Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – Governador do Amazonas por três vezes, prefeito de Manaus em três mandatos, um deles nomeado na ditadura militar, Amazonino Mendes, que completa 76 anos no próximo mês, afirma que está descartada qualquer possibilidade de se candidatar. Ele recusa a pecha de ostracismo e diz estar no período de descanso merecido, depois de “dar 30 anos da minha vida pro povo”. Nesta entrevista ao AMAZONAS ATUAL, ele diz que a crise econômica e política podem ser boas para o Brasil no futuro próximo, afirma que o Amazonas não tem liderança política depois dele e de Gilberto Mestrinho, e critica a gestão do prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, a quem chama de mentiroso. Confira a entrevista concedida na casa dele ao jornalista Valmir Lima, na última quinta-feira, 22.
AMAZONAS ATUAL – Na nossa conversa preliminar, o senhor dizia que essa crise econômico-política vai ser boa para o Brasil. Em que sentido ela pode ser boa?
AMAZONINO MENDES – Bom, primeiramente, Valmir, eu entendo filosoficamente, que toda ocorrência é ambivalente. Ela nunca é exatamente o que ela espelha. Sempre traz uma face não vista, não observada, e contrária. A crise em si é péssima, é ruim, inferniza a vida das empresas, das pessoas, do país. Mas ela, por outro lado, nos induz a mudar comportamento, seja a nível administrativo público, a relação dos gestores com a coisa pública, seja no nível privado. O país terá que promover uma legislação mais apropriada, mais técnica, o que vai nos remeter também à anulação de um vício nacional que é a falta de planejamento. Ninguém planeja nesse país. O país não planeja, tenho dito isso não sei quantas vezes. Os Estados não planejam. É tudo feito por gravidade, e, por questões pontuais, obedecendo a interesses, que às vezes não são nem partidários, mas de grupos, e, às vezes até individuais. Não se discute basicamente o problema de ordem pública, as necessidades básicas do país, do estado e do município. Não há essa discussão em lugar nenhum. Se houver, são exceções raríssimas. Agora, porque essa crise foi muito violenta, eu quero crer que pelo grau de amadurecimento que o país chegou isso tudo será revisto, pra melhor. Com a crise, a população também se conscientiza mais. As informações que estão chegando ao povo, embora certas camadas da população – infelizmente, a grande maioria – não tenham a capacidade de leitura profunda, de traduzir corretamente as informações, mesmo assim, vai acarretar um comportamento mais maduro do eleitorado brasileiro.
ATUAL – Em relação às empresas, que tipo de mudança pode ocorrer com a crise que seja benéfica a elas e à sociedade?
AMAZONINO – Como disse, eu acredito que as empresas terão que, forçosamente, melhorar o planejamento ou criar planejamentos mais técnicos, com maior previsibilidade, estudos mais profundos. Você vê que todas as grandes empresas do país estavam penduradas nas tetas do governo, Petrobras, Eletrobras e outros “bras” por aí, com negócios facilitados. Negócios que não são da competência empresarial. Então, são falsas empresas, como já foi no passado, quando as empreiteiras eram quem comandavam o orçamento nacional. Os donos das empreiteiras… Nenhum era rigorosamente empresário.
ATUAL – De que período o senhor está falando quando diz que as empreiteiras comandavam o orçamento do país?
AMAZONINO – Isso antes daquela ação que foi feita contra os “anões do orçamento” [Fim dos anos de 1980 e início da década de 1990]. Até aquele momento do país, quem comandava o orçamento eram empreiteiras. Os governos recebiam os representantes das empreiteiras, que vinham oferecer verbas. É um troço maluco, mas é verdade. Já melhorou, mas continua. Vimos esse descalabro na Petrobras, e vimos como a coisa tá muito viva, ainda. E esse comportamento não é exclusivo da Petrobras, está, praticamente, em todas as áreas estatais. Temos aí a CPI do BNDES. O BNDES é um caso gravíssimo, porque o Brasil toma dinheiro no mercado a juros elevadíssimos, e repassa para o BNDES, que é um banco maior do que o Banco Mundial. Pouca gente sabe disso. O governo repassa para o BNDES e o BNDES empresta para a empresa a juros subsidiados. Quem paga essa diferença é o povo. E, quando o BNDES faz esse investimento, com dinheiro público, beneficiando as empreiteiras, mas com projetos que são importantes para o país, mesmo levando-se em conta projetos defeituosos, equivocados, que exaurem os cofres do país de forma ilegal, menos mal. Pior ainda é quando essas empreiteiras vão gerar emprego no exterior, e a gente não sabe nem se esse dinheiro volta. São os casos de Cuba, Angola, Equador, Venezuela.
ATUAL – Em relação à crise política, como o senhor esta avaliando o comportamento do Congresso Nacional?
AMAZONINO – Veja bem: se não fizermos uma reforma política, isso tudo que estamos vendo hoje, pode se repetir amanhã. Eu parto do pressuposto de que é um comportamento rousseaniano, do bom selvagem. O homem não nasce criminoso. É fácil você inferir. Será que o Norberto Odebrecht ou o pessoal da Camargo Corrêa, da Andrade Gutierrez, da OAS era tudo bandido, nasceram bandidos? Não! A estrutura os fez bandidos. Então, essa estrutura equivocada, esse arcabouço legislativo brasileiro que regula a matéria, tem que mudar. Mudar, com regras mais eficazes para evitar repetições, esses absurdos. Tudo é uma questão de aprimoramento técnico legislativo. Isso passaria pelo Congresso; o Congresso, para fazer isso, teria que ser pressionado por dois setores ou pelo menos por um deles: imprensa e povo. Eu só acredito nessa reforma através dessas duas pressões. Pela imprensa, não sei, tenho minhas dúvidas. E o povo, de repente, poderá ir pras ruas, mas, se não tiver uma orientação, para saber o que pedir, o que exigir, também vai se tornar inócuo. Transformar-se num movimento qualquer que só seria bombástico e nada mais.
ATUAL – Hoje o povo tem ido às ruas pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff.
AMAZONINO – Isso não é nada. Isso não resolve nada. Nós temos que pedir é a saída da estrutura equivocada que o país tem. Senão, vem outro presidente e faz a mesma coisa, vem outro faz a mesma coisa, vem outro faz a mesma coisa. Ela fez as pedaladas dela… O que é a pedalada? Pedalada nos Estados Unidos dava cadeia na hora. Lá dá cadeia até para as empresas privadas. Ela contorna a contabilidade, frauda a contabilidade. Agora, eu tenho certeza que essa fraude à contabilidade não está só no núcleo do governo federal, não. Estão nas estatais de um modo geral. Deve estar na Eletronorte, deve estar em tudo o que de lugar. A estrutura brasileira é viciada; ela permite isso. Todo mundo ficou assombrado pelo fato de o Tribunal de Contas da União, pela segunda vez da sua existência – a última vez fazia mais de 70 anos – reprovou conta de presidente. Pra que tribunal de contas? Então, ele serve para reprovar contas pequenas, contas dos humildes para guardar as aparências. Dos menores, inclusive, muitas vezes colocando chifre na cabeça de cavalo. Então, essa estrutura brasileira tá errada. Tem que mudar tudo. O processo judiciário nacional tem que mudar. No que diz respeito à aplicação da lei de improbidade, tem que criar mais eficácia e segurança nos julgamentos. Mais rapidez. As promoções feitas pelo Ministério Público teriam que ser feita com extremada técnica para não dar espaço nesse “queijo suíço” que é o processo brasileiro, cheio de buracos.
ATUAL – Quando o julgador pode julgar a partir do seu convencimento e não a partir da lei, não é perigoso, principalmente no julgamento de improbidade?
AMAZONINO – Aí é que está o problema. Isso é um princípio universal, histórico, foi uma conquista da humanidade. O juiz julga de acordo com o seu convencimento, sua livre convicção. Isso é fundamental. Mas, como o nosso país não tem uma vigilância eficaz com relação a comportamento judicial, o juiz comete erros crassos de interpretação, erros extremamente temerários e nada acontece com ele. E ele alega: “não, foi o princípio da livre convicção; eu julguei com as minhas convicções”. E muitas vezes o comportamento é o que a gente chama em Direito de teratológico, uma aberração, e fica por isso mesmo. Então, o país precisa de um aprimoramento institucional, precisa dar um balanço em todo o seu corpo institucional e fazer uma análise profunda.
ATUAL – Isso tem que partir de quem?
AMAZONINO – Da sociedade toda. Tem que partir de todos. É um direito de todos e ao mesmo tempo uma obrigação, sobretudo do Legislativo. Mas nada impede que as corporações, as instituições, sindicatos, a sociedade organizada procure levantar e discutir isso.
ATUAL – Esse seu discurso está parecendo com o velho discurso do PCdoB. Ou do PCB, partido no qual o senhor começou a militar.
AMAZONINO – Não, porque o discurso do PCdoB era falso. Nunca foi desse jeito. O discurso do PCdoB sempre foi um discurso, data venia, falsificado. Está aí o PCdoB, vive pendurado no poder. O PCdoB reflete exatamente o velho adágio que corre o mundo: “Quer conhecer o vilão, ponha-lhe a vara na mão”. Enquanto não tinha o poder, estava aí fazendo confusão. Conseguiu o poder, está aí, coonestando o poder há quanto tempo?!
ATUAL – Mas no Brasil, todo o político não é assim? O velho adágio não serve para todos?
AMAZONINO – Não é no Brasil, não. Nem todo político é assim. O que houve no Brasil foi uma deterioração política visível. A gente vê aqui no Amazonas, inclusive. O Amazonas trocou a boa relação com a imprensa e com grupos políticos pela execução de obras públicas e pela procura do bem-estar público. Tudo é resolvido através da imprensa. A imprensa enaltece, a imprensa esconde, e acabou, tá resolvido o problema. A gente percebe claramente isso. Antes… Eu tive a minha juventude, fui membro do Partido Comunista, fui atuante, fui preso pela revolução de 1964. Nós tínhamos, inclusive, uma juventude preocupada com os problemas brasileiros, e discutia os problemas brasileiros, estudava, formava convicção, tínhamos ideologia, comportamento ideológico. Hoje, o comportamento é fisiológico. Totalmente fisiológico. Não existe mais o ideológico. Tem algumas manifestações de partidos super-radicais, que eu não concordo também, acho que está tudo errado. Inclusive, a queda da União Soviética mostrou que aquele sonho socialista mundial era precoce. Não existem meios ainda. O próprio [Karl] Marx e o [Friedrich] Engels, quando fundamentaram o marxismo, se referiram ao capitalismo como um sistema que teria capacidade enorme de se travestir, de se reciclar. E está provado. O último ato fenomenal do capitalismo foi a globalização. Sabe-se lá o que vem depois, agora. Então, temos muito tempo pela frente em razão de um fator: que as conquistas da humanidade são realizadas através da egolatria.
ATUAL – E o que é a egolatria nesse contexto?
AMAZONINO – É o egoísmo, a vontade de ter, de ser, aliada à necessidade. A tecnologia se desenvolve mais na indústria bélica. É aquele país querendo ser superior ao seu adversário. A alta tecnologia não surge simplesmente porque a humanidade precisa avançar. Essa natureza humana ainda vai impedir, por muito tempo, o ideal socialista.
ATUAL – Na política local, nós estamos diante de uma crise e o Amazonas é um dos estados mais atingidos, segundo o próprio governo. Como o senhor avalia o comportamento do Governo do Amazonas diante da crise econômica?
AMAZONINO – O Estado mais atingido pela crise foi Pernambuco. Nós estamos em segundo lugar, pelo simples fato de termos uma economia singular, acetada na Zona Franca de Manaus, que produz apenas bens que, em relação às necessidades do povo, seriam supérfluos. Não são supérfluos, mas seriam numa eventual escolha da população com a exiguidade de recursos. É natural, porque quando São Paulo gripa, Manaus tem febre. Porque tudo o que nós produzimos depende do consumo. Se não tem consumo, não tem produção. Esse é um fato e isso nos atinge diretamente. O que lamentamos é que temos quase 50 anos de Zona Franca e ao longo desse meio século não cuidamos de ter um terceiro ciclo. Eu levantei essa tese 20 anos atrás.
ATUAL – E por que não deu certo o Terceiro Ciclo?
AMAZONINO – Eu tentei despertar a consciência popular, os políticos, a imprensa, mas fiquei falando só. De certa forma, fui até ridicularizado por alguns setores. Me esforcei, fui pioneiro, todo pioneiro erra, é natural, mas alguma coisa ficou, como o Porto de Itacoatiara, por exemplo, que é uma realidade para o país, não foi só para o Amazonas, porque desafogou o transporte da soja do centro-oeste. Eu estava certo. Mas outras ideias, outros pensamentos, como fazer redução de minério, utilizando gás. Eu queria transportar o gás por barcaça, e naquele tempo se gastaria R$ 150 milhões, apenas, e teria gás para o Estado todo. Porque as barcaças levariam para todos os municípios. Gastamos 2 bilhões e meio de dólares em um gasoduto e não temos gás. E nada fizeram. O gás seria muito importante, deveríamos brigar por essas coisas e a gente não briga, porque dele daria para se extrair o nitrogênio. E agora, com a mineração de potássio, a gente poderia fazer o NPK.
ATUAL – Nessa história das barcaças houve um embargo da Justiça, a pedido do PCdoB, do deputado Eron Bezerra.
AMAZONINO – Não foi a Justiça que embargou. E o PCdoB é um idiota. Tanto que depois, com o gasoduto, eles botaram outdoor nas ruas, enaltecendo, dizendo que foram eles que conseguiram. Na verdade, eles não conseguiram nada. Hoje, com o escândalo da Petrobras, a gente está sabendo que a Petrobras fez aquilo num esquema de esculhambação, foi para atender a esquema. E eu acho que a [Operação] Lava Jato ainda vai chegar aí, porque foi tão absurda essa obra que é muito provável que tenha coisa escondida. Não estou dizendo que tem, mas é provável, pelo que a gente lê. Então, o Amazonas deveria procurar potencialidade. Os nossos políticos não estão brigando gravemente por mineração. O Pará tá escapando da crise por causa da mineração. Hoje, 30% do PIB do Pará é mineração. Nós, não. Aqui é Zona Franca, Zona Franca e dinheiro emprestado. E quando a gente pega dinheiro emprestado, em vez de fazermos investimentos em coisas que dê resultados, a gente faz gasto. Fizemos ponte, fizemos um estádio. Existe um equívoco muito sério na área administrativa. Eu prefiro não acusar ninguém e não falar mal de ninguém. É o que está por aí, é o que campeia na área pública. Eu entendo que deveria ser diferente. Nós criamos uma universidade, e essa universidade hoje deveria ser uma das mais poderosas universidades do trópico úmido no mundo, porque foi com esse objetivo que ela foi criada. O dinheiro que gastamos e que continuamos a gastar com a universidade, pelo tempo que ela está aí, não foi direcionado nesse sentido. E ela se torna uma universidade igual a qualquer outra. Não faz sentido, a Amazônia é diferente, e precisamos desenvolver conhecimento e tecnologia para conviver com essa região e explorá-la. E o caminho é uma universidade, formando técnicos.
ATUAL – Quando o senhor diz que não acusa ninguém, eu lembro que todos os políticos que vieram depois do senhor foram “crias do Amazonino”. O senhor não os ensinou ou eles não aprenderam?
AMAZONINO – Não, quem sou eu para ensinar. Não ensinei nada. As pessoas são adultas e têm discernimento, têm competência, têm capacidade. Eu acho que simplesmente não têm a tendência que eu tenho. Eu tenho essa tendência de ser desenvolvimentista. Esse é o meu pensamento: desenvolver. Eu tinha duas coisas básicas quando administrava: cuidar de pobre e desenvolvimento, aliada à modernização. Eu modernizei a Secretaria de Fazenda, modernizei o Estado, modernizei o sistema de saúde, melhorei muito a educação. E eu estou falando com tranquilidade, e vou dizer uma coisa. Por favor, não entenda como empáfia, porque é rigorosamente verdadeiro. Mais de 90% dos hospitais que temos no Estado do Amazonas desde Tenrero Aranha, desde 1850, foram feitos por um homem só, chamado Amazonino Mendes. Todos os aeroportos feitos no interior pelo governo do Estado, só um homem fez: Amazonino Mendes. Quase 50% das escolas que temos no Estado do Amazonas foram feitas por um homem só: Amazonino Mendes. Uma universidade pública que existe no Estado do Amazonas foi feita por um homem só: Amazonino Mendes. E assim vai. Eu poderia te rezar um rosário de coisas, mas não gastei muito dinheiro com propaganda.
ATUAL – O senhor levou essas informações para uma propaganda do PDT. Por que a essa altura da vida política o senhor quer mostrar?
AMAZONINO – Por que uma pesquisa recente que nós fizemos, até a Ponta Negra, que comecei quando fui prefeito a primeira vez, depois melhorei como governador, depois dei uma nova ajeitada quando fui prefeito pela segunda vez, melhorei de novo como governador. Voltei e encontrei a Ponta Negra completamente devastada, abandonada, fiz esse projeto lindo, e fiz a praia da Ponta Negra para o povo ter praia o ano inteiro, deixei o dinheiro para concluir o resto do projeto – o dinheiro e o projeto. Fiz a pesquisa e o povo pensa que foi o Arthur [Virgílio Neto, atual prefeito de Manaus] que fez. Por quê? Porque eu não gastei dinheiro com propaganda.
ATUAL – O senhor errou ao não gastar dinheiro com propaganda?
AMAZONINO – Não, não errei, não. Não me arrependo disso. Preferi gastar em escolas. Como é que eu ia fazer tantos hospitais, tantas escolas, se eu desviasse dinheiro para propaganda? Então, não me arrependo e não tenho que lamentar, porque fui governador três vezes, prefeito três vezes, senador da República. Apenas constato. E esses equívocos, quem se prejudica é o povo. É o povo que fica sem saber das coisas.
ATUAL – O senhor considera que hoje está no ostracismo político?
AMAZONINO – Não é ostracismo político.
ATUAL – E o que é?
AMAZONINO – Eu estou no descanso. Eu mesmo decidi descansar. Ninguém me expurgou. Eu resolvi cuidar um pouco de mim e de minha família. Eu dei 30 anos da minha vida pro povo. Esqueci meus netos, esqueci meus filhos, esqueci minha família. As consequências disso são muito graves. Eu tenho família como qualquer outra pessoa. Não deixo de ser político, continuo sendo político, ajudando, não para ser candidato, eu não quero saber disso.
ATUAL – Não existe a possiblidade de candidatura do Amazonino Mendes?
AMAZONINO – Eu insisto dizendo não quero, não quero e não quero. Mas como as pessoas mentem muito, não acreditam no que falo. Eu quando fui governador, disse que não iria ser candidato a senador. Ninguém acreditava. Não fui. Depois, eu era prefeito e disse que não era candidato ao governo, o pessoal não acreditava. Não fui. E agora, digo que não sou candidato e o pessoal não acredita.
ATUAL – Quem quer que o senhor seja candidato? São os políticos?
AMAZONINO – Ah, não sei. Eu não medito sobre isso. Não penso sobre isso. Nem falo sobre isso, porque quem não quer sou eu.
ATUAL – E como é que o senhor faz política hoje?
AMAZONINO – Ouvindo as pessoas que me procuram, orientando o quanto possível, levantando teorias, teses, tentando criar alguma liderança por aí, sempre gostei de fazer isso. Conversando, mostrando caminhos: “Olha, faz assim, procura esse meio aqui”. Lamentavelmente, eu tenho ouvido muita frustração: “Não adianta, se eu falar não sai, não é publicado em lugar nenhum, eu falo e não reverbera, não repercute”. Eu digo que é assim mesmo, a luta é grande. O que não pode é desistir.
ATUAL – Em entrevista com o senador Omar Aziz, na semana passada, ele disse que conversou com o senhor pelo menos três vezes depois das eleições do ano passado, inclusive há algumas semanas vocês conversaram.
AMAZONINO – Claro, conversamos. O Omar Aziz é um amigo de 40 anos.
ATUAL – Mas no ano passado, antes das eleições, o senhor chegou a dizer que não o receberia aqui na sua casa. O senhor andava desapontado com ele.
AMAZONINO – Andava, muito. Não era pouco, não.
ATUAL – O que ele fez para lhe deixar tão desapontado?
AMAZONINO – Eu prefiro não tocar no assunto. Mas fiquei muito chateado, decepcionado. Mas passou. Conversamos e me senti feliz com isso. Sempre que você reata uma amizade antiga é bom. Eu tenho um histórico, fiz benefício pra todo mundo, pra ele, inclusive. E me sinto muito à vontade, posso navegar onde eu quiser. Eu fiz benefício pro Eduardo [Braga], pra ele [Omar], pro [governador José] Melo, pro Alfredo [Nascimento] e pra tantos e tantos e tantos. Então, todos eles, a rigor, têm uma relação comigo, e não faz sentido a gente depois de 70 anos ficar ruminando desavenças. É gostoso quanto você reata isso, até porque também eu aprendi uma coisa que toda pessoa deveria pensar: Não se exige perfeição dos outros, porque nós mesmos não somos perfeitos. Quando a gente tem relacionamento e exige perfeição, não estamos sendo corretos, porque nós mesmos estamos sujeitos a imperfeições. É muito importante você ter a relação com um grau de tolerância e compreensão.
ATUAL – Quem o senhor considera a maior liderança política do Estado entre aqueles que estão atuando?
AMAZONINO – Eu acho que liderança, mesmo, o Estado não desenhou, não. Eu falo de liderança como as que havia.
ATUAL – Gilberto Mestrinho e depois Amazonino Mendes…
AMAZONINO – Sim. Não sei se os tempos modernos anulam essa possibilidade. Nós temos hoje manifestamente políticos com boa aceitação, não com liderança. Políticos que consolidam uma posição de comando perante o povo. Isso é evidente, está claro que nós não temos; nem o país tem. O último era o Lula, que tá se acabando. Eu acho que são sinais dos tempos. Mas nós temos políticos bem posicionados. O Omar tá muito bem posicionado, é visível. O Eduardo, em que pese ter perdido a eleição, tem uma posição. O Melo, em razão de ser governador, e até pelo jeito humilde de se comportar, não subiu à cabeça, está enfrentando uma crise, comendo o pão que o diabo amassou –eu acho que nunca um governador enfrentou tantos problemas como esse rapaz tá enfrentando. Ele precisa de equilíbrio e uma dose de sorte. É admirável como ele está conseguindo andar, eu acho. Eu não posso dizer o mesmo do Arthur, porque o que eu ouço é que ele não paga ninguém, a prefeitura quebrada, só vejo todo mundo reclamar. Vejo que as obras que ele fez foram as obras que eu deixei e deixei o dinheiro pra fazer. E ele teve R$ 1 bilhão a mais. E ele gosta muito de factoide, se veste de gari, cai um avião com um boliviano no meio ele foi pra lá. Enfim, e gasta muito dinheiro com propaganda. Isso não é liderança, é outra coisa.
ATUAL – O senhor conversou com o governador José Melo depois das eleições, já que apoiou o candidato adversário Eduardo Braga?
AMAZONINO – Conversei e estou torcendo pra ele acertar. Estou rezando muito pra ele acertar. Todo amazonense deve estar rezando. Porque você vê que o Melo é um cara que não entra em briga, é de boa paz. E tá com um fardo enorme nas costas.
ATUAL – Nas eleições municipais, como o senhor e o PDT vão atuar?
AMAZONINO – Eu acho que Manaus está precisando de um prefeito urgente. Pelo seguinte – eu vou lhe falar uma coisa que é da minha experiência: eu fui eleito prefeito três vezes. Aliás, eleito eu fui só duas vezes, mas fui prefeito três vezes, a primeira vez, foi na época da revolução em que o prefeito era nomeado. Eu peguei a prefeitura completamente quebrada e falida. Não tinha nada. Lembro-me que as viagens dos meus secretários era eu quem pagava do meu bolso, para irem a Brasília ou a qualquer outro lugar. Não tínhamos dinheiro para comprar um pneu. E a desorganização era total. Três anos depois eu deixei uma prefeitura arrumada, 611 ruas feitas na época, o que era um assombro na cidade; o garajão organizado. Deixei uma prefeitura boa. Quem assumiu a prefeitura? Arthur [1989]. Depois dele, eu estava no Senado e me candidatei a prefeito. Sucedi o Arthur [1993]. Encontrei a prefeitura quebrada, desorganizada, desestruturada, arrebentada. Tá ai, é só ir aos arquivos. Passei um ano e meio e nesse um ano e meio fiz a Ephigênio Salles, fiz o Japiim, aquela avenida com a praça que chamavam até de Beverly Hills. Organizei a prefeitura e deixei o Eduardo Braga, meu vice-prefeito. Fui eleito governador. O tempo passou e o Alfredo assumiu a prefeitura [1997 reeleito para administrar Manaus até 2004]. A bem da verdade, o Alfredo não comprometeu a prefeitura. O Alfredo não destruiu a prefeitura. Aí ele deixou pro Serafim [Corrêa], certo? [2005]. O Serafim simplesmente dizimou, foi um vendaval que passou na prefeitura. Liquidou tudo; tudo arrebentado, tudo desorganizado, desestruturado. O setor de ônibus, uma vergonha; botaram ônibus dizendo que eram novos e não eram, e poucos. Não cuidaram de aspectos básicos, como o combate à fraude à meia passagem, que inviabilizava o sistema. E com esse Marcelo Ramos lá dirigindo. Só picareta. Peguei a prefeitura, sofri o pão que o diabo amassou, e desta vez, mais forte, porque a cidade cresceu muito, as obrigações da prefeitura ficaram enormes, e a prefeitura completamente combalida. Eu tive que fazer um trabalho interno, demorado, difícil, complicado, e, diga-se, a bem da verdade, sem a ajuda dos governadores [Eduardo Braga e Omar Aziz]. Os governadores, longe de me ajudar, me prejudicaram. Às escondidas me perseguiram. O que eu fiz foi uma luta titânica para organizar a prefeitura. Eu era tão perseguido, pra você ter ideia, que eu tenho um exemplo importante pra lhe dar. A praia da Ponta Negra foi uma audácia, que é próprio do meu jeito de ser e de governar. Fiz uma praia pro povo, uma audácia. É natural que em todas as praias do país e do mundo morrem pessoas. São bêbados, pessoas irresponsáveis, em todo lugar. Como antes, mesmo no verão, e eu tomava banho na Ponta Negra, normal, sem a praia artificial, morriam pessoas. Arranjaram o Ministério Púuuuuublico pra pedir a interdição da praia, criando um escândalo. No fundo aquilo ali era pra desmerecer a obra do Negão. A política chegou a esse ponto.
ATUAL – Mas o Ministério Público se baseou em laudos do Serviço Geológico do Brasil que dizia que havia buracos enormes na praia e as pessoas afundavam nesses buracos, criados com a praia artificial, por isso aumentaram as mortes na Ponta Negra.
AMAZONINO – Se você examinar esses laudos vai ver que esses buracos eram lá na casa do chapéu não eram na área de banho. [tento fazer outra pergunta] Pera aí. Estou lhe falando a verdade. Esses buracos eram extremamente distantes, naturais e não provocados pela praia. Mesmo assim, você tem praias em Copacabana, Ipanema, em todo lugar, onde há buracos. A ideia básica era desmerecer. Tanto é que, aterraram os buracos? Fizeram algum aterro? Tu conheces algum? E por que liberaram e não morreu mais?
ATUAL – Liberaram, mas colocaram uma cerca limitando a área de banho em cerca de três metros. A praia de fato não está liberada.
AMAZONINO – Você tem que entender é que liberaram e continuaram a morrer, mas não fizeram mais estardalhaço. Porque vai morrer, vai continuar a morrer, é normal, é natural das praias do mundo isso. Os índices estão aí para serem comprovados. Não foi a praia artificial que provocou mortes. Não tinha defeito. O objetivo era desmerecer. E quem sofre com isso é o povo, porque o povo come banha numa hora dessas. A gente sofre com isso também. Eu sofri até cirurgia, terminei numa mesa de cirurgia. Nunca sofri tanto. Chegava às 6h na prefeitura; fazia reunião às 6h com meus secretários pra organizar tudo, não tinha nada. Eu organizei toda. Sai e deixei dinheiro em caixa. Deixei dinheiro para fazer a Ponta Negra, deixei obras e mais obras prontas para serem inauguradas. As casonas da saúde, deixei 30 para serem inauguradas. E o prefeito passou um ano para inaugurar. Deixei a estrada do Mindu pronta, pronta pra ser inaugurada.
ATUAL – Mas o prefeito Arthur Neto ao assumir disse que faltou dinheiro, um rombo de mais de R$ 300 milhões.
AMAZONINO – Depois o Tribunal de Contas desmentiu. Tá lembrado? O Tribunal de Contas desmentiu.
ATUAL – Até hoje ficou o impasse: o prefeito sustenta até hoje que existiu o rombo.
AMAZONINO – Não tem impasse nenhum. O Tribunal de Contas mostrou que tinha dinheiro. Totalmente o contrário do que ele [Arthur] falou. Na verdade, ele é mentiroso, eu não. O Tribunal de Contas provou que ele é um grande mentiroso. Mas mentir, o pessoal mente aqui à vontade.
ATUAL – O senhor não mente?
AMAZONINO – Minto, não sou perfeito. Devo mentir, mas as minhas mentiras são como de qualquer pessoa simples e de boa fé. Por brincadeira, por gozação, etc. Mas mentir com coisa séria, não fui acostumado com isso, não. Em toda a minha existência, toda a minha vida, sempre fui um homem de enfrentar. Inclusive fui presidiário, fui preso por causa das minhas ideias. Sou um homem que tenho uma história, uma trajetória de vida com dignidade.
ATUAL – O senhor disse que iria fazer um programa de rádio. Desistiu da ideia?
AMAZONINO – Não, estou tentando, mas isso custa caro. E eu não vou receber dinheiro público. Custa caro, eu não tenho dinheiro e não posso aceitar qualquer parceria. Se vier uma parceria política eu não vou aceitar, porque aí o programa de rádio fica contaminado. Se eu quero contribuir com a sociedade, se o meu objetivo no programa é esclarecer o povo e ajudar o povo, eu não posso conspurcar o programa tendo como sócio alguém que vá vetar notícias. Então, as coisas ficam difíceis pra mim. Você mesmo é um editor de um portal, e você é pobre, não tem dinheiro, Deus sabe o que você deve enfrentar. Se você quer manter a independência e a qualidade do seu portal, não pode entrar na fila dos que vão se vender. Então, você sabe como isso é difícil. E um portal é fácil, porque você escreve, não é tão caro. Um programa de rádio, que pressupõe estúdio, repórter de rua, com link, é um negócio mais sofisticado e mais caro.
ATUAL – O senhor participaria do programa de rádio?
AMAZONINO – Eventualmente, para não timbrar o programa. Como eu fui político, se eu aparecesse bastante num programa desses, as pessoas iam imaginar: “Ah, isso é política”. E eu não quero. A minha presença eventual nesse programa seria muito disciplinada e rara.
ATUAL – O senhor tem perspectiva de quando poderia ir ao ar o programa?
AMAZONINO – Não. Quando eu vender algumas coisas e melhorar a situação… Principalmente agora, com a crise, é que eu não posso mesmo.
ATUAL – O programa implicaria em uma mudança na programação da Rádio Mix, que hoje tem uma programação musical voltada ao público jovem?
AMAZONINO – A Mix autorizaria [a abertura de um horário para o programa]. Porque a nossa Mix, aqui, é a melhor Mix do Brasil. Somos muito respeitados lá. Meu filho [Armando], que é o dono, é muito respeitado lá. E eles sabendo que o programa não seria para ajudar B ou C. O programa seria correto, digno.