Da Redação
MANAUS – O sistema de gestão terceirizado dos presídios no Amazonas precisa evitar que a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) fique refém dos serviços privatizados. Essa é a recomendação da DPE/AM (Defensoria Pública do Estado do Amazonas) após a identificação de advogados da Umanizzare, gestora das penitenciárias no Estado, no atendimento de presos, o que viola o Artigo 134 da Constituição Federal.
Essa é uma das irregularidade apontadas no relatório sobre o diagnóstico do sistema penitenciário do Amazonas entregue, nesta quarta-feira, pela DPE/AM ao TJAM (Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas). Conforme a Defensoria, já há recomendação do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária para que o Estado adote outro sistema de gestão.
No relatório, os defensores sugerem o fechamento do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), segundo defensor público geral do Amazonas, Rafael Barbosa. “O relatório sugere o fechamento do Compaj, porque além de ter uma superlotação, a localização é um ponto de vulnerabilidade, a Umanizzare precisa realizar obras estruturais no presídio como melhoria de alas e celas, fazer investimentos para cumprimento de pena com o mínimo de dignidade”, disse.
O diagnóstico identificou 21 graves problemas no Compaj como, por exemplo, superlotação (índice superior a 228%), condições precárias de celas e áreas de convivência; fragilidade estrutural de guaritas e muralhas; baixo efetivo de policiais na segurança externa; falta de maca, remédios básicos e atividades laborais para os presos; atuação de advogados da Umanizzare na assistência jurídica aos presos, e falta de estrutura para atendimento regular da Defensoria.
Falhas apontadas
Entre outros problemas apresentados pelo relatório estão a falta recorrente de cadastramento de guias de execução (documento que informa a sentença do réu condenado e que a pena deverá ser cumprida). Há casos de presos há mais de seis anos sem o documento, o que viola a Lei de Execuções Penais, prejudicando o acompanhamento do cumprimento da pena.
Não há sistema eletrônico que avise previamente direito vencido do preso, como o de progressão de regime ou mesmo de liberdade condicional. No Judiciário, o diagnóstico aponta também a necessidade de melhor organização do sistema judicial de processos, visando a atualização permanente de informações no decorrer de processos criminais e da execução da pena. A medida visa possibilitar a ampla defesa das pessoas privadas de liberdade ou que respondem por crimes.
O diagnóstico levantou, ainda, que não há normativa interna no Judiciário que prescreva tempo de prisão provisória considerado dentro da normalidade. Foram constatados casos com mais de cinco anos de prisão preventiva e casos com demora de um ano e meio para oferecer denúncia a réu preso.
Em relação à DPE-AM, o levantamento apontou a ausência de um núcleo de execução penal e número insuficiente de defensores públicos para atender a demanda na capital e no interior do Estado. Também foi constatada falta de atualização permanente dos prontuários jurídicos, de saúde e psicossocial de presos é uma das ‘fragilidades’ do sistema penitenciário no Amazonas classificadas pela DPE/AM. Conforme a Defensoria, o Ministério Público e o Poder Judiciário não têm acesso ao sistema, o que dificulta o acompanhamento e controle.
Também não há um sistema informatizado de segurança pública que registre, por exemplo, a entrada e saída de presos, mandados de prisão abertos ou cumpridos, bem como indique impedimentos em eventual soltura de detentos. Outra fragilidade, conforme o relatório, é que o envio de documentos de presos para a Vara de Execuções Penais e Varas Criminais não é feito de forma individual. “Enviados por malote digital, há inúmeros documentos de vários presos no mesmo malote, o que dificulta a tramitação”, diz o documento da DPE.
O diagnóstico apontou também que não há veículos suficientes para escolta de presos para audiências judiciais, o que acaba fazendo com que audiências sejam remarcadas até quatro vezes. As transferências interestaduais de presos são praticamente inexistentes, fazendo com que o preso não cumpra pena próximo a familiares, facilitando o ingresso dessas pessoas a facções criminosas e violando o artigo 103 da Lei de Execução Penal.
Núcleo de execução
O defensor público geral do Amazonas informou que a DPE aumentou de dois para sete o número de defensores para atuar nas execuções penais, devido a recomendação dos ministérios da Justiça e Público Federal, após a ocorrência do massacre no Compaj, em janeiro deste ano. Os cincos defensores foram deslocados do interior do Estado para a capital para atuar nesse núcleo de execução. “Fazendo isso nós acabamos desguarnecendo o interior do Estado, mas é por uma justificativa que clama por uma resposta imediata que a crise do sistema penitenciário”.
Esse núcleo de execução precisa lidar com um volume de 10 a 13 mil processos, segundo o defensor. “É muita coisa, mas imaginando que durante algum tempo nós não tínhamos ninguém já é uma evolução”, disse. Conforme Rafael Barros, a Seap havia solicitado 37 defensores para essa função. Na primeira fase, o de conhecimento da prática do crime, a equipe está completa, com 25 defensores, um em cada vara criminal.
Recomendações
A partir do diagnóstico realizado nas nove unidades prisionais, a DPE, com o programa ‘Defensoria Sem Fronteiras’, faz recomendações ao Governo do Estado, a Seap e a SSP (Segurança Pública), TJAM, Ministério Público do Estado, DPE-AM e Prefeitura de Manaus.
Ao governo, as principais recomendações são para implantação de sistema para controle da movimentação de presos, com acesso permitido aos órgãos do sistema de Justiça; a retomada da administração, gerência e segurança do sistema prisional para o setor público; aquisição de veículos para escolta e ambulâncias para as unidades prisionais; e apoio orçamentário para a DPE-AM para convocação de defensores públicos aprovados em concurso.
Ao Poder Judiciário, as sugestões de providência abrangem a extinção dos malotes digitais coletivos para que os presos tenham a movimentação individualizada de documentos referentes à pena; utilização de sistema único de dados tanto para capital quanto para o interior; implantação de sistema informatizado de execução da pena que permita, por exemplo, ter informações sobre movimentações, condenações, cálculo de pena e agendamento automático de direitos previstos na Lei de Execução Penal.
A DPE propõe, ainda, orientações aos magistrados a regularização da expedição de guia de execução, intimação pessoal de defensor público para defesa do preso, bem como para que seja gerado apenas um único processo por preso, com somas de penas e guias de execução inseridas nesse único número de processo.
É recomendado, também, o fortalecimento da Vara de Execuções Penais e sugerida a criação de um Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, para controle de questões como excesso de prazo e superlotação carcerária.
Ao Ministério Público, o diagnóstico sugere que seja verificado se a Umanizzare está cumprindo com o contratado pelo Estado e se a empresa cumprirá recomendações feitas pelo programa “Defensoria Sem Fronteiras”. Sugere, ainda, que oriente os promotores para que verifiquem o atestado de conduta dos presos até o dia do vencimento do direito do detento.
À Defensoria Pública do Amazonas, há recomendações para que formalize com o Estado Termo de Ajustamento de Conduta para que a Umanizzare não preste mais assistência jurídica aos presos, tarefa que é exclusiva da Defensoria Pública nos casos em que não há atuação de advogados privados. Recomenda, ainda, criar núcleo de execução penal na DPE-AM; implantar sistema de informações para registro de atendimentos de assistidos em situação de encarceramento; reforço na atuação no Compaj; e acompanhamento da Corregedoria da DPE-AM para a regularidade na atuação de defensores públicos das áreas criminal e de execução penal.
À Umanizzare, o diagnóstico recomenda a alimentação, em tempo real, de informações atualizadas de prontuários jurídicos, de saúde e psicossocial de presos no Sistema de Gestão Prisional, bem como o acesso irrestrito a essas informações por parte do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública. Recomenda também a realização de melhorias estruturais no Compaj, CDPM, UPP e Ipat, entre outras sugestões.
À Secretaria de Administração Penitenciária, recomenda a interdição do Compaj Semiaberto, à época com superlotação de 410%, e com sistema de segurança vulnerável; reformas e melhoria na segurança interna na Cadeia Pública Vidal Pessoa; a criação de fluxo de informações com a Secretaria de Segurança Pública; fortalecimento de setores de elaboração de certidões carcerárias e atestados de conduta no Compaj Semiaberto; aquisição de veículos cela e ambulâncias; e realização de transferências interestaduais.
À Secretaria de Segurança Pública, recomenda o aumento de quantitativo de policiais militares e melhor aparelhamento para a segurança externa dos presídios. À Prefeitura de Manaus, há recomendações para ampliação de linhas de ônibus do transporte público, que atendam as necessidades dos familiares de presos em visitas às unidades, e para melhoria da iluminação pública na parte externa do CPDM.
O presidente do TJAM, Flávio Pascarelli, disse que o relatório não traz nenhuma novidade, mas serve para acrescentar encaminhamentos das soluções.