Estudos psicossociais indicam que o viciamento e a prática de vícios tende a formar hábitos e a levar as pessoas a permitir dominar-se progressivamente por eles, ainda que aparentemente não desejem isso. Seus efeitos nefastos incidem em quase todas as áreas da vida, em especial na de segurança pública.
Os impactos do viciamento geralmente não se limitam estritamente ao indivíduo viciado, mas alcançam as famílias, os grupos sociais secundários (escola, igreja, empresa ou outro ambiente de trabalho) e comunidades ou coletividades com as quais o indivíduo viciado se relaciona.
Há situações em que se recorre à fomentação do vício para fins de dominação política – foi o caso do uso de aguardente pela Coroa portuguesa para controle social da mão de obra nativa na Amazônia, ainda na fase colonial. Tornar as pessoas dependentes da sensação compulsiva de consumir exacerbadamente é uma forma de mantê-las viciadas num determinado modelo econômico. Promover o dogmatismo ideológico de qualquer regime político e mistificar messianicamente seus líderes é uma forma de produzir “lavagens cerebrais” e viciar as pessoas numa certa engrenagem política, cujos resultados culminam em irracionalidades extremas, governos opressores, ditaduras, culturas fundamentalistas e banalização da violência. Entorpecer indivíduos e coletividades, via química, psicológica ou comportamental, com o propósito de obter indevidas vantagens econômicas, pecuniárias, sensuais ou de qualquer outra ordem também constitui um viciamento “útil”, inclusive coerente com certos padrões de dominação econômica, política e cultural.
A desaprovação social do vício tem seu fundamento na lesão que sofre a sociedade por causa da deterioração de qualquer de seus membros individuais e no perigo que ele representa à qualidade de vida, à saúde e à integridade dos demais membros da coletividade.
Esclareceu o psicanalista e sociólogo alemão Eric Fromm, ainda no século passado, que “O fato de milhões de criaturas compartilharem os mesmos vícios não os transformam em virtudes; o fato delas praticarem os mesmos erros não os transformam em verdades e o fato de milhões de criaturas compartilharem a mesma forma de patologia mental (moral, social e comportamental) não torna estas criaturas mentalmente sadias.” Basta lembrar das tragédias geradas pelo nazifacismo, stalinismo, salazarismo, franquismo e outros “ismos” que afligiram sociedades inteiras. E permanecer atentos aos “ismos” atuais que ameaçam a sanidade, a lucidez, a autonomia cognitiva, a dignidade humana e atormentam qualquer perspectiva de estabilidade política com vistas a promover a liberdade, a justiça e alguma paz no planeta.
Especialistas esclarecem que o tênue limite entre o desejo e o vício é a capacidade de autocontrole. O vício conduzira à dependência química, física, comportamental ou psicológica por causa da insuficiente capacidade de autodomínio do indivíduo diante do objeto que alimenta o mesmo. O argumento do filósofo clássico Aristóteles, de que “Toda virtude é um ápice entre dois vícios: a falta e o excesso”, persiste ainda válido em sólido fundamento. Na ausência de equilíbrio ou moderação, qualquer coisa pode fazer mal e sujeitar o indivíduo ao vício, passível de produzir desdobramentos clínicos e criminógenos.
Nesse sentido, o vício seria, desde a gênese, certa tendência ao excesso, à compulsão, ao impulso que não se consegue controlar em relação ao objeto do mesmo, podendo ter como deflagrador ou ser provocado por diversos fatores: o apego ou a fissura com relação a objeto(s) de desejo (delírios de poder, consumismo, dinheiro, sexo, promiscuidade, bebidas, alucinógenos, fama, status…), desejo de “fuga” da realidade; privações e frustrações, sobretudo de ordem social (necessidades básicas não supridas, abandono material, moral e intelectual); sentimento de medo e insegurança (decorrentes da vulnerabilidade social, exposição à violência e à corrupção); injustiças sociais, más companhias, psciopatologias (“defeitos” do ego, manias, fobias…), influência de fatores genéticos, farmacológicos e outros.
O processo de viciamento, portanto, levaria uma pessoa a se relacionar de maneira desequilibrada, desajustada ou imoderada com certo objeto (substância, coisa, comportamento, relacionamento interpessoal ou social) de modo a resultar disso uma dependência física, química ou psíquica. As pessoas viciadas perdem a própria centralidade e a colocam no objeto do vício, cabendo relembrar as palavras da escritora americana Ramona Anderson:
“As pessoas gastam uma vida inteira buscando pela felicidade; procurando pela paz. Elas perseguem sonhos vãos, vícios, religiões, e até mesmo outras pessoas, na esperança de preencherem o vazio que as atormenta. A ironia é que o único lugar onde elas precisavam procurar era sempre dentro de si mesmas.” – Ramona L. Anderson
Uma vez contraído qualquer que seja o vício, conforme o grau de dependência em relação ao mesmo, seja química seja psíquica seja comportamental, fazer o caminho de volta, desviciar, deixar ou livrar-se dele, não é nada fácil. Tratamentos existem; são longos, críticos e caros, pois não se pode emancipar-se de um vício “do dia pra noite” ou meramente liberar-se dele quando se quer. É necessário superar-se, percorrer passo a passo cada degrau do desafio de desviciar-se, valorizar cada vitória, até reconquistar a autonomia em relação ao vício. Às vezes, não é mais possível fisiologicamente libertar-se dele, noutras simplesmente não se consegue volitivamente vencê-lo. Por isso, é muito melhor evitá-lo.
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