham restrições a doações empresariais. O PSOL, que mais arrecadou entre os três, teve R$ 12,7 milhões ao todo e, neste ano, terá R$ 21 milhões para distribuir entre candidatos. PCB e PCO terão a fatia mínima do bolo do fundo: R$ 980,7 mil.
“Não há dúvida de que os valores em si vão trazer uma pequena correção desse grande desequilíbrio que foram as últimas eleições no Brasil. Se você não quisesse pegar dinheiro de grandes empresários, como é o caso do PSOL, você tinha uma capacidade de competição muito reduzida”, diz o presidente nacional da sigla, Juliano Medeiros.
Apesar de reconhecer que o partido terá melhores condições na disputa deste ano, Medeiros afirma que a legenda mantém a posição contrária ao fundo. “O PSOL nunca teve essa quantidade de recursos, vai ser inédito para a gente. Mas não estamos comemorando, continuamos sendo críticos (ao fundo público eleitoral)”, disse.
Já o Podemos, que em 2014 ainda se chamava PTN, terá cerca de R$ 6 milhões a mais, com R$ 36,1 milhões reservados para as campanhas. O partido passou por uma repaginação no ano passado e aumentou sua bancada tanto na Câmara dos Deputados – passou de quatro para 14 parlamentares -, quanto no Senado – não tinha nenhum representante na Casa e agora tem três.
Esse reforço nas bancadas, segundo a presidente do partido, a deputada federal Renata Abreu (SP), justifica os recursos a mais. “Se pensar em gasto proporcional, temos uma economia, não um incremento. Não dá para comparar o PTN de 2014 com o Podemos de 2018”. No PRB, o presidente do partido, o ex-ministro Marcos Pereira, diz que, mesmo com mais recursos neste ano, as campanhas políticas serão ‘modestas’. “O PRB só teve, em 2014, uma candidatura majoritária, que foi a do (Marcelo) Crivella para governador do Rio. Outros partidos tiveram candidaturas aos governos estaduais, senadores e presidente da República. Candidaturas majoritárias é que encareciam as eleições passadas” afirma o dirigente.
‘Caciquização’
A maior concentração de recursos nas mãos dos dirigentes partidários é vista por especialistas como uma das principais falhas do fundo eleitoral aprovado pelo Congresso no ano passado. Na avaliação de cientistas políticos ouvidos pela reportagem, mesmo que o fim da doação empresarial represente menos dinheiro circulando nas campanhas, o poder dado às cúpulas partidárias para distribuir os recursos pode aumentar a ‘caciquização’ da política.
“Antes os políticos com mais potencial eleitoral (ou que já eram detentores de mandatos) se movimentavam em uma lógica que era quase a de cada um por si. Ou seja, procuravam diretamente as empresas para financiarem suas campanhas. Com o fim desse tipo de financiamento, o peso dos partidos aumentou. O candidato, por mais potencial que tenha, vai precisar estar próximo da cúpula para sustentar a própria campanha”, disse o cientista político Humberto Dantas, da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Dantas chama a atenção para o fim que partidos médios e pequenos – agora com maior ‘poder de fogo’ – vão dar aos recursos que receberão do fundo eleitoral. “”Do lado dos partidos médios e pequenos, é preciso ficar atento com a forma como esses recursos serão usados para atrair esse ou aquele candidato na janela eleitoral”.
Para Vitor Oliveira, da consultoria política Pulso Público, a questão poderia ser contornada com mais mecanismos de transparência. “Uma das grandes falhas na criação do fundo eleitoral foi o de não vincular o recebimento de valores a uma maior transparência interna, uma democratização partidária e regras de controle. Na forma como os partidos são geridos, fica claro que não vai existir equidade na distribuição desses recursos”, afirmou.
“As cúpulas partidárias, que, normalmente, são encasteladas – e tem uma relação de poder muita clara com os diretórios municipais e estaduais -, vão direcionar o dinheiro para aqueles candidatos que estiverem mais alinhados com as lideranças”, disse Oliveira.
Para o consultor, a situação é ‘ainda mais grave’ nos partidos médios e pequenos. “Isso porque esses partidos são mais claramente controlados por indivíduos e famílias que, certamente vão direcionar a distribuição dos recursos eleitorais para os candidatos de sempre”.
Dirigentes
Do lado dos dirigentes políticos, o discurso é de que ainda é cedo para se tirar conclusões sobre possíveis distorções no financiamento eleitoral de campanhas. “Como é uma regra nova, não dá para saber os efeitos disso. É um sistema que acabou sendo imposto, uma mudança radical na forma de fazer campanha. Acho que vai ser uma nova experiência, pode ser que cause distorção, mas ainda não dá para afirmar isso”, disse o tesoureiro do PSDB, o deputado federal Silvio Torres (SP).
De acordo com o dirigente tucano, o partido investirá em novas formas de arrecadação para compensar, pelo menos em parte, a redução do valor que terá para fazer campanhas. “Estamos nos preparando para fazer arrecadação de pessoa física, via crowdfunding. Vamos fazer campanhas via redes sociais e outros meios de comunicação para ver se conseguimos engajar a sociedade nesse novo modelo”, disse Torres.
Segundo levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, no total, o PSDB terá quase R$ 800 milhões a menos para fazer campanha em 2018 em relação ao montante que teve disponível há quatro anos.
Na avaliação do presidente do PTB, o ex-deputado Roberto Jefferson, porém, “ninguém poderá dizer que não fez campanha por falta de dinheiro”. “É uma experiência nova, mas os candidatos vão ter recursos para fazer campanha como tiveram em 2014. Não vai mudar o jeito de fazer campanha”, disse.
O presidente do PTB afirmou ainda que, embora as cúpulas sempre tenham tido poder, desta vez terão uma influência ainda maior nas campanhas políticas. “A cúpula sempre tem poder. É claro que o comando partidário terá mais poder nestas eleições, até para fazer as alianças, os acordos. Nas eleições passadas, os candidatos tinham mais dinheiro que os partidos”, disse Jefferson.