RIO DE JANEIRO – Documentos da procuradoria da Espanha apontam que Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF, fazia parte de uma ‘organização criminosa transnacional’ e que usava a Seleção Brasileira de Futebol para lavar dinheiro. A investigação se baseou nos documentos que a reportagem do Estado revelou, com exclusividade, em agosto de 2013.
Os documentos ainda revelam como contratos foram falsificados para permitir que o time nacional continuasse a ser usado para desviar recursos, mesmo depois que o principal parceiro de Teixeira neste tipo de prática, Sandro Rosell, se tornasse presidente do Barcelona.
A procuradoria da Espanha pediu a prisão incondicional (sem o direito de pagamento de fiança) para Rosell e deixa claro que a participação de Teixeira é plena. Depois de uma audiência de duas horas em Madri, os procuradores apresentaram ao juiz um pedido de prisão, sem possibilidade de fiança, e o magistrado aceitou o pedido. Joan Besoli, sócio de Rosell e pessoa que tramitou o pedido de residência em Andorra para o brasileiro Ricardo Teixeira, também teve o mesmo destino.
A Receita Federal na Espanha já aplicou uma multa milionária contra Rosell, acusando-o de não revelar às autoridades os lucros que obteve por meio de contratos com a seleção brasileira. O ex-dirigente argumentou que não declarou na Espanha por ter transferido o dinheiro para Andorra e, para comprovar que os contratos com a CBF eram reais, teria apresentado um levantamento da auditoria KPMG. Mas a Espanha ainda iniciou uma investigação contra sua situação fiscal, envolvendo seus lucros entre 2009 e 2011. Esse teria sido o auge da relação entre o espanhol e a CBF. A entidade brasileira, porém, disse desconhecer qualquer contrato com Rosell.
Na última terça-feira, a polícia espanhola prendeu Rosell, que tinha parceria com Ricardo Teixeira, ex-presidente da CBF. Os investigadores deixaram claro ainda que miram no brasileiro e em seus negócios com a seleção. Teixeira, entre os espanhóis, é considerado como o principal arquiteto deste esquema.
No total, cinco pessoas foram detidas e os policiais fizeram buscas e apreensões em endereços em Barcelona, Andorra, pequeno país que fica perto da Espanha, e outras duas cidades desta região do continente europeu. A operação dentro da casa do ex-dirigente durou dez horas, com questionamentos e o acesso a computadores, celulares e arquivos.
O centro da investigação é o esquema de lavagem de dinheiro que Rosell manteve com a CBF, revelado com exclusividade pela reportagem do Estado em 2013. A suspeita é de que os dois investigados tenham lucrado US$ 15 milhões (cerca de R$ 49 milhões) com a venda de direitos de imagem para os jogos amistosos do Brasil a uma empresa do Catar. Dali, o dinheiro era desviado para uma conta em Andorra, onde Teixeira chegou a ter residência.
Ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’, investigadores informaram que as suspeitas apontam que os jogos da seleção foram usados como pretexto para que a dupla de cartolas emitisse contratos e notas falsas para justificar pagamentos, lavando dinheiro. Assim, recursos obtidos de forma irregular entravam em suas contas de forma legítima. Outra suspeita é de que uma parcela do dinheiro que deveria ir para a CBF acabava de fato nas contas dos dirigentes.
Apelidada de ‘Operação Rimet’, a iniciativa das forças de ordem ocorre depois de investigações de lavagem de dinheiro por parte do ex-cartola do Barcelona, que se apresentou diante do tribunal nesta quinta. A operação está sendo conduzida depois de investigações por parte da Unidade de Delinquência Econômica e Fiscal da Polícia Nacional e do FBI. Os norte-americanos irão pedir a extradição do espanhol. Foram, de fato, as investigações nos Estados Unidos que deram os primeiros indícios de movimentações de contas na Espanha.
Tais dados abriram caminho para a descoberta de uma rede desenhada por Rosell para ocultar dinheiro. A Justiça já bloqueou cerca de 10 milhões de euros (aproximadamente R$ 36 milhões) em contas, além de cerca de 50 imóveis, avaliados em mais de 25 milhões de euros (algo em torno de R$ 91 milhões).
Amistosos
A investigação também confirma o esquema revelado com exclusividade pelo Estado, em 2013, sobre como Rosell mantinha contratos de fachada com a CBF e que parte da renda dos amistosos jamais chegava ao Brasil. Eles eram transferidos para empresas com sede nos Estados Unidos, registradas em nome do ex-presidente do Barça. A prática, segundo documentos consultados e fontes escutadas também com exclusividade pelo Estado, teria marcado a gestão de Teixeira na CBF a partir de 2006.
O detentor do direito de organizar os jogos era, desde 2006, a ISE, empresa árabe com sede nas Ilhas Cayman. Mas, segundo pessoas envolvidas com o pagamento desses cachês, nem todo o dinheiro que saía das federações estrangeiras, direitos de imagem ou governos de outros países eram enviados ao Brasil.
Um pré-contrato obtido pelo Estado mostra que a ISE fechou um entendimento para negociar 24 jogos amistosos com a empresa Uptrend Development LLC, com sede em Nova Jersey, nos EUA. Em nome da empresa nos Estados Unidos, a assinatura é de Alexandre R. Feliu, o nome oficial de Sandro Rosell Feliu.
O endereço onde a empresa norte-americana estava registrado era composto, na realidade, apenas por salas que empresários poderiam alugar para realizar encontros e manter uma caixa postal. O depósito do dinheiro era feito em Andorra, num dos bancos onde Rosell mantinha contatos e cuja diretoria fazia parte da cúpula do Barça.
O esquema funcionava da seguinte forma: a partir de cada jogo, eram repassados para a ISE como lucros da partida cerca de US$ 1 6 milhão (cerca de R$ 5,2 milhões). Desse total, US$ 1,1 milhão (aproximadamente R$ 3,5 milhões) seguiam de volta para a CBF como pagamento pelo cachê. Mas o restante – cerca de US$ 500 mil (cerca de R$ 1,6 milhão) – não era contabilizado para a entidade. Pelo contrato obtido pelo Estado, US$ 450 mil (R$ 1,4 milhão) seriam encaminhados para contas nos EUA, em uma empresa de propriedade de Rosell.
No total, o contrato aponta que, por 24 jogos, o valor previsto para o pagamento seria de 8,3 milhões de euros (aproximadamente R$ 30 milhões) para a empresa nos EUA.