Por George Castro, especial para o AMAZONAS ATUAL
Bem, vamos ao relato do segundo dia de prova do Enem. Sugiro a você que está começando a leitura deste texto, que tenha lido antes o relato feito sobre o primeiro dia de prova: “Enem: Diário de bordo de um participante”, pois recorrentemente estarei me reportando a informações que já havia relatado e comentado.
Reitero a motivação deste trabalho que é a de descrever para pais, professores, diretores, coordenadores e para a sociedade em geral, como é esta prova tão falada nos meios de comunicação. Entendendo que a informação é a melhor arma para uma boa preparação, nós do AMAZONAS ATUAL resolvemos realizar esta cobertura inédita, de dentro da prova, vivendo exatamente o que os alunos vivem nestes dois dias decisivos. Sendo assim, vamos ao segundo dia.
Uma chegada tranquila
O segundo dia inspira uma certa tranquilidade, pois já se sabendo o local e a sala de prova é possível se dimensionar melhor o tempo do deslocamento. É natural que no segundo dia já se tenha mapeado problemas, como: a distância da parada de ônibus ao local de prova ou a dificuldade de se estacionar no seu entorno. Também há o fator psicológico de já se ter quebrado a tensão do primeiro dia, pode parecer pouco, mas a ansiedade antes do início do processo acaba sendo muito grande, e consequentemente desgastante.
Uma observação interessante é que o trânsito é bem mais tranquilo, se leva bem menos tempo no deslocamento sendo também mais fácil estacionar o carro. Desta forma, é possível se constatar algo que a primeira vista pode parecer óbvio, mas que acaba passando despercebido: no primeiro dia somam-se nas grandes cidades o trânsito do sábado, que atualmente não é mais sinônimo de tranquilidade, e o trânsito ocasionado pelo deslocamento dos participantes do Enem, os dois juntos ocasionam os engarrafamentos e a consequente correria que se vê. Já no domingo tudo fica mais tranquilo.
Nestas condições, cheguei a minha sala com quase 50 minutos de antecedência em relação a hora do fechamento dos portões, às 13h (horário de Brasília). Já conhecia o procedimento e mais uma vez não levando celular, nem relógio, nem nenhum outro dispositivo eletrônico, tudo foi bem mais rápido. Apresentei meu cartão de confirmação e minha identidade, peguei meu cartão-resposta, e me sentei.
Chegando com tanta antecedência a espera do início da prova foi torturante. No silêncio da sala e com o ar refrigerado proporcionando uma temperatura bem agradável, o sono bateu. Baixei a cabeça e só a levantei quando anunciaram que os portões haviam sido fechados. Agora ainda faltava meia-hora para o início. Tornei a baixar a cabeça e comecei a me lamentar por não ter dormido mais, na verdade fui negligente nesse ponto, com o hábito de ler a noite só fui dormir às 3h, acordando às 9h.
Às 13h15 as provas chegaram. Novamente duas pessoas foram chamadas para conferir os envelopes lacrados. Desta vez não me ofereci como voluntário como no dia anterior, mas logo surgiram dois participantes que conferiram e concluíram a normalidade de tudo. A partir daí um fiscal começou a passar de carteira em carteira, fazendo o que entendi como uma pequena “revista”, perguntando se o celular estava guardado, pedindo para deixar a água a mostra, enfim procedimentos de segurança do exame.
Enquanto isso, outro fiscal entregava os cadernos de questões com a recomendação de ainda não serem abertos. Notei que os fiscais haviam mudado, dois dos três já não eram mais os mesmos, a única que se manteve foi a que tinha um crachá com a inscrição: “chefe de sala”. Acredito que isso deva ser um procedimento de segurança para evitar que os mesmos fiscais tenham contato repetido com o mesmo grupo de alunos.
A prova
Assim como costumo aconselhar em minhas palestras, comecei a prova pela redação. Li todos os textos de apoio e prestei bem atenção nos aspectos que cada um abordava. Após algum tempo de reflexão percebi que o tema: “A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira”, é um tema traiçoeiro. Digo isso porque apesar de as diversas formas de violência contra a mulher serem algo próximo de nós, não era exatamente essa a proposta do texto, certamente muitos alunos irão tangenciar este tema restringindo suas dissertações a violência doméstica ou simplesmente a lei Maria da Penha.
Em determinado momento da prova me peguei refletindo sobre isso, mas por que mesmo em uma sociedade que se diz tão aberta e diversa como a nossa, esse tipo de prática ainda se produz e reproduz? Acho que toda proposta de redação é isso: uma provocação, um convite a reflexão. No entanto, olhando rapidamente para os lados percebi todos escrevendo freneticamente, pareciam transcrever frases que pareciam já estar mentalmente elaboradas. Vi nisso um risco grande, mas continuei com minhas analises registrando-as em uma folha de rascunho que me foi dada.
A folha de rascunho foi uma diferença em relação ao primeiro dia, era uma folha grande, mas dobrada ao meio, em tamanho A-3, equivalente a duas folhas A-4. Nesta folha já vinham impressas as informações do participante, contudo, era necessário preenchê-la com o nome, data de nascimento e assinatura. Segundo os fiscais, mesmo se tratando de uma folha de rascunho que poderia ser usada para qualquer coisa, ou seja, tanto para a redação quanto para os cálculos de matemática, ela não poderia ser levada pelo participante, tendo que ser entregue ao final da prova.
A redação me consumiu aproximadamente 1h30, medi o tempo através do marcador na parede, aquele que comentei no texto de ontem, constituído de vários adesivos. Desta vez as indicações eram: 5:30, 5:00, 4:30, 4:00, 3:30, 3:00, 2:30, 2:00, 1:30, 1:00, 0:45, 0:30, 0:15. Marcando assim cinco horas e meia, tempo total de prova.
Da redação fui logo para a prova de matemática, essa é uma estratégia fundamental no ENEM, pois a área de matemática possui nota máxima cerca de 150 pontos superior em relação a área de linguagens. Desta forma, se tivermos dois alunos, um que acertasse todos os itens (questões) de linguagens e outro que acertasse todos de matemática, a vantagem a favor do segundo seria de pelo menos 150 pontos.
Na prova de matemática me deparei com itens (questões) altamente bem elaborados, bem contextualizados e, principalmente, que exigiam dos alunos as habilidades presentes na matriz de referência do Enem. Era possível se observar nitidamente a diferença entre os níveis dos itens, a proposta do INEP foi seguida a risca, com itens: fáceis, medianos e difíceis. Por sinal, os difíceis estavam bem difíceis.
Foi uma prova bonita, na verdade eu diria um “show” de prova, com: textos, gráficos, infográficos, tabelas e diagramas. Uma perspectiva de avaliação que ainda se encontra distante das nossas salas de aula, mas muito necessária, pautada principalmente na interpretação.
Consumi 2h30 nesta prova, sobrou-me então apenas 1h30 para fazer os 45 itens de linguagens. Neste momento tive que aplicar uma outra estratégia que sempre difundo em minhas palestras, dividi os itens desta área em três grupos: itens baseados em imagens, itens baseados em textos curtos e itens baseados em textos longos. Comecei a resolvê-los nesta ordem, é claro que este não é o ideal, mas numa condição de tempo exíguo esta é uma estratégia ao menos coerente.
Ao iniciar a prova de linguagens, deparei-me com outra avaliação primorosa. Novamente a presença de muitas imagens, além de poemas, trechos de reportagens, campanhas publicitárias e até textos técnicos. Um uso bem diverso das linguagens verbal e não-verbal. Eram notáveis também os itens que exploravam as habilidades referentes a artes e as tecnologias da informação e comunicação (TIC’s).
Não consegui resolver todos os itens de linguagens, chutei pelo menos dez deles diretamente no cartão-resposta. Fui o último a entregar a prova concluindo o preenchimento do cartão há três minutos do fim do tempo estipulado. Tenho a nítida consciência de que se houvesse mais tempo certamente conseguiria ter um desempenho bem melhor nesta área. Mas enfim, fiz o que era possível.
O cansaço
Dez horas de prova. Dois dias muito intensos, lendo, relendo, calculando, analisando, interpretando e inferindo. Literalmente isto cansa, fadiga corpo e mente. A cabeça sai literalmente pesada e os olhos vidrados. Recomendo esta experiência a todos os profissionais da educação que trabalhem no ensino médio. Só assim passaremos a ter provas nas escolas que realmente simulem este dia, simulação esta necessária para que os alunos cheguem ao Enem de fato familiarizado com todas as condições, favoráveis ou não, que irão enfrentar.
Chamo atenção principalmente para a prova em si, para o modelo de avaliação que o Exame Nacional do Ensino Médio propõe. Esta compreensão é um dos maiores desafios para as escolas de ensino médio, que habituadas a preparar para os vestibulares mais tradicionais ainda ensinam e avaliam em uma perspectiva tecnicista, do conteúdo pelo conteúdo. O paradigma mudou e é necessário que nos adaptemos.
Por fim, agradeço a este espaço dado pelo Amazonas Atual. É muito importante podermos levar as pessoas esta outra perspectiva do Enem: a dos alunos nos dias de prova. Certamente esta não é a única importante, nem digo que seria a principal, mas também não podemos dizer que é irrelevante. É preciso que ela seja considerada no planejamento da preparação dos alunos para esta prova.