MANAUS – O sociólogo e cientista político Emir Sader, de 72 anos, teve uma passagem rápida por Manaus, no último sábado, 14, para um evento organizado pelo PT com a participação da juventude. O evento faz parte de uma caravana que Sader está fazendo pelo país, com o título “O Brasil que queremos”. Ele disse ao AMAZONAS ATUAL, em entrevista exclusiva, se tratar de “um projeto para repensar o futuro” e que as ideias colhidas desses encontros serão levadas para a próxima edição do Fórum Social Mundial, em janeiro de 2016, na cidade Porto Alegre (RS). Na entrevista, ele analisa a conjuntura econômica e política do País e diz que a direita trabalha não para derrubar a presidente Dilma Rousseff, mas para enfraquecer o governo na perspectiva de inviabilizar a eleição de Lula em 2018. “A perspectiva de 2018 para eles é um fantasma, mais do que uma possibilidade”, afirma. Sader é filiado ao PT e usa o pronome pessoal “nós” quando se refere à legenda. Crítico ferrenho da mídia e da direita brasileira, ele afirma que Geraldo Alckmin é um candidato fraco para 2018, que Marina Silva se desgastou e que Aécio Neves “acabou”. Por isso, na opinião dele, há um pânico da direita em relação a 2018 e à possibilidade de volta do Lula à Presidência da República. Confira a entrevista concedida ao jornalista Valmir Lima durante uma viagem do hotel ao local do evento em Manaus.
AMAZONAS ATUAL – Existe hoje um sentimento de rejeição muito forte ao PT e à presidente Dilma Rousseff. Digo isso porque onde você anda tem gente criticando o partido, criticando a presidente. A que o senhor atribui esse sentimento?
EMIR SADER – Acho que são duas coisas diferentes. Uma coisa é que o governo cometeu erros em relação à política econômica e se isolou. Então, há um sentimento mesmo nos setores populares que votaram nela de que quem tá pagando a crise são os setores populares. Isso é uma coisa. E tanto não é generalizado que o Lula mantém a liderança como possível candidato à presidente da República. Então, não é uma coisa contra o PT ou contra a esquerda. Outra coisa é a manipulação já de muitos anos de um sentimento de rejeição ao PT, que é, na verdade, rejeição às políticas populares que os governos do PT levaram à prática. Não pelos erros do PT, porque [ninguém é] mais corrupto do que Eduardo Cunha hoje, que foi eleito pela oposição e apoiado pela oposição, e está presidente da Câmara. Eles não sabiam quem era Eduardo Cunha quando votaram maciçamente nele? Claro que sabiam. Então, na verdade, há uma manipulação de tentar impor ao PT uma pecha de corrupção que não pegou, nem na Dilma. Não há nenhuma acusação que pegue. Então, é uma rejeição de um projeto político que tentam generalizar e fortalecer com a ideia de rejeição ao PT.
ATUAL – Essa manipulação o senhor atribui a quem? À mídia de um modo geral?
EMIR SADER – É a oposição no seu conjunto, em que a mídia tem papel determinante.
ATUAL – Mas a oposição hoje se mostra muito fragilizada.
EMIR SADER – É uma oposição que não tem nada a propor. Se perguntar “o que a oposição quer? Derrubar o governo. “Pra fazer o que?” Nem sequer diz o que ela quer fazer. Ela não tem proposta nenhuma de sociedade. Conforme se esgota a possibilidade do impeachment, ela fica esvaziada, não tem proposta para o país. Daí, a insistência numa proposta completamente inviável. O grande fantasma dela é o Lula 2018. Não é nem a questão de atacar a Dilma, é tentar forjar uma rejeição ao Lula para inviabilizá-lo, quando é o único político de prestígio no Brasil, porque é o único que fez um governo absolutamente popular e saiu com o prestígio lá em cima.
ATUAL – Professor, mas o Brasil vive uma crise econômica que ninguém pode negar. Como o senhor está avaliando a crise e qual é o potencial dela?
EMIR SADER – Acho que havendo os ajustes nas finanças públicas, a situação melhora. Porque o governo deu várias isenções, não cobrou, não teve retorno. Ao mesmo tempo, a crise internacional se intensificou, o Brasil manteve políticas sociais com razão, e deu um desequilíbrio nas contas públicas. Só que a resposta do governo foi equivocada. O ajuste fiscal é socialmente injusto, recai sobre os trabalhadores; economicamente ineficiente, não vai levar ao crescimento econômico – com essa taxa de juros não haverá crescimento econômico; e politicamente desastroso, isolou o governo. Então, tornou-se uma crise política o que era um problema econômico real, mal resolvido pelo governo. Piorou até economicamente, intensifica a recessão, deixando no horizonte o risco de um segundo ano de recessão, com graves problemas de desemprego, com problema de pessimismo econômico. Se o governo não der uma virada agora, vai se intensificar a crise econômica e ele vai ter um mandato praticamente inteiro de impotência política.
ATUAL – O senhor acha que a presidente Dilma acertou quando chamou o Joaquim Levy para ministro da Economia?
EMIR SADER – Ela errou quando optou por uma linha de ajuste fiscal; o Levy é uma consequência dessa opção. Então, é uma opção do governo. E ajuste fiscal não leva a crescimento econômico, nunca levou. Ao contrário, intensifica a recessão. O equívoco é a leitura feita da situação e a resposta do governo vem dando.
ATUAL – E a crise política? Aqueles partidos que sempre estiveram mais à direita se aproveitam da crise econômica para aguçar uma crise política. Isso é feito pensando em 2018?
EMIR SADER – Eu acho que é com pânico de 2018, com a possibilidade de retorno do Lula. Tentaram uma solução de crise institucional que levasse a uma queda da Dilma, ou tentam que seja um governo de desgaste permanente para ver se isso debilita a alternativa de 2018. A perspectiva de 2018 para eles é um fantasma, mais do que uma possibilidade. Então, eles tentaram uma ruptura institucional para não chegar em 2018, e eu acho que não conseguiram.
ATUAL – O senhor acha que está descartada a possibilidade de impeachment?
EMIR SADER – Eu acho que sim. Acho que não há nenhuma força séria que pretenda [o impeachment]. Nem os grandes empresários, nem os grandes meios de comunicação estão nessa parada. E os próprios tucanos se deram conta de que apostaram tudo nisso e que isso se esvaziou como força política, se enfraqueceu. Então, há uma situação de inércia atual que é muito ruim para o país. O Eduardo Cunha hoje é mais um obstáculo para a oposição do que para o governo, porque ele inviabiliza qualquer condução política a partir do Congresso e ao mesmo tempo, tem dificuldades de tirá-lo do cargo porque ele criou uma rede de interesses que, em princípio, aparentemente seguem apoiando.
ATUAL – Considerando aquela questão inicial, de rejeição do PT e da presidente Dilma, o senhor acha que se eleição fosse hoje o Lula teria condição de se eleger?
EMIR SADER – Ele está na liderança das pesquisas, apesar da campanha brutal contra ele, mesmo sem dar muito espaço pra ele falar. O candidato deles, orgânico (dos Tucanos), o Geraldo Alckmin, é muito fraco, muito ruim; a Marina Silva se desgastou muito e não tem hoje nem grandeza para ter intervenções significativas. O único líder político nacional com prestígio e legitimidade é o Lula. Por isso, eles estão tentando criar um grau de rejeição que dificulte a eleição dele. Mas, comparativamente, mesmo hoje, ele continua a ser o líder favorito. E acho que numa campanha eleitoral, dizendo não só o que ele fez, mas o que ele vai fazer pelo Brasil, continuaria a ser favorito.
ATUAL – E o Aécio Neves? O senhor citou o Alckmin, mas não citou o Aécio.
EMIR SADER – Ele acabou. Ele perdeu a eleição, perdeu em Minas Gerais, ele só teve a votação que teve por causa dos tucanos de São Paulo e hoje está nos braços deles, e não é o candidato dos tucanos, evidentemente. Ele tentou espichar a conjuntura eleitoral porque era a única chance dele. Era tentar faturar em cima da votação que teve, na perspectiva do impeachment. Se esgotou e ele está totalmente isolado. Hoje ele é presidente formal dos tucanos, mas nem efetivamente ele é presidente do PSDB, não comanda o PSDB hoje.
ATUAL – O senhor comentou nas redes sociais uma reportagem da Folha de São Paulo sobre analfabetismo, neste sábado, e questionou quando o Brasil vai chegar ao patamar de países como Cuba, Venezuela e Bolívia, que erradicaram o analfabetismo. É difícil o Brasil resolver esse problema?
EMIR SADER – Fácil não é. A quase totalidade dos analfabetos é da terceira idade. Não é como o analfabetismo tradicional de crianças que se resolve rápido. Mas um país que tem Paulo Freire, que tem capacidade e que pode contar com a experiência cubana de luta contra o analfabetismo tem perfeitamente condições de superar. Precisa colocar como prioridade. O Brasil tem quase 14 milhões de analfabetos.
ATUAL – O senhor veio a Manaus em um projeto que discute o Brasil, intitulado “O Brasil que queremos”. Está percorrendo todo o país?
EMIR SADER – É, já fizemos em 15 lugares. É um projeto para repensar o futuro, estrategicamente nossos objetivos, que país, que sociedade, que escola queremos. Vamos ter uma grande atividade no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, de 19 a 22 de janeiro de 2016.