Com todo respeito ao debate da indústria cultural, dado o momento histórico, como deixar de lado a questão central que agita a conjuntura econômica e política, como se fosse mera disputa de opinião?
É ingênuo, desinformado, pra não dizer desonesto garantir lisura no processo de impeachment, conferindo legitimidade única e exclusivamente na base jurídica. Notadamente num país que legalidade e congruência judicial nunca foram sinônimo de justiça.
Seu lado legalista é previsto na constituição, há direito de defesa, o suposto crime é previsto constitucionalmente como tal, os prazos são cumpridos, e tudo mais que é necessário, tendo assim o aval do STF para a conclusão do rito. Hilário.
Há de se discutir o mérito de tal processo. E, ao fazer uma análise simples, contata-se que esta prática (pedaladas fiscais) é historicamente perpetuada como tradição para tentar manter um mínimo equilíbrio nas contas públicas.
Basta ver que o número de crimes, deveras mais descritos do que aqueles em questão, que não tiveram ainda seu processamento jurídico iniciado. Isto é, nenhuma novidade em pauta, pois este direito tem nada a ver com justiça. O Direito caixa alta é em si parcial, possui uma natureza conservadora, e jamais poderia ser feito diferente. Todas suas decisões não são só jurídicas, mas fundamentalmente políticas.
Pra quem usa a atual atitude do STF como exemplo de legitimidade, basta recordar da mesma posição tomada diante do golpe de 64.
A encenação conhecida por todos seus atores ganha até um ar tragicômico no nível de ridículo alcançado.
Não é hora de buscar meias palavras, ou contornar a situação: é golpe.
Coloca-se como ingênuo quem reafirma o processo de impeachment por uma questão simples. Não é mais razoável usar uma única categoria para a análise da realidade conjuntural. No caso, a esfera jurídica.
O processo que estamos vendo tem uma gênese bem definida. Uma gênese econômica, estrutural e internacional.
Em 2012, por exemplo, o governo progressista de centro esquerda de Lugo, no Paraguai, foi derrubado por um pretexto tão fraco como o brasileiro. Pode-se ver também uma repetição – com suas diferenças locais – em outras partes da periferia do capitalismo, como a Líbia – exemplo da Primavera Árabe – ou golpe em Honduras, etc.
Isto é, tais acontecimentos vem se tornando reais devido a realidade geopolítica de crise do capitalismo, cuja conta evidentemente não fecha mais. Desde em países como França e Itália, até países consolidados que ainda resistem com um crescimento econômico medíocre como a Alemanha ou Inglaterra.
Em outras palavras, o golpe do Brasil arranja roupagens legais para consolidar uma estratégia global de manutenção da ordem vigente.
Com essa manobra, coloca-se um projeto político e econômico que não fora desejado pela maioria. Mas que era inevitável dada a realidade geopolítica.
Dilma contrariou Maquiavel, que recomenda fazer o bem as poucos e o mal de uma vez. Adotou uma postura, que se adequava a proposta tucana superada nas urnas para tentar manter-se no poder.
E então, tornou-se claro o golpe ao implementar-se numa política externa e interna um caráter integralmente neoliberal.
Temer radicaliza, e portanto acelera, um processo que Dilma já fazia a contragosto, aprofundando medidas como a Reforma da Previdência, a escandalosa entrega do Pré-Sal, e compressão das contas públicas com privatizações.
Tudo isso escancara a desilusão já profetizada dos esquerdistas ingênuos com um reformismo descabido como foi o já aniquilado petismo. Está na hora da esquerda parar de disputar com os neoliberais a manutenção governamental dos privilégios burgueses. A esquerda precisa acordar, e se movimentar fora do Estado, que é onde ela de fato dece existir.