Creio que nenhum dispositivo do Código Penal é mais conhecido do que o artigo 171. É comum ouvir-se, em linguagem chula, que é 171 brabo quem engana Deus e o mundo. Trata-se do estelionato, meio de conseguir vantagens em prejuízo alheio, via utilização de artifícios, ardis ou qualquer outro expediente fraudulento. Ilícito de maior evidência no seio do preceito criminal em referência, é praticado por quem emite cheque sem suficiente provisão de fundos, para saques em instituições bancárias.
Em torno do cheque sem fundo, a inventividade popular elaborou um elenco de expressões cheias de chiste, que vão do cheque boemia, aqui me tens de regresso, ao voador, que nunca aterrissa na conta. Mas, deixando a criatividade e a graça de lado, o prejuízo é sempre certo para as vítimas do golpe.
Em que pese sua vinculação quase exclusiva com quem pretende conseguir recursos ou pagar contas sem o devido lastro financeiro, é estelionatário quem usa de qualquer astúcia, armação, cilada ou método fraudulento para alcançar algum benefício, causando danos a outrem. E o entendimento estende-se a todos os atos da vida em sociedade, que tenham como pano de fundo procedimentos que burlem a boa-fé e violem a integridade do patrimônio do lesado e de terceiros ligados aos fatos.
Portanto, sob aspecto amplo, não há como deixar de não identificar na ação política fundada na mentira e em informações falsas a prática de estelionato, notadamente quando em jogo as eleições. Nesta hipótese, tem-se a figura do que poderíamos tipificar como estelionato eleitoral.
Quando distorce a verdade em programas no rádio e na televisão ou em debates com seu concorrente, quando manipula resultados de pesquisas, quando apresenta números e índices montados e incorretos em busca do voto, com o objetivo de auferir lucros eleitorais, é claro que o candidato estará obtendo ganhos e provocando danos à candidatura de seu adversário. Muitas vezes, as perdas são irreparáveis, pois nem sempre será fácil desmontar o enredo mentiroso e recompor a verdade pisoteada, frente às limitações de tempo e espaço no processo eleitoral.
A artimanha e a esperteza desenham o ardil e o artifício que têm o propósito de lograr a vítima, com apoio na divulgação de dados apresentados como corretos, embora se tenha plena consciência de que não correspondem à realidade. Vê-se então caracterizado o dolo, que se revela na intenção de ludibriar, à base de engodos.
Nas eleições presidenciais em curso, a mentira e as notícias enganosas marcaram a campanha de reeleição de Dilma Rousseff. A presidente falsea os números sobre o governo, quando diz que a inflação não está fora de controle, mesmo com percentuais que ultrapassam o teto da meta. Atribui o crescimento próximo de 0 à crise internacional, quando todos os países da América do Sul, com exceção da Argentina e Venezuela, colhem uma fase de expansão econômica. Diz que a situação energética do país vai muito bem, apesar de ter desmontado o sistema. Insiste que a Petrobras vive excelente momento, embora engolfada numa sucessão de escândalos de corrupção, com redução fantástica no valor de seu patrimônio, rebaixamento de sua nota de crédito e com seus títulos debaixo de desvalorização acentuada na Bolsa de Valores.
Em relação a seu adversário, sustenta que Aécio acabará com os programas sociais, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e privatizará ou reduzirá a importância dos bancos públicos. Dilma e seus acólitos travam uma espécie de guerra de guerrilha nas redes sociais, obrigando o tucano a desmenti-la em todos os sentidos, consumindo minutos preciosos de seu tempo no horário eleitoral. Agride os fatos, ao afirmar que Aécio, quando governador de Minas, não aplicou o percentual exigido na área de saúde e não reduziu as taxas de homicídio durante sua administração.
A petista nem sequer cora na tentativa de iludir os eleitores sobre a evolução das obras dos PACs, 1 e 2, ao declarar que todas ou foram concluídas ou estão em andamento, quando muitas se encontram totalmente paradas ou com cronogramas em permanente atraso. Foi logo apanhada na patranha sobre a transposição do Rio São Francisco e a respeito da conclusão da Ferrovia Norte-Sul, inteiramente paralisadas, segundo imagens incontestáveis exibidas na televisão.
Coroando o comportamento ardiloso, Dilma insinua que Aécio teve oportunidade de fazer pelo Brasil e não fez, como se o tucano já tivesse exercido o poder maior na República Enfim, uma impostura atrás da outra, como nunca se viu em eleições presidenciais na ainda jovem democracia brasileira.
No imbróglio em que se transformou a sucessão, nenhuma mentira branca, inocente, que não causa danos, mas todas cínicas e deslavadas, com as cores do estelionato eleitoral.
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