MANAUS – As duas empresas denunciadas pelo ex-secretário de Infraestrutura do governo do Estado Gilberto Alves de Deus por suspeitas de “montar projetos” básicos e executivos de obras da Seinfra, receberam de 2010 a 2015 R$ 261.577.973,80 só de contratos com a referida secretaria. Os pagamentos estão no portal da transparência do governo do Amazonas, no link “Relação de pagamentos por órgão”.
A Laghi, que mantém contratos há quase dez anos com o governo, levou a maior parte dos recursos: foram R$ 198.911.922,04 pagos para a empresa, que tem como principal atividade a elaboração de projetos. A Egus Cojsult Engenharia e Projetos Ltda., que só começou a contratar com o governo em 2012, recebeu, desde então até neste ano R$ 62.666.051,76.
De acordo com Gilberto de Deus, essas duas empresas são responsáveis por cerca de 80% dos projetos da Seinfra, “projetos esses que são montados, não são projetos que foi feito levantamento de dados, sondagem, topografia (sic)”. Por conta dessas irregularidades na elaboração de projetos, disse o ex-secretário, “50% das obras do governo precisam ser revistos, porque se o projeto é errado, os orçamentos também são errados”.
Outra investigação
Em setembro passado, o MPC (Ministério Público de Contas) que atua no TCE (Tribunal de Contas do Estado do Amazonas) emitiu um parecer recomendando a reprovação das contas da Seinfra (Secretaria de Estado de Infraestrutura) do exercício de 2013, de responsabilidade da ex-secretária Waldívia Alencar por uma série de irregularidades em contratos, inclusive os da Laghi. O processo, cujo relator é o auditor e conselheiro substituto Alípio Firmo Filho, ainda vai a julgamento no TCE. De acordo com o documento a que o AMAZONAS ATUAL teve acesso, a recomendação do MPC ocorreu em função de irregularidades encontradas em 16 contratados analisados pelos órgãos de controle externo do TCE. Esses contratos, escolhidos a título de amostragem, representam apenas uma mínima parte dos 352 contratos da secretaria com reflexos financeiros em 2013.
O valor total dos contratos é de R$ 75.153.062,84 e o MPC aponta “prejuízos ao patrimônio do Estado no montante de R$ 20.005.256,75”, o que significa 26% dos valores contratados, de acordo com o relatório da Dicop (Diretoria de Controle Externo de Obras Públicas). Entre as irregularidades constatadas pelo Dicop e confirmadas pelo DicadAM (Diretoria de Controle Externo da Administração Direta Estadual) estão superfaturamento de obras e serviços, serviços pagos e não executados, medições a maior, serviços faturados não identificados, sobrepreços de projetos básicos, pagamentos de serviços em duplicidade, entre outros.
O caso mais curioso é de um contrato da Seinfra com a Laghi Engenharia Ltda, para “gerenciamento, supervisão e projeto executivo para implantação do corredor exclusivo de ônibus da Avenida Timbiras”, conhecida como Avenida das Flores. O Contrato 090/2012, no valor de R$ 15,2 milhões, sofreu acréscimo de R$ 1,3 milhão. Os órgãos de controle do TCE identificaram “dano de R$ 6.894.082,17”, por “diversos superfaturamentos em virtude de pagamentos de serviços em duplicidade, inclusive os ambientais, já pagos no bojo de outro ajuste”.
A mesma empresa teve outro contrato analisado, o de número 103/2012, para elaboração de projeto executivo do anel viário de Manaus. Com o valor de R$ 5,4 milhões, a execução do contrato apresenta irregularidades, de acordo com a Dicop, de R$ 2,7 milhões, ou seja, a metade do valor contratado. Os problemas apontados incluem “serviços inconsistentes”, com “meros relatórios executivos, não correspondentes a produtos”; “superdimensionamento de pessoal e profissionais técnicos envolvidos na prestação do serviço e das respectivas remunerações, custos com ônus que não deveria recair sobre o Estado”; custos e serviços não comprovados, como equipamentos, veículos e serviços gráficos; entre outros.
Um terceiro contrato (n° 017/2013) da Laghi Engenharia também teve problema, na avaliação do controle externo. A Seinfra a contratou por R$ 2,002 milhões para elaborar o projeto executivo de 6 quilômetros da Avenida do Futuro. Pelo relatório da Dicop, houve superfaturamento de R$ 1,044 milhão, mais da metade do valor contratado.
Egus Consult
Gilberto de Deus informou que a Egus tem contratados com a Seinfra R$ 175 milhões e já foram pagos quase R$ 100 milhões (No portal da Transparência há pagamentos no valor de R$ 62,6 milhões). Nesses R$ 175 milhões está incluído um contrato de fiscalização de obras no interior do Estado, no valor de R$ 133 milhões, para o período de cinco anos.
A ex-secretária da Seinfra Waldívia Alencar, responsável pela contratação da empresa, defendeu como necessário para o Estado o contrato de R$ 133 milhões, em entrevista ao AMAZONAS ATUAL, um mês antes de deixar o cargo, enquanto Gilberto de Deus diz que ele é desnecessário. “Esse contrato foi rescindido pela secretária Waldívia Alencar porque, realmente, aquilo não tem necessidade. Quando eu assumi a Seinfra a primeira atitude que eu tomei foi abrir o laboratório, porque com a quantidade de engenheiros que temos na Seinfra, ela não precisa contratar ninguém para fiscalizar obras”, disse o ex-secretário.
Em agosto passado, o procurador do MPC Carlos Alberto Almeida abriu um procedimento preparatório para investigar o contrato de R$ 133,5 milhões firmado entre a Seinfra e o consórcio de empresas capitaneado pela Egus Consult para fiscalização de obras do governo nos municípios do interior do Amazonas. Em julho deste ano, um levantamento feito pelo AMAZONAS ATUAL e que ensejou o pedido de informação do procurador à Seinfra, apontou que a empresa Egus Consult Engenharia e Projetos Ltda. já havia recebido, em apenas um ano, R$ 51.492.436,52 desse contrato.
Depois da ação do procurador Carlos Alberto Almeida e da divulgação dessas ações, o contrato foi suspenso, mas a investigação continua a ser feita no Ministério Público de Contas.
Outros casos
Outras empresas que “vendem” projetos básicos e executivos e fiscalizam obras também estão no rol das irregularidades apontadas pelo Ministério Público, de acordo com o parecer no processo das contas de 2013. O controle externo do TCE analisou dois contratos da Architech Consultoria e Projetos Ltda., que somam R$ 5,5 milhões. No primeiro, de número 004/2012, no valor de R$ 2,9 milhões, está apontado superfaturamento de R$ 1,1 milhão; no segundo, de número 094/2013, no valor de R$ 2,548 milhões e aditivo de mais R$ 606,5 mil, o TCE detectou superfaturamento de R$ 2,143 milhões. Nos dois casos, o superfaturamento ultrapassa 50% do valor do contrato. Os contratos com a Architech são para elaboração de projetos executivos de igarapés em Manaus.
O procurador Ruy Marcelo Alencar de Mendonça, que assina o parecer do MPC, pede que sejam julgadas irregulares as contas da Seinfra de 2013, e que sejam aplicadas multas aos responsáveis (a secretária Waldívia Alencar e os engenheiros responsáveis pelos projetos), que os mesmos responsáveis devolvam ao erário R$ 20 milhões e que a secretária seja impedida de assumir qualquer cargo publico.